Imagem: fatosdesconhecidos.com.br
FÁBULA
NEBULOSA 32: ENCONTRO DESMARCADO (*)
Vô João era Raimundo de nascença. O apelido
veio com a profissão, servente de pedreiro. A cor de sua pele era de um pardo
indefinido, que ficava escondida por trás de uma mistura de cimento, poeira e
cal. O cabelo encarapitado estava sempre grisalho, como se estivesse coberto de
neve.
Raimundo era conhecido pelo nome somente em
casa, pela esposa e pelos sete filhos. Sua esposa, Clotilde, ora o chamava de
Reimundo, nos momentos de braveza, ou de Mundinho, quando o mau humor lhe dava
trégua. Os filhos invariavelmente o chamavam de paiê. Já Raimundo chamava sua
mulher de Crotildes.
Vô João, o Raimundo, morava na periferia da
periferia da cidade, em um aglomerado próximo a uma fábrica. Todo dia da semana,
quando o apito da fábrica tocava para a troca de turno das seis horas, ele já
estava quase chegando ao centro da cidade. Ali, deveria tomar outra lotação até
o serviço, pois era assim sua rotina: duas conduções pra ir, duas pra voltar.
Durante o dia, ficava por conta do trabalho,
com direito a uma pausa de uma hora para o almoço. Então, vô João se afastava
discretamente dos companheiros e, de cócoras, abria a marmita. Via de regra, a
comida era constituída de arroz, macarrão e feijão; de mistura, uma couve ou um
tomate fatiado. A comida estava fria, mas ele não se importava, pois se achava
também um boia-fria.
Quando voltava para casa, de tardezinha, vô
João passava num supermercado para comprar alguma coisa encomendada pela Crotildes.
Nos dias de pagamento, a sacola ficava mais pesada.
Foi justamente num dia de pagamento, estando
já a caminho de casa (ele tinha que andar por cerca de 25 minutos, depois de
descer do lotação), que vô João, estando muito cansado, sentou-se no chão,
junto a uma pedra que estava à beira do caminho. Fechou os olhos e respirou
fundo. Não sabe quanto tempo passou, mas se lembra de estar dizendo:
- Que
vida mais ingrata a minha, sô. Melhor seria se me aparecesse a morte.
Nem
bem pronunciou tais palavras, um vulto de negro surgiu à sua frente, carregando
uma enorme foice ao ombro.
- Chamou,
chamou? – perguntou a figura, com voz cavernosa.
Raimundo
se encolheu, apavorado. A outra repetiu:
- Pois
não, seu Raimundo. Em que posso ajudar?
Redobrando
um pouco a coragem, Raimundo disse:
- Não
dá pra senhora me ajudar a levar esses mantimentos até em casa?
Raimundo
não sabe se, como concordância ou ameaça, a senhora de negro se aproximou. Ele,
em desespero, começou a correr. Foi quando acordou e viu um cachorro preto
roubando da sacola um pacote de salsicha. Colocando o cão pra correr, Raimundo
pensou:
-
Estou vendo: quem abre a boca sem pensar acaba engolindo sapo sem querer.
Outra Moral
Se é
preciso ter cuidado com as pedras que estão no meio do caminho, mais ainda é
preciso com as que estão lá pelas beiradas.
(*) Invento e/ou leitura
de Fábulas Universais
Etelvaldo Vieira de Melo
|
0 comentários:
Postar um comentário