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SONHO DE NATAL
Toda esperança guarda um
segredo.
“Estamos
próximos do Natal: teremos luzes, festas, árvores luminosas e presépio. Tudo
falso: o mundo continua fazendo guerras. O mundo não entendeu o caminho da
Paz!”
(Papa
Francisco)
As cores eram tão vívidas
que a cena parecia real; por outro lado, o absurdo da imagem fazia crer que
aquilo não passava de um sonho.
Passava
eu em frente a uma loja de artigos religiosos. As vitrines estavam decoradas
com motivos natalinos. Estranhamente, vi vários produtos colocados à venda.
Aproximei-me
de um funcionário e quis saber o sentido de uma decoração específica: um casal
e vários animais em torno de um bebê acomodado numa manjedoura. Tudo levava a
crer que o local onde estavam era um curral, um estábulo. Estranhamente,
associei aquela imagem com a representação de um Natal, tal como eu conhecia.
-
Por acaso você é um extraterrestre? – quis saber o vendedor, mais irritado que
curioso. – Isto que está vendo é um presépio e representa o nascimento de Nosso
Senhor em condições de extrema pobreza.
-
Como existem vários modelos de presépio, queria saber o preço, já que estão à
venda – falei, quase me desculpando.
- O
preço está a partir de R$1 850,00. Em oferta, temos este aqui – disse,
apontando um deles – que custa R$6 256.40, mas tem desconto de 30%.
Ao
ouvir aquilo, senti que havia algo muito errado, a começar pela representação
do Natal, que não era bem aquela ali exposta. Depois, havia aquele preço
astronômico para algo que não poderia estar à venda.
Corri
em busca de uma Cápsula do Tempo. Por sorte, havia uma disponível num jardim
que ladeava uma igreja, um local bem próximo da loja. Entrei na cabine e
digitei a data de mais de dois mil anos atrás, mais o nome da cidade: Belém,
localizada na Judeia, na Antiga Palestina.
Eu
sabia quem deveria procurar. Por isso, consciente que estava agindo contra o
tempo, vasculhei as estalagens da cidade, quase todas apinhadas de hóspedes,
por causa de um censo demográfico ordenado pelo rei Herodes. Não encontrei o
casal que procurava.
Dando
um tempo à procura e querendo me esconder do sol causticante, acerquei-me de um
curral e que dispunha de coberta. Surpreso, vi que ali estavam o homem e a
mulher que eu queria encontrar. Estavam sentados em um monte de feno,
aparentando ar de cansaço.
-
Ainda bem que encontrei vocês – fui falando, sem me dar ao trabalho de uma
apresentação.
- O
que aconteceu, meu filho? – perguntou o senhor, que identifiquei como sendo
José.
-
Aconteceu que estou vindo do tempo futuro e lá eles desvirtuaram todo o sentido
deste momento que vocês estão passando.
-
Querido – agora foi a mulher quem falou. Sua voz era suave, apesar do suor que
escorria pelo rosto, devido ao cansaço e ao estado avantajado de sua gravidez.
- As estalagens da cidade estão praticamente todas tomadas. Só restam as mais
caras e não dispomos de dinheiro suficiente para a hospedagem. Chegamos até a
pensar em pernoitar aqui mesmo.
- De
forma alguma – falei, quase atropelando as palavras. – Estou trazendo para
vocês um dinheiro para que tenham uma boa acomodação. Se vocês fizerem o que
pensam, o sentido da História será todo deturpado.
Enquanto
falava, passei às mãos de José um valor correspondente a R$1.850,00. Depois,
ajudei os dois a se levantarem, enquanto colocava em minhas costas os seus
pequenos pertences. Caminhamos em direção a uma estalagem de aparência
agradável.
Deixei
ali os dois, acomodados em um quarto confortável. Depois, eu me encaminhei em
direção à Cápsula do Tempo. De longe, ouvi o choro de uma criança. Imaginei a
cena: deitada na cama, Maria, com a criança nos braços, e José, solícito,
passando em seu rosto um pano umedecido.
Quando
cheguei em casa, meu filho já estava dormindo, mas minha esposa me recepcionou
com um interrogatório: Onde estava até tarde? O que andava fazendo? Por que
aquele aspecto de cansaço?
Eu não sabia como responder. Deixei suas
perguntas no ar e fui para o quarto. Nem consegui trocar a roupa, tal a minha
fadiga.
Na
manhã seguinte, assim que acordei, vi que minha esposa se dera ao trabalho de
trocar minha roupa por um pijama.
Depois
de tomar um reconfortante banho, arrumei-me para sair.
Meu
filho estava brincando lá na marcenaria. Chamei-lhe a atenção para ter cuidado
e não se machucar.
-
Pode ficar tranquilo, papai, só vou usar uns toquinhos de madeira para fazer
uma casinha – falou ele.
Minha
esposa deixou sua recomendação:
-
José, não se esqueça de trazer os produtos daquela lista que está no seu bolso
da calça.
-
Está bem, Maria, não vou me esquecer.
Chegando
ao centro da cidade, não resisti à curiosidade de passar na loja que,
aparentemente, havia chamado minha atenção no dia anterior.
Foi
com surpresa que não vi nas vitrines nenhum daqueles presépios. Quando quis
saber do vendedor, aquele mesmo que fora ríspido, ele comentou, em tom de
brincadeira:
-
Você é um extraterrestre? Não existe presépio. O que damos para as pessoas é
esta moldura, relembrando o nascimento do Nosso Senhor. E ela é doada
gratuitamente, porque não há preço que possa pagar a esperança que representa.
Pegando
a moldura nas mãos, vi aquela cena que estava viva em minha memória: no mesmo
quarto daquela hospedaria, Maria, com o filhinho nos braços, enquanto um
solícito José cuidava de passar um pano úmido em seu rosto.
Etelvaldo Vieira de Melo
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