EXERCÍCIOS DE LÍNGUA PÁRIA

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Imagem: jornalspnrte.com.br

Esta sou eu e não outra.
Estou aqui para deixar meu corpo
ardendo, rósea azaleia,
na tarde cinza.

Sou aquela que grita:
“Eu existo, na vida me centro.”
Sei que sou rainha, menos o reino,
pra você que também grita:
“Grades, cerquem ela!”

Minha memória contra o nada
rasga os padrões patriarcais,
pintando a liberdade
no muro da caverna
desde trinta mil anos atrás.
Graça Rios

APENAS O QUE INTERESSA

Com a idade, pequenas diferenças se tornam realmente insignificantes.
Ivani Cunha

ME ENGANA, QUE EU GOSTO

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Nas trocas de mensagens entre participantes de grupos de redes sociais, três ideias me ocorrem com frequência.
A primeira é a desconfiança de que podem estar tendo um “diálogo de surdos”. Você já viu dois surdos discutindo sem ao menos recorrerem ao código de sinais? Um fala, o outro fala, mas nenhum escuta o que estão a dizer. Ao final, fica tudo do mesmo tamanho.
- Fulano, você está indo pescar? – diz sicrano, vendo o outro com embornal e vara ao ombro.
-  Não, compadre – responde o fulano. – Eu estou indo pescar.
- Ah! – arremata o sicrano. – Pensei que você estivesse indo pescar.
Nas conversas e trocas de mensagens dos zap-zaps, se não tivermos a disposição de escutar o outro, com a humildade de reconhecer que ninguém é dono absoluto da verdade, estaremos perdendo tempo, jogando conversa fora, fazendo “chover no molhado”.
A segunda ideia que me ocorre: é preciso ter cuidado com as palavras. Elas podem ser mentirosas, falsear a verdade. Nessa altura do jogo político no qual o país se vê envolvido, os candidatos às eleições falam bonitinho, orientados por marqueteiros profissionais (capazes de induzir o eleitor distraído a comer até caco de vidro e arame farpado). Portanto, não é bom considerar somente o que dizem agora; é preciso levar em conta o que falaram no passado, não só por palavras, mas também por atitudes e omissões.
Está acompanhando meu raciocínio?
A terceira ideia: não é pelo fato de concordar com alguma coisa que outro diz que devo concordar com tudo o que ele diz. Por exemplo, é fácil criticar a situação do país; agora, o importante e mais difícil é propor soluções adequadas e inteligentes que atendam aos interesses da maioria, e não somente aos de uma casta de privilegiados.
É atribuída a Mark Twain a frase “é mais fácil enganar pessoas que convencê-las de que foram enganadas”. Esta frase vai de encontro a uma outra, de domínio público: “me engana, que eu gosto”. De fato, ninguém chega a ser totalmente enganado por outro; quando alguém me convence de alguma coisa é porque, no fundo, aquilo já era aceito por mim, o outro só está sacramentando minha crença.
Exemplo, tirado da declaração de um desses frequentadores de redes sociais: “Podem falar o que quiserem, mas não mudo minha opinião sobre o juiz Sérgio Moro. Tenho comigo que ele tem razão, que está certo em suas decisões”. Tal pessoas terá por muito tempo os ouvidos tapados para críticas ao juiz Sérgio Moro, enquanto recebe com alegria as declarações elogiosas.
A seguir, vou enumerar alguns destaques de um texto que recebi num desses grupos sociais. Trata-se de uma defesa da candidatura de Jair Bolsonaro: “Para você entender o meu voto”. O que salta aos olhos é a quantidade de mentiras repassadas como se fossem verdades, tudo dentro daquela máxima do “engana, que eu gosto”, onde os fins querem justificar os meios.
- O meu candidato NÃO incomoda o cidadão de bem, a mãe e o pai de família.
O termo “cidadão de bem” é muito empregado hoje em dia. Começou a ser usado em 2013 para designar aquele que batia panela, em desfile junto à pata amarela, usando camisa amarela.
- O meu candidato incomoda traficantes, bandidos, assassinos, pedófilos e estupradores.
Sobre os estupradores, parece que não é bem verdade, se formos dar crédito ao que ele falou para a deputada federal Maria do Rosário: “Não te estupro porque você não merece” (quer dizer: se merecesse, estuprava?).
- O meu candidato não é a favor de cotas raciais, mas de cotas para os pobres, todos os pobres.
A expressão parece dizer assim: vamos falar que iremos dar cotas para todos e, assim, não ajudar ninguém. E mais: não nos interessa saber que o Brasil tem uma dívida histórica com os negros e os índios, que o país foi o último a abolir a escravidão, ela que durou 354 anos, que o racismo continua um estigma entre nós, mesmo a cota racial sendo prática em vários países (Índia, Malásia, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Colômbia; até mesmo os Estados Unidos, que tanto idolatram, adotam um sistema de cotas raciais em processos de admissão universitária).
- O meu candidato numa foi contra homossexual.
Definitivamente, não faz sentido algum escrever uma coisa assim. A quem o autor do texto quer enganar? Estas palavras não são de seu candidato: “Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”? Torcedores atleticanos, no jogo entre Atlético e Cruzeiro, bradavam: “Ô cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”.
- O meu candidato não é contra mulheres.
Outra frase que não condiz com o perfil do candidato. Não foi ele quem lamentou ter fraquejado quando sua mulher deu à luz uma filha?
- O meu candidato vai dar “carta branca” pro policial combater vagabundos que nos oprimem dia após dia.
Está aqui uma das motivações sombrias dos eleitores de Bolsonaro. Nesse quadro de injustiça social em que vivemos, vai sair tiro pra tudo quanto é lado. Acho bom que os outros “cidadãos de bem”, os pacifistas, tenham o cuidado de uma blindagem, evitando as balas perdidas.
- Deus abençoe o nosso Brasil.
Para decorar o bolo, uma frase de efeito, que vem misturar “alhos com bugalhos”, religião e política.
O nome de Deus é coisa séria, não deve ser usado em vão, não deve servir de pretexto para justificar o ódio e a mentira, para induzir ao erro pessoas simples, crédulas, facilmente manipuláveis por causa da religião.
Infelizmente, é a isso que assistimos hoje: pessoas ditas cristãs usando discurso de ódio, pregando mentiras e levando pessoas simples ao erro.
Nesta eleição, é grande o número dos que se dizem cristãos, evangélicos, missionários. Seria um conforto saber disso em outros tempos. No entanto, agora, assusta e dá medo.
Kahlil Gibran disse que “nenhum homem poderá revelar-vos nada senão o que já está meio adormecido na aurora do vosso entendimento”. Minha tristeza é saber que este texto vai cair no vazio, será incapaz de sensibilizar aqueles que já se converteram ao ódio e à mentira.
Etelvaldo Vieira de Melo

PARADOXO


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Imagem: rollingstone.uol.com.br
Em dias na rua, me perco.
Em noites na lua, te acho.
Frio o calor do meu corpo,
Doce amargura em teu passo.

Calmos sentidos e ardores
Maduram verdes momentos.
Buracos negros de estrelas
São brancas águas aos ventos.

Isso, por essa fortuna 
Que nos faz pobres mortais
Tudo é pleno e nada é mais.

Eu sou mar, tu és espuma,
Entre múltiplos desejos
Que em mim e em ti são sobejos.
Graça Rios

TERCEIRA IDADE

É louvável o empenho dos jovens em afastar nossos arrogantes velhinhos dos perigos do dia a dia.
Ivani Cunha

MEU CANDIDATO NÃO-PREFERIDO

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Enquanto seu Lobo não vem, deixo aqui registrada minha opinião sobre o candidato a Presidente da República Federativa do Brasil, sua excelência deputado Jair Bolsonaro.
Preliminarmente, algumas considerações se fazem necessárias.
Penso que nunca tivemos um Congresso tão desqualificado e tomado de ladrões como temos agora. Usando de uma analogia, existe aquela passagem bíblica que diz: “pelos frutos podemos conhecer uma árvore”. Sendo assim, a árvore em questão é o SISTEMA POLÍTICO do país, que precisa ser trocado, mudado. E não adiante achar que tudo se resolve com emendas, colocando remendos, pois “não se coloca remendo novo em tecido velho”.
Em tom de brincadeira, um amigo me disse: “Se o sistema político continua o mesmo, nem é bom pensar em renovação do Congresso, vamos ficar com os antigos, que têm experiência, já dominam a técnica de roubar”.
Como nada foi feito no sentido de uma mudança radical e os políticos continuam caindo de paraquedas, estamos vivendo o período de eleições tomado de falsos messias, velhas caras pintadas de novas. Ao fim de tudo, o povo, coitado, vai ser responsabilizado pelo que for decidido, como se o voto, nesse sistema que está aí, tivesse o poder de decidir alguma coisa, quando o máximo que consegue é trocar “seis por meia dúzia”, tudo ficando do mesmo tamanho ou pior.
Belchior, numa de suas músicas, cantava: “ainda somos os mesmos”. Na política, Bolsonaro é um exemplo de velho que quer se passar como novo, está lá no Congresso há 29 anos, já tendo mudado de partido por nove vezes. Eu pergunto: nesse tempo todo o que ele fez de novo, o que ele fez de bom para o povo em geral? Quais foram suas emendas, seus projetos, especialmente para os pobres e menos favorecidos? Durante seu longo mandato, o que ele fez efetivamente, além das bravatas e agressões verbais?
O que sei: ele é líder da chamada “Bancada da Bala”, onde defende o armamento das pessoas como forma de combater a violência. Mas penso que ele não quer combater a violência coisa alguma, o que ele faz é a defesa da violência pura e simples: olho por olho, tomou-levou, bandido bom é bandido morto. Bem longe daquele preceito evangélico, de amor e de tolerância.
Veja bem: se nos Estados Unidos, país de Primeiro Mundo, assistimos a massacres de inocentes, psicopatas entrando em escolas para atirar em crianças desprotegidas, imagina o que poderá acontecer no Brasil, país atrasado e tomado pela injustiça, pela desigualdade. Corremos o risco de uma volta aos tempos de antigamente, aos tempos do faroeste. Ali, poderá valer a máxima: “em terra de olho por olho, todo mundo fica cego".
Honestamente, a quem interessa o armamento, além da indústria bélica que, aliás, financia a Bancada da Bala? De minha parte, acho que a melhor arma é: educação, saúde, saneamento, emprego, condição de vida decente. Em países onde isso existe, a violência tende a diminuir.
Bolsonaro pensa assim? Nos anos que está na política, ele fez alguma coisa para melhorar a situação do país? Se tem alguma coisa para me mostrar, eu agradeço, vou aplaudir, rever meus conceitos.
O que mais sei dele, além de trabalhar para a indústria do armamento?
Sei, por exemplo, que ele é machista, que menospreza as mulheres. São suas palavras: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Segundo o jornalista estadunidense Glenn Greenwald, “Bolsonaro é o mais misógino e detestável funcionário público eleito no mundo democrático”.
Sei que defende a ditadura militar, chegando a homenagear o coronel Ustra, um de seus maiores torturadores, quando da votação do impeachment de Dilma Rousseff. Quem viveu como adulto naqueles anos de chumbo sabe como tudo foi dolorido, especialmente a falta de liberdade.
Sei que critica negros, homossexuais, índios, quilombolas. Seu candidato a vice afirma que recebemos de herança dos negros e dos índios a indolência e a malandragem.
Este é o postulante ao cargo de Presidente do sofrido Brasil, apoiado especialmente por uma direita raivosa, que tem nojo de pobre, que não está nem aí para o fato de miseráveis viverem na sarjeta, que não admite pobres terem acesso à cultura e a um padrão de vida decente.  
Este o Bolsonaro que, contrariando a maioria da população, se aposentou como capitão do Exército, após longos... onze anos, que não teve escrúpulos em usar auxílio-moradia em Brasília, mesmo tendo ali dois imóveis, usando o dinheiro público para... – Bem, pra saber isso é bom consultar as próprias palavras de sua excelência.
Etelvaldo Vieira de Melo

ARCO-ÍRIS

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Com o veludo de teu olhar,
mandei fazer um vestido pretinho básico.
A blusa branca, inspirada em teus cabelos,
tornou-se para mim o sol/ar da manhã
gosto de exibir-me a top model do asfalto verdejante,
para o teu bel prazer.
Na passarela dos desejos, ofereço-te um reality
show em forma de orquestra e dança.
Faze-me em ti todos os versos de glicínias! Eu os coserei
ao meu buquê nupcial.
Então, inventarei, com os modos da Gretchen
de Goethe,
frutos úvidos com teus beijos azuis.
Graça Rios




   

A VÍTIMA QUER SABER

Embora lutem para mudar a situação, os profissionais da mídia também são vítimas do descaso oficial com o ensino.
Ivani Cunha

VALE COMO DITO


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Minha parceira de blog disse que estava sofrendo com uma crise de alergia, por causa da reforma que estava sendo feita em seu apartamento. Comentei que poderia ser por causas dos produtos tóxicos que ali eram usados. Empreguei o termo “tóxico” pronunciando “tóqssico”. Ela me corrigiu: - Pronuncia-se “tóssico”, com som de dois esses.
Fiquei injuriado (com o Português) ao ouvir aquilo. Tenho dificuldades com a pronúncia de palavras (“restorante” ao invés de “restaurante” é um exemplo). Sei que devo cometer muitos deslizes fonéticos e de concordância.
O texto abaixo é uma maneira que encontrei de mitigar toda essa minha dificuldade: está escrito em conformidade com a fala, com as consoantes só valendo em seu sentido original. Assim, por exemplo, o “C” só terá valor como “cê” (de cebola). Quando tiver valor de “k” ou de “q”, estes serão usados. O “h” será descartado, só aparecendo nos encontros com “l” e “n”. Outros detalhes poderão ser percebidos ao longo do texto. Mais importante: espero que esta fórmula tenha facilitado seu trabalho, estimado Leiturino, razão maior de todo esse meu esforço criativo.
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Vale quanto peza. Este era o nome de uma marka de sabonete qe fazia muito suseso nos tempos de antigamente. Fazendo jus ao nome, era um sabonetão, durava toda vida, até akabar. Melhor do qe ele, só mesmo um outro, EuKalol, qe tinha o atrativo de oferecer figurinhas para serem kolecionadas. Não sei se pelo fato das pesoas de então ezalarem seus xeiros naturais, não sei se pelo fato do sistema olfativo da époka não estar kontaminado por tantos aromas, o certo é qe ambos os dois (sabonetes) tinham xeiros bem agradáveis.
Komo diria o velho Kafunga (um konhecido, você não tem obrigasão de saber qem foi), a modernidade veio trazer uma inversão de valores, o certo se tornando errado. Se, antigamente, um produto tinha qe pezar muito para valer muito, oje, o produto tem que pezar pouco para valer cada ves mais. É isso qe observo eskrito na embalagem de biskoito qe degusto no kafé matinal: - qonteúdo reduzido de 200 g para 180g.
É difícil, como averia de dizer um amigo. Nem dá para qomparar presos, tal a diversidade de pezo e de medida entre produtos afins. Ce a gente for kolokar os centavos dos valores das merkadorias, aí noso cérebro vai entrar em parafuzo de vês.
Iso aqontese qomigo regularmente, nas vizitas que faso regularmente aos supermerkados. Ce vou qomprar uma lata de ervilha, por ezemplo, gasto um tempão qomparando os presos das diferentes markas. Depois, ao escolher uma de melhor valor agregado (gastando meu ekonomês: uma ‘nem tanto ao mar, nem tanto à terra’, de marka qonhesida i qom preso razoável), tenho ainda qe verificar ce u pezo i o volume qorrespondem ao da maioria. Finalmente, uzo o tato para ver se não aprezenta nenhum amasado na bundinha.
Este é o ezemplo do qe ocorre na kompra de uma mízera latinha de ervilha. Komo, normalmente, a qompra gira em torno de 40 ítens, xega a aqonteser de eu fikar o dia todo dentro do supermerkado. Mas não reclamo, não: cei qe, a troqo de alguns centavos de ekonomia, estou fazendo um bem maior pra mim mesmo, ezersitando o cérebro, afugentando a vizita do doutor Alzaimer.
Etelvaldo Vieira de Melo

ARLEQUIM ESTÁ CHORANDO PELO AMOR DA COLOMBINA

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Imagem: tamojunto.no.comunidade.net

         Nesta vida não é novidade morrer,

                                  nem, entrementes, nascer.
                                           Por isso, peço,
                                  amarrem-me a um cometa,
                               enquanto – irmã de Penélope -
                                  teço o manto das estrelas.
                                
           Afinal, que fazer
                                    com o inferno nas ideias
                                      e a lava nas palavras?

         Sob o interstício do fantasma,
                                o rumor da fala ou desejo
                                  desemboca em choro,

mas sei,
psssiu...,
dissimulá-lo
em reais fantasias

Graça Rios  

O AMANHÃ CHEGOU

Novíssimos tempos: você para onde quiser, mas não basta ter carro e um excelente guia.
Ivani Cunha

MERITÍSSIMAS IGNORÂNCIAS


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Era uma vez quatro amigos. Três deles haviam se tornado eruditos, tanto tinham estudado; o quarto não gostava de estudo, era tido pelos demais como bocó, mas dispunha de bom senso, coisa que os outros não tinham.
Andavam, certo dia, pela floresta, quando avistaram os restos mortais de um leão. Um dos eruditos, o mais velho, disse:
- Vamos testar nossos conhecimentos, trazendo esta criatura de volta à vida. Sou capaz de unir os ossos e reconstituir de novo seu esqueleto.
E assim ele fez com perfeição.
O segundo, mostrando aptidões invulgares, acrescentou carne, couro e sangue ao animal.
Quando o terceiro erudito ia insuflar-lhe o sopro da vida, o bocó o interrompeu, dizendo:
- Tenham cuidado, amigos, pois estão fazendo um leão e, se tudo der certo, ele pode comer a gente.
No entanto, ninguém levou a sério sua ponderação. O insuflador chegou a falar, indignado:
- Como se atreve a questionar meu saber, seu bocó?
- Está bem – falou este. – Mas, então, espere um pouco para que eu suba nesta árvore.
Assim, o leão reviveu e, no mesmo instante, atacou e matou seus criadores. Só mais tarde, o bocó desceu da árvore e, guiado pelo seu bom senso, tomou o rumo de casa.
Leitura: Esta fábula vem mostrar que sabedoria não se confunde com erudição: muitos bocós podem ser sábios, enquanto muitos eruditos não passam de ignorantes.
Esta fábula também me faz lembrar juízes de primeira, segunda, terceira e não sei quantas mais instâncias, além daqueles outros que tomam assento no TSE e no STF aqui no Brasil. Inventam de brincar com as leis e com a Constituição e se esquecem de que podem estar fabricando MONSTROS.
Adaptado de “Contos Orientais”, de Leonardo Fróes, Editora Rocco.
Etelvaldo Vieira de Melo

A PEQUENA SEREIA


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Imagem: humornaterradas araras.blogspot.com

Quando nasci,
um  anjo movido a jato
falou:
Ó brutal produto interno,
gerada no subsolo:
  Vai, escreve no livro em branco
   a impostura da Vossa história.

Eis a pá, lavrada por ele
em meu primeiro bico,
por me ver eva nua
e sem berço.

Ouvi o querubim passageiro,
e aí o riso entornou,
pois caiu na sua cabeça
o avião que pilotou.

Graça Rios

DESOBEDEÇA

As recomendações que chegam pelo rádio não são para todos.
Ivani Cunha

FÁBULA NEBULOSA: A MOSCA E A MULA

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Imagem: duepontotre.it
FÁBULA NEBULOSA 23: A MOSCA E A MULA (*)

Ploc-ploc, lá vai a mula pela estrada
Sua carroça arrastando
Leva uma carga pesada
As patas mal se aguentando

Para piorar a situação
A trilha é de pedra e esburacada
O carroceiro só diz palavrão
Ao desferir chicotada: plaft!

Usando a mula como lotação
Dormia a mosca Zum-Zum (sem se dar conta de nada)
Até ser bruscamente acordada
Por um solavanco seguido de imprecação

Este é o cenário que a mosca Zum-Zum avistou: - Uma velha mula arrastando uma carroça carregada, numa trilha cheia de pedras e de buracos; na boleia da carroça Zum-Zum avistou um homenzarrão, que ora cuspia, ora soltava blasfêmia ou palavrão.

Tomada de dalaimática compaixão
Zum-Zum segredou no ouvido do velho animal:
- Vou aliviar você de meu peso, afinal
Indo pegar outra condução

Moral:    gestos aparentemente fúteis, banais
muitas vezes escondem grandeza de coração.

(*) Invento/leitura de Fábulas Universais
Etelvaldo Vieira de Melo