DARCY RIBEIRO, UM MINEIRO EM BUSCA DA IDENTIDADE NACIONAL


Maria da Graça Rios (1)
 “Darcy Ribeiro é um dos maiores intelectuais que o Brasil já teve. Não apenas pela alta qualidade do seu trabalho e da sua produção de antropólogo, de educador e de escritor, mas também pela incrível capacidade de viver muitas vidas numa só, enquanto a maioria de nós mal consegue viver uma.”
Antonio Candido, Folha de São Paulo

Falar sobre Darcy Ribeiro é sempre um desafio. Mineiro, de Montes Claros, foi um incansável estudioso, apaixonado pelo Brasil. De seu arrebatamento e inquietação com os problemas do povo brasileiro e fascínio pela antropologia social, proliferaram ideias e projetos que fizeram dele, mais do que um intelectual, um realizador, uma personalidade atuante na causa pela educação e cultura brasileiras.
Ele é um homem de causa. E causos. Daí o livro Maíra, pela salvação dos índios, escolarização das crianças, liberdade. Libertas quae sera tamen. Teve muitos fracassos, mais que vitórias. Pior seria ficar ao lado dos vencedores.
Um cruzado, com várias cruzadas na literatura, na etnologia, na humanidade do coração. Darcy das comunidades tribais, junto à natureza, aos pássaros, às matas e rios. Nesses mananciais, sonhou projetos de várias qualidades. Darcy Ribeiro, Uirá Sai à procura de Deus (74), anjo vestido com a Arte plumária dos índios Kaapor (57), O  conhecido  dos Urubus-Kaapor​ ​, em Diários índios​ ​ (96).
Grande Ribeiro, escrevedor de inglês of the American Peoples. Antropólogo tenaz, tentando entender o Dilema da América Latina (78). Como ficará a modernidade, com as Teorias sobre a Nação? Os processos de formação e as causas do desenvolvimento são apenas etapas da evolução sociocultural em 1968 ou em 2015. O jeito é resgatar o Sentido do Brasil​ ​ (95).
Os romances profundíssimos do autor focalizam o amor e o óbvio, mas vão Aos trancos e barrancos (85), por meio de Testemunho (90) e acabam transformando uma Utopia Selvagem (82) em esperança de paz e alegria.
O Mulo (81) e o Migo (88) relatam O problema do Brasil (95), e o escritor entende que o caminho venturoso só será encontrado quando o homem conseguir obter Noções de coisas (95).
O Brasil, todos sabem, é um dos países mais miscigenados do mundo. Essa diversidade é resultado da contribuição de diversos povos que formam sua identidade. O que define um povo não é só a demarcação territorial, mas a “Nova Roma”, expressão de Darcy Ribeiro, carismática e construtora.
Em sua obra, o cunhadismo, antiga prática indígena, relaciona os nascidos na Pátria num mesmo laço de sangue. Os homens e as mulheres, todos são iguais, na mestiçagem, na linguagem importada e local, na mamãe negra que alimentou e embalou as crianças e que constitui uma imagem sagrada para o patrimônio nacional. O nheengatu, o tupi, o banto, o iorubá ficam presentes no português ouvido e escrito pela narrativa do autor e pelos falantes- leitores de sua inolvidável obra.
Vasta prosa Kadiwéu (50) ensaia o saber, o azar, a beleza do que há no universo florido e perfumoso do Senhor.
Então surge, no horizonte de Brasília, a Capital do país, um Plano orientador de Universidade (62). Que seja um espaço caudaloso de ensino e aprendizagem, fruto de condições financeiras e de professores concursados pelo seu conhecimento e pesquisa. 
Segue o ribeirão a se dar com suas Propuestas acerca de la renovación (70) e vai viajando para o Peru, para as Ciências d’Alger, até abranger o conceito de que aqui a Nossa Escola é uma calamidade. ( 84)
Como chegar à Universidade do Terceiro Milênio (84)? Visitando e descrevendo O Norte Fluminense (93)? Andando pelo descaminho (78) até alcançar a Universidade Necessária (69)? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena, como disse Fernando Pessoa. A finalidade maior é tomar, com o leitor, um ótimo Café com Sociologia.com (blog com 93.086 acessos).
Para o antropólogo, a contribuição da cultura negra estaria no plano ideológico de sua obra, na força física dos jovens e adultos, nas crenças religiosas dos Estados, na gastronomia e na sensibilidade adquiridas da civilização africana. Os índios igualmente compareceram no dicionário e nos costumes do Brasil.
No perseverante trabalho do escritor perpassa a música do vento, dos violinos, dos moinhos tocando milho, do encantamento auditivo de uma gente que orquestra sinfonias nas palavras de sua boca, mesmo estando na “ninguendade” dos caribocas, dos caboclos, dos mulatos, dos imigrantes alemães, portugueses, franceses e outras nacionalidades.
O Brasil crioulo (do litoral de São Luís do Maranhão ao Rio de Janeiro), o Brasil caboclo (da região Norte com a Amazônia e os índios), o Brasil sertanejo (do Nordeste, sertão, caatinga), o Brasil caipira (do Centro-Oeste, Sudeste, São Paulo) e o Brasil sulino (dos Pampas gaúchos) sempre estiveram na memória de Darcy, em busca da democracia social. Algum dia haverá o Paraíso?
E a estratificação de classes, e a diferença entre ricos e pobres, e a concentração da riqueza nas mãos de poucos, e a desumanização das relações de trabalho, como ficariam lá pelos anos 2016?
Afinal, o povo sempre se reinventa e crise é sinônimo de oportunidade, em grego. Porque a questão do país sempre passou pela capacidade criativa dos brasileiros.
Darcy pensava que o investimento na educação seria a quebra das correntes escravas, o verdadeiro descobrimento de qualquer nação. Anistiado em 1980, coordenou um Plano Especial de Educação, criou a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil. Imagine o leitor deste texto que Darcy chegou a implantar o Sambódromo, com duzentas salas de aula para fazê-lo funcionar como uma extensa rede primária.
Para tamanho esforço, pouca recompensa. Mas o que importa, é que o seu nome atravessará o tempo e já anuncia, no século passado, que as futuras gerações se lembrarão dele, o DR, doutor das letras e dos membros da sociedade brasileira.
Sua trajetória sempre esteve próxima às lideranças dos governos, sendo inevitável sua participação na vida política, fato que o tornou vulto da recente História do Brasil. 
Exilado, preso, nada impediu que continuasse sua luta pela educação no país e na América Latina. Influenciado por outro grande educador, o professor Anísio Teixeira, trabalhou incansavelmente para melhoria do ensino e para a sua universalização. 
Sua produção deixou marcas no país. Concebeu e executou projetos inovadores para a rede pública de ensino. Com uma nova proposta educativa criou os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), no Rio de Janeiro.
Também, para confirmar sua presença, foi um sábio maior, reitor da Universidade de Brasília. 
Para tão grande amor, tão curta a vida. O querubim subiu ao céu, muito doente, e foi ministrar aulas para os santos em tupi-guarani. Dizem os biógrafos que todos acham muita graça em suas narrativas e lhe cochicham rindo e sambando que ele nunca vai precisar pedir licença a São Pedro bonachão para começar suas infinitas pesquisas.
Numa ocasião, indagado por que, a despeito de todas as condições favoráveis, o Brasil ainda não dera certo, respondeu que “para superarmos o que nos amarra, é imperioso saber quem somos, qual a gênese de nossa formação e no que ela resultou.”
Darcy Ribeiro é como seu próprio nome: caminha na História, com as águas claras do saber.

Obras consultadas:

Arte Plumária dos índios Kaapor (1957).

Uirá Sai, à procura de Deus (1974).
O Dilema da América Latina (1978).
Kadiwéu – Ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza (1950).
O Brasil como problema (1950).
Diários índios – os urubus-Kaapor (1996 – Companhia das Letras).

Nota: Os números entre parênteses se referem às datas em que os trabalhos foram publicados




[1] Mestre em Literatura Brasileira pela UFMG. Autora de 10 livros publicados. Professora aposentada do Centro Pedagógico da UFMG.

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