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Imagem: evivaafarofa.blogspot.com |
EITA PINGUELA DANADA!
Dezembro de 2016. Tomadas de preocupação, as
pessoas se preparavam para as festas de fim de ano. O país vivia momento de
crise e a perspectiva era de um Natal pobre para quase todos os brasileiros.
Atento, o governo Temer não queria que aquela fantasia secular morresse:
cuidadosamente preparou seu presente, um bônus de R$105 bilhões para ser
doado... às companhias telefônicas que operam no país (mais de R$87,3 bilhões
em patrimônio, perdão de multas que chegam a R$20 bilhões) (1). Para as
operadoras, ficou a certeza de que Papai Noel existe; para as pessoas, a possibilidade
de continuarem trocando mensagens pelas redes sociais.
Mais uma vez, estou esbarrando em
tema escabroso. Peço desculpas, tolerante leitor, mas não posso ficar aqui
falando, por exemplo, sobre o sexo dos anjos, vendo o país ser dilapidado pela
“quadrilha mais perigosa do país”, enquanto a miséria alastra entre os menos
favorecidos.
Para início de conversa, devo dizer
que, como assalariado e professor de disciplina da área de ciências humanas,
tenho dificuldade em entender altos valores monetários. Até R$10 mil, meu
cérebro é capaz de decodificar; a partir daí, ele começa a oscilar e a queimar
neurônios. É por isso que tenho cuidado quando uma alta cifra é colocada na
minha frente; prefiro tratar de valores menores. Como ocorre agora, assim
espero.
Estou lendo que o governo Temer
anuncia que o salário mínimo irá diminuir R$10 em 2018, passando de R$979 para
R$969 (2). Estima-se uma economia de R$3 bilhões (ai,ai,ai).
Muito bem. Quero dizer: muito mal,
muito mal para todos, menos para aqueles que têm no Brasil sua ilha de
fantasia, ou seja, banqueiros, políticos, magistrados, grandes empresários,
especuladores, sonegadores e afins.
Quer um exemplo singelo dessa casta
de privilegiados?
Enquanto 45 milhões de brasileiros
recebem salário mínimo (milhões nem chegam a isso), um magistrado do Mato
Grosso recebeu em julho/2017 salário de mais de R$500 mil, enquanto outros
dezoito receberam mais de R$300 mil. Ao ser indagado sobre o valor, muitíssimo
acima do teto, respondeu o meritíssimo: “Tô nem aí” (3). Traduzindo esses valores,
teremos: um assalariado tem que trabalhar 45
anos para ganhar o que um juiz ganhou de “trabalho” em um mês. Pode uma coisa dessa? Aqui no Brasil pode.
Vamos em frente. Para atingir a meta
de um déficit de R$159 bilhões neste e no próximo ano (4), o governo Temer faz
e desfaz coisas, deixando a maioria da população temerosa. Romero Jucá, aquele
senador que, entre três denúncias de corrupção de políticos, está envolvido em
quatro, líder do governo no Senado (também foi líder dos governos Lula e
Dilma), diz que o Palácio do Planalto decidiu cortar 60 mil empregos públicos,
visando atingir tal meta de déficit.
Pergunto: Vai cortar mesmo? Onde?
Quando? Como? Fico sem entender, pois os dados abaixo parecem desmentir isso.
Está nos jornais: assessora especial
de Marcela Temer, passando á frente de outros postulantes, acaba de ganhar um
apartamento funcional. Isso porque ela “cuida das questões particulares da
primeira dama em estrutura 100% custeada com dinheiro público” (5).
Finalizando, tentando preservar
algumas dezenas de neurônios: para barrar denúncia de corrupção passiva, Temer
reforçou a liberação de verbas para parlamentares. Quanto? Só R$1,8 bilhão (em
junho/2017) (6). Segundo o Diário da Manhã, “o Governo Temer diz ser ‘normal’
liberar R$15 bilhões para convencer os deputados a barrar a denúncia por corrupção
passiva contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara”.
Chega? Tem mais: a onda de privataria
(7) volta a atacar, atingindo setores essenciais, caso da Eletrobrás. Para
fazer dinheiro, o governo está privatizando até a máquina de fazer dinheiro, a
Casa da Moeda. Enquanto isso, ruralistas devedores da Previdência (que, dizem,
está falida) são perdoados em dívida de R$10 bilhões, o Banco Itaú é perdoado
por dívida de R$20 bilhões (8).
Notícia discreta de jornais diz que
“programas criados pelo governo podem perdoar dívidas tributárias de R$78
bilhões” (9). Isso explica um pouco porque não há dinheiro para a Saúde, a
Educação e Saneamento, porque a Previdência está “falida”. Muitas empresas
estão viciadas em sonegar impostos, esperando o perdão das dívidas. Para elas e
para alguns outros vale a pena ser desonesto, sonegar impostos.
Ao fim de tudo (vendo bilhões serem
desviados – só nos exemplos acima - enquanto o salário mínimo sofre a ameaça de
corte de R$10), quero dizer que tudo isso que o governo faz e desfaz tem
sentido. Afinal, ele foi colocado lá justamente para atender aos interesses
dessas categorias. O povo, numa alusão a determinado técnico de futebol, não
passa de mero detalhe.
Notas:
(1) Presente para as teles pode chegar a
R$105 bilhões: noticias.r7.com
(2) Previsão de salário mínimo para 2018
cai para R$969: istoe.com.br
(3) “Eu não tô nem aí”, diz juiz que
recebeu mais de R$500 mil em julho: noticias.uol.com.br
(4) Governo revisa meta fiscal para 2017
e 2018 para déficit de R$159 bilhões: economia.estadao.com.br
(5) Assessor pessoal de Marcela Temer
recebe apartamento funcional: politica.estadao.com.br
(6) Em meio à crise, Temer libera R$1,8
bilhão em emendas em julho: jconline.ne10.com.br
(7) Privataria = cruzamento de
privatização com pirataria; exemplo: uma empresa, onde foram investidos mais de
R$400 bilhões, se vendida por... R$20 bilhões.
(8) Carf decide a favor do Itaú em
processo de R$25 bilhões de impostos: Globo / Equipe econômica decide perdoar
dívida de empregador rural: Coluna do estadão
(9) Programas criados pelo governo podem
perdoar dívidas tributárias de R$78 bilhões: economia.estadao.com.br
Etelvaldo Vieira de Melo