FIM DOS TEMPOS: RASPA O TRAVESSÃO!

Resultado de imagem para Imagens do gol de Jô contra o Vasco
Imagem: folha.uol
“Eu decidi assim porque acredito que a justiça e a honestidade te levam adiante. Por fim, nós jogadores profissionais temos um papel de modelo para com os jovens jogadores e torcedores” – Fala não de Jô, mas de Felix Bastians, jogador do Bodum, time da 2ª divisão de futebol da Alemanha. No jogo contra o Darmstad 98, aos 17 minutos do segundo tempo, estando seu time perdendo por 1 X 0, ele caiu na área adversária em disputa com Sandro Sirigu. Pênalti marcado. No entanto, o juiz cancela a penalidade, depois de conversar com Bastians, que admite que não houve falta.
            O dia 16 de setembro de 2017 apareceu e desapareceu sem que se concretizasse aquela ameaça que chegou aos meus ouvidos: o tal Armagedão, a catástrofe que iria desabar sobre o Brasil.
            No dia seguinte, domingo, tudo ia aos conformes até as 16 horas. Pensava eu: como o pastor vai justificar o fracasso de sua previsão de hecatombe para o país?
            Enquanto pensava essas coisas, assistia pela TV ao jogo de futebol entre Corinthians e Vasco. Estávamos na 24ª rodada do Campeonato Brasileiro, liderado com folga pelo Corinthians, 7 pontos á frente do segundo colocado. O jogo era na Arena Corinthians, em São Paulo, com público de 41.235 pagantes.
            Apesar de dominar a partida, o Corinthians não conseguia marcar seu gol. Finalmente, aos 38 minutos do segundo tempo, Marquinhos Gabriel, que havia substituído pouco antes Jadson, fez um cruzamento para Jô entrar com bola e tudo nas redes. Gol! Gol do Corinthians! O juiz aponta o centro do gramado. A torcida explode em comemoração.
            Jô pega a bola, mas, em vez de correr para o abraço dos companheiros e da torcida, vai até o juiz, colocando a bola no chão. Pela TV, vejo que gesticula, bate a mão no braço, conversa com o juiz. O estádio é tomado de silêncio, a torcida não entende o que acontece; comentaristas, narradores e repórteres discutem uma explicação. A TV reprisa o lance por vários ângulos. Uma das câmeras mostra o que aconteceu de fato: em vez de cabecear, Jô tocou a bola com a mão. Era isso que ele falava ao juiz. Esse, depois de consultar os bandeirinhas, finalmente coloca a bola na marca, indicando tiro livre indireto para o Vasco: o gol havia sido anulado.
            O jogo termina empatado, estando agora o Corinthians 8 pontos à frente do primeiro concorrente.
            Após o jogo, diante de uma profusão de microfones, Jô explica o que havia acontecido:
            - O gol foi ilegal. Em vez de cabecear, toquei com a mão.
            - Para o juiz, tinha sido legal – falou um afoito repórter. – Por que você não deixou passar?
            - Pode parecer bobagem – falou Jô, passando a mão pelo rosto suado, enquanto fazia uma careta - mas esta é a minha contribuição para ajudar o país.
            - Como assim?
            - Minha mãe sempre me disse: se cada um cuidar de varrer a porta de sua casa, a rua ficará limpa. É isso. O Brasil vive uma crise moral sem precedentes. Acho que cabe a cada um fazer sua parte, dando bom exemplo. O que fiz aqui hoje pode ter sido uma simples gota d’água, mas ela poderá se juntar a milhares, milhões de outras para lavar a sujeira de corrupção e de imoralidade que assalta o país. Se ficasse calado, estaria reproduzindo os erros que não aceito. Este é o meu recado para os políticos, os magistrados, banqueiros, empresários e todos os sonegadores do país: chega de roubo, de mentira, desonestidade, de falta de vergonha na cara.
            No dia seguinte, o país amanheceu em convulsão. Todos comentavam o sucedido, milhares, milhões de vozes se somaram à fala de Jô. As pessoas erradas perceberam que algo de novo e extremamente perigoso estava no ar. A imprensa internacional – New York Times, Le Monde, Yomiuri Shimbum, El País, Corriere della Sera e até mesmo o Financial Times – destacou o feito em matérias de primeira página.
            Curioso, quis ler o que dizia a reportagem do Le Monde, quando fui surpreendido por um grito vindo da TV:
            - Tá no filó! Goool! Gol do Corinthians! Jô é o nome da fera. E aí, Kafunga, gol legal?
            - Tem coré-coré: gol barra suja! Foi com a mão, com la mano, todo mundo viu, menos esse juiz mentecapto.
            Já era tarde, a TV mostrava lances da partida. Parece que eu havia dormido. Misturei as emoções. O sentimento de esperança sendo substituído pela decepção e pela tristeza. O domingo chegava ao fim. Uma tragédia desabava sobre minha cabeça.

Etelvaldo Vieira de Melo

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