ABRINDO OS PORTOS, AS PORTAS E AS COMPORTAS

Imagem: qualviagem.com.br
No seu romance “Recordações de Amar em Cuba”, Oswaldo França Júnior cita um engenheiro holandês, que assim se referia aos brasileiros:
- Vocês com tantos recursos naturais e a maioria da população continua nesta miséria? Só existe uma explicação: burrice.
Num primeiro momento, ao ouvir tal declaração, nosso sentimento pode ser um misto de dor e de raiva. Afinal, machuca ser chamado de “burro”, ainda mais quando você acha que a “carapuça” (ainda dá pra usar tal expressão?) deve ser colocada em outra cabeça, e não na sua. Daí, também o sentimento de raiva. Você se justifica, dizendo: - Eu não tenho nada a ver com isso!
Um compositor antigo já dizia: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. De fato, o Brasil é rico em recursos naturais, possui fauna e flora variadíssimas e uma terra onde, “se plantando”, tudo dá.
No meio de tanta bondade, cabe a pergunta: - Por que não dá certo? Não dá certo por uma questão de burrice, como quer o holandês?
O que noto entre compatriotas é um certo sentimento de inveja para com outros povos. Às vezes vejo pessoas lamentando o país não sofrer com terremotos, furacões e outras calamidades. O brasileiro parece não gostar de ser tão “abençoado por Deus”, que isso parece ser mais castigo do que uma bênção. A bem da verdade, tanta riqueza natural nunca esteve a serviço dos brasileiros como um todo. No período colonial, ela foi usada para enriquecer portugueses e ingleses; depois, tivemos as capitanias hereditárias, os latifúndios. Ao olharmos para a realidade atual, veremos como tudo continua como dantes: um país que continua rico, enquanto que o povo continua como sempre marginalizado e pobre.
Em épocas de crise, como a que vivenciamos agora, sempre volta a cantilena de que privatizar é preciso, de que o estado brasileiro não tem competência e habilidade para gerir empresas, que as estatais são deficitárias e cabides de emprego, que tudo haveria de ficar melhor nas mãos da iniciativa privada, aquele blábláblá de sempre.
Quando vejo pessoas falando assim, fico pensando no holandês de Oswaldo, tenho vontade de retrucar: - Mas isso não é uma questão de burrice?
Quando vejo os resultados das privatizações promovidas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, pergunto: - Elas reverteram em benefícios reais para a população?
Você poderá citar o caso da Vale do Rio Doce como exemplo de privatização virtuosa: uma empresa que, de deficitária, passou a ter lucros extraordinários. Mas eu pergunto: - Lucros para quem? Foi lucro para a população do vale do rio Doce, ele que foi contaminado com um vazamento de rejeitos criminoso, população que até hoje não foi indenizada com justiça? Foi lucro para o país sofrer o maior desastre ambiental desse tipo em toda a história do planeta, cujo impacto ecológico, social e econômico até hoje é difícil mensurar?
Falam da privatização do sistema de telefonia como se tivesse sido um grande negócio. Pode até ter sido, mas não para os consumidores, que arcam com tarifas altíssimas, entre as mais caras do mundo, e com prestação de serviço que deixa a desejar. Enquanto isso, operadoras mal administradas, sugam dinheiro público, dinheiro desviado de bens como saúde e educação.
E, assim, os governos vão gastando milhões superfaturados na construção de rodovias que, depois, são oferecidas graciosamente para a inciativa privada administrar com seus pedágios. E, assim, depois de serem gastos b-i-l-h-õ-e-s em pesquisas, está agora o pré-sal sendo oferecido de “mão beijada” (preciso ver a origem disso, dessa expressão) para as gananciosas indústrias petrolíferas.

ABRINDO OS PORTOS, AS PORTAS E AS COMPORTAS

(EPÍLOGO)  

Imagem: viagem.uol.com.br
Se querem privatizar, que privatizem tudo: a Petrobras, a Eletrobras, o SUS, o MEC; privatizem os meios de transporte, os mananciais e a distribuição de água. Quem sabe dá pra privatizar os poderes da república? Por que não privatizar o Legislativo, o Executivo e o Judiciário?
Se acharem que é complicado tudo isso, por que não privatizar o país como um todo ou oferecê-lo como presente para outra nação? Quem sabe Portugal queira de volta sua antiga colônia? Não haveriam de querer os Estados Unidos mais um território com 8,5 milhões de quilômetros quadrados?
Já existem muitos fatores que corroboram a ideia de se anexar o Brasil  aos Estados Unidos: - Existe um sentimento enraizado em nossa cultura que diz: o que é bom para os Estados Unidos também é bom para o Brasil; as escolas aqui há muito trabalham para a aculturação (já substituímos, por exemplo, o Dia do Folclore: de 22 de agosto para 31 de outubro, o Halloween, ou Dia das Bruxas – saíram Saci-Pererê, Mula-Sem-Cabeça e outros, dando lugar ao Bigfoot, ou Pé Grande, e companheiros); as crianças escolarizadas, além dos termos empregados na Internet e na moda, são capazes de pronunciar pelo menos duas frases em inglês: The book is on the table e Open the door.
Se não bastasse tanto incentivo, podemos pensar na possibilidade de remover o Cristo Redentor lá do Corcovado, no Rio de Janeiro. Em seu lugar, poderemos colocar a Estátua da Liberdade. O dono de uma rede de lojas aqui do país não achará inconveniente ceder uma réplica da mesma. Assim, aquela estátua estará voltada para a baía de Guanabara, mostrando a todos que o Brasil passou a ser de fato e de direito Brazil.
Com o Brasil sendo incorporado pelos Estados Unidos, alguns dividendos irão sobrar para mim: já não desgostarei tanto dos filmes de violência e de guerra, onde os mocinhos são agentes do FBI ou da CIA. Mais importante: com a moeda sendo o dólar, e não mais o famigerado real, poderei adquirir, finalmente, um novo videogame, projeto que tenho adiado nos últimos anos de governo “temeroso”.
E aí, United States, topam?
Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

Fátima Fonseca disse...

É...muito além da burrice.
Parabéns cronista!

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