Imagem: folha.uol |
O
dia 16 de setembro de 2017 apareceu e desapareceu sem que se concretizasse
aquela ameaça que chegou aos meus ouvidos: o tal Armagedão, a catástrofe que
iria desabar sobre o Brasil.
No
dia seguinte, domingo, tudo ia aos conformes até as 16 horas. Pensava eu: como
o pastor vai justificar o fracasso de sua previsão de hecatombe para o país?
Enquanto
pensava essas coisas, assistia pela TV ao jogo de futebol entre Corinthians e Vasco.
Estávamos na 24ª rodada do Campeonato Brasileiro, liderado com folga pelo
Corinthians, 7 pontos á frente do segundo colocado. O jogo era na Arena
Corinthians, em São Paulo, com público de 41.235 pagantes.
Apesar
de dominar a partida, o Corinthians não conseguia marcar seu gol. Finalmente,
aos 38 minutos do segundo tempo, Marquinhos Gabriel, que havia substituído
pouco antes Jadson, fez um cruzamento para Jô entrar com bola e tudo nas redes.
Gol! Gol do Corinthians! O juiz aponta o centro do gramado. A torcida explode
em comemoração.
Jô
pega a bola, mas, em vez de correr para o abraço dos companheiros e da torcida,
vai até o juiz, colocando a bola no chão. Pela TV, vejo que gesticula, bate a
mão no braço, conversa com o juiz. O estádio é tomado de silêncio, a torcida
não entende o que acontece; comentaristas, narradores e repórteres discutem uma
explicação. A TV reprisa o lance por vários ângulos. Uma das câmeras mostra o
que aconteceu de fato: em vez de cabecear, Jô tocou a bola com a mão. Era isso
que ele falava ao juiz. Esse, depois de consultar os bandeirinhas, finalmente
coloca a bola na marca, indicando tiro livre indireto para o Vasco: o gol havia
sido anulado.
O
jogo termina empatado, estando agora o Corinthians 8 pontos à frente do
primeiro concorrente.
Após
o jogo, diante de uma profusão de microfones, Jô explica o que havia
acontecido:
-
O gol foi ilegal. Em vez de cabecear, toquei com a mão.
-
Para o juiz, tinha sido legal – falou um afoito repórter. – Por que você não deixou
passar?
-
Pode parecer bobagem – falou Jô, passando a mão pelo rosto suado, enquanto
fazia uma careta - mas esta é a minha contribuição para ajudar o país.
-
Como assim?
-
Minha mãe sempre me disse: se cada um cuidar de varrer a porta de sua casa, a
rua ficará limpa. É isso. O Brasil vive uma crise moral sem precedentes. Acho
que cabe a cada um fazer sua parte, dando bom exemplo. O que fiz aqui hoje pode
ter sido uma simples gota d’água, mas ela poderá se juntar a milhares, milhões
de outras para lavar a sujeira de corrupção e de imoralidade que assalta o
país. Se ficasse calado, estaria reproduzindo os erros que não aceito. Este é o
meu recado para os políticos, os magistrados, banqueiros, empresários e todos
os sonegadores do país: chega de roubo, de mentira, desonestidade, de falta de
vergonha na cara.
No
dia seguinte, o país amanheceu em convulsão. Todos comentavam o sucedido,
milhares, milhões de vozes se somaram à fala de Jô. As pessoas erradas
perceberam que algo de novo e extremamente perigoso estava no ar. A imprensa
internacional – New York Times, Le Monde, Yomiuri Shimbum, El País, Corriere
della Sera e até mesmo o Financial Times – destacou o feito em matérias de
primeira página.
Curioso,
quis ler o que dizia a reportagem do Le Monde, quando fui surpreendido por um
grito vindo da TV:
-
Tá no filó! Goool! Gol do Corinthians! Jô é o nome da fera. E aí, Kafunga, gol
legal?
-
Tem coré-coré: gol barra suja! Foi com a mão, com la mano, todo mundo viu,
menos esse juiz mentecapto.
Já
era tarde, a TV mostrava lances da partida. Parece que eu havia dormido.
Misturei as emoções. O sentimento de esperança sendo substituído pela decepção
e pela tristeza. O domingo chegava ao fim. Uma tragédia desabava sobre minha
cabeça.
Etelvaldo Vieira de Melo
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