AURORA



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Imagem: capimbranco.mg.gov.br
A primeira vez em que vi tia Tereza,
ela cantava em dueto com Zé Gato
no Teatro Saltimbancos.
(Nem toda a paixão de ambos pôde
tirar o noivo afogado na cisterna,
embriagado de cachaça e lua.).

A segunda vez em que vi tia Tereza,
ela arrastava os tamanquinhos,
açoitando um ínclito motor da casa
para que desse luz ao arraial.
Capim Branco não tinha clínico.
Então, trazia os pais doentes de jardineira
para a Capital.

Chico Aquilo Roxo propôs-lhe casamento,
enquanto  lavava copos no bar de meu avô.
A moça apenas o apartou
com tal e qual beiço enojado.

A terceira vez em que vi tia Tereza,
ela usava  grinalda de angélicas tão
jovens ainda, sobre marmórea mesa.
Depois da missa, felinos saltaram o muro
do cemitério, mia miando jubilosos.
Graça Rios

QUE JOGO É ESTE?

Ivani Cunha

JOGANDO CONVERSA FORA

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Estava Eleutério sentado no banco da guarita de ônibus perto de sua casa. Precisava ir até a cidade dar conta de algumas pendências domésticas, a serem solucionadas lá no Mercado Central. Estava ele só, até que apareceu um vizinho, o Zezé da Margarida. Eleutério ficou feliz, pois sua língua estava coçando e, como se sabe, quando a língua de uma pessoa da “melhor idade” começa a coçar, é sinal de que ele precisa, com urgência, “jogar conversa fora”, pois, caso contrário, pode entrar em estágio de depressão. Começaram a conversar.
- Estou indo até ali embaixo. Vou pegar o ônibus, pois não estou em condições de andar – falou o Zezé.
- Mas o que aconteceu?
- Sei lá, deve ser um nervo torcido. De repente, desce aquela dor pela perna, ardendo pra encardir.
- Precisa tomar cuidado pro nervo não torcer ainda mais, dando um nó – brincou Eleutério.
- Pois é, se der nó cego, aí vai danar de vez – completou Zezé. E acrescentou: - Depois de uma certa idade, a gente tem que se conformar com uma dorzinha aqui, outra ali.
- Que nada! Essa dor que você sente é porque seu motor é novo e está amaciando. Daqui a pouco, estará rodando que é uma beleza.
Nesse interim, passa um ônibus, que não para, apesar de terem dado sinal.
- Será porque o “motô” viu que a gente é da “melhor idade”? – quis saber Eleutério.
- Não, aquele ônibus estava vindo da “vistoria”. Eu vi escrito no painel.
- Ainda bem. Se depender de certos “motôs”, a gente fica sem viajar.
- É, parece que eles se esquecem que um dia vão chegar lá. Se é que vão chegar – falou Zezé, rindo com ironia.
Ficaram em silêncio por um tempo. Depois de terem tomado fôlego, Zezé falou:
- Está vindo chuva por aí.
- Como você sabe?
- Ouvi no rádio.
- Esse serviço de meteorologia mais erra do que acerta – falou Eleutério, satisfeito por não ter se engasgado com a palavra escabrosa.
- É mesmo. Desse jeito, até eu posso trabalhar lá.
- Antigamente, as pessoas sabiam da chuva quando o calo do pé começava a doer.
- É mesmo.
- Acho que o Serviço de Meteorologia deveria contratar pessoas com calos – Eleutério repetiu com orgulho a palavra danada.
Enquanto isso, apareceu um ônibus que servia para o Zezé.
- Eu vou neste – ele falou. – Boa viagem pra você.
- Pra você também. Obrigado. Até mais.
Daí a pouco apareceu o ônibus do Eleutério. Assim que o pegou, foi procurar o assento preferencial, aquele de cor amarela. Nos bancos de trás, estavam duas senhoras, que logo começaram a conversar, atendendo também elas ao imperativo de ter de conversar fiado, jogar conversa fora. Uma tinha a voz firme, assertiva; a outra tinha a voz tremeliquenta, quase apagando.
A assertiva direcionou a conversa para o tema religião. A do tremelique pareceu não ter gostado, pois custou a se manifestar. Só o fez quando viu que a assertiva queria doutriná-la. Disse:
- Eu sou católica e muito bem resolvida.
A crente detalhou seu processo de conversão, falou que ela se deu num momento particularmente difícil de sua vida. Agora, estava empenhada em divulgar a campanha dos cinco minutos de oração em favor do Brasil.
Eleutério, com a barriga cheia da conversa jogada fora, preferia dar um cochilo a ouvir aquele blábláblá, especialmente a partir do momento em que seu ouvido artificial direito começou a dar pane, requerendo nova bateria. Assim, ficou sem ouvir direito a conversa e sem poder se entregar totalmente aos braços de Morfeu. Antes, não havia gostado nem um pouco daquela campanha dos cinco minutos de oração em favor do Brasil. Pensou ele: - Agora que a vaca está indo pro brejo com chifre e tudo, estão querendo consertar? Por que seus pastores não pedem perdão por terem induzido os fiéis a votarem naquele mico?
Chegando ao centro da cidade, ao descer do ônibus, Eleutério trocou um olhar de cumplicidade com a tremeliquenta de voz quase sumindo. Através de um sorriso discreto, deu-lhe os parabéns pelo destemor e pela firmeza com que lutou em defesa de sua fé.
 Etelvaldo Vieira de Melo

NOTÍCIA QUENTE

Ivani Cunha

VESTIFALHA

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Imagem: mitologiaoline.com
Nesta vida, não é novidade morrer
ou entrementes nascer.
Por i

sso, amarrem-me a um cometa
enquanto – irmã de Penélope -
teço o manto das estrelas.
Exercito (des)fazer
à noite, pontos
à tarde,  nós.
Sob o interstício do fantasma,
matutina
falta pinta e borda.
Graça Rios

COMENDO MORTADELA E ARROTANDO CAVIAR

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Imagem: amigosdepelotas.com.br

Eleutério acalentou durante muito tempo a pretensão de encontrar o sentido verdadeiro da vida. Ele pensava: - Viver só tem sentido se soubermos o sentido da própria vida.
Correu nosso amigo durante anos atrás desse sentido, até que, ao cruzar o “Cabo das Tormentas”, isto é, ao chegar à “Melhor Idade”, acabou desistindo, passando a se contentar com uma explicaçãozinha aqui, outra ali. Como sempre achou que os ditados populares reúnem um rico acervo da própria natureza humana, passou a estudá-los e a decodificá-los para que não venham perder sentido ao longo do tempo. Isso porque muitos deles são ininteligíveis depois de determinados momentos da História.
Por exemplo, há um ditado que diz: “De grão em grão a galinha enche o papo”, querendo mostrar que é a soma de pequenas realizações que nos torna seres completos. Ora, muita gente nem sabe mais o significado do termo “galinha”, e aqueles que o sabem não sabem que as galinhas se alimentavam de milho, pois pensam que elas só se alimentam de ração, confinadas nas granjas. (Este exemplo me ocorreu no momento em que um caminhão passou em frente de casa, com o alto-falante esbravejando: “Olha o ovo! Olha o ovo direto da granja, fresquinho! Venha, minha senhora, comprar. Trinta ovos por dez reais! Só dez reais!”)
De maneira similar, está se tornando difícil entender o significado de outro ditado, que diz: “Comer mortadela e arrotar caviar”. Seu sentido quer dizer: existem pessoas que ostentam aquilo que não são. A dificuldade com o termo “mortadela” se deve ao fato de que ele passou a ser usado para designar um tipo de pessoa, em oposição a outro, chamado de “coxinha”. Já a dificuldade de entender o significado de “caviar” se deve ao fato de que ele raramente esteve presente no cardápio da maioria dos brasileiros, sendo agora enterrado de vez pelo tal do ovo.
Então, dentro desse sentido de ostentação, de aparentar o que não é, vamos ilustrar esse ditado da mortadela e do caviar.
Eleutério, tendo que resolver umas pendências de seu cartão de crédito, ligou para a agência bancária, onde mantém uma conta modesta, porém sincera.
Depois de interagir com um robô (uma “roboa”), tendo teclado uma série de dígitos, acabou sendo atendido por um fulano, que se disse gerente, de nome Carlos.
- Minha senhora – ele falou. – Em que posso ajudá-la?
Eleutério quis confirmar o endereço da agência, já que dificilmente ia até lá.
- O endereço é esse... – e Carlos detalhou a rua e o número. Depois completou: - Mais alguma coisa, senhora?
Eleutério não aguentou mais, dizendo:
- Não é senhora, mas S-E-N-H-O-R.
O gerente, constrangido, tentou remendar a desfeita:
- O telefone está com ruído, dando microfonia. Peço desculpas.
- Não tem de quê – falou Eleutério. – Deixe pra lá.
- A propósito, senhor –falou Carlos, enfatizando o “senhor”, - não tem por acaso carro o senhor?
- Tenho, sim – mentiu Eleutério.
- Pois é, estamos com uma promoção de seguro, com desconto para clientes. Não se interessa, senhor?
- Bom, acontece que o seguro só vence ano que vem – desferiu Eleutério, completando a mentira.
- Então, ano que vem vamos ver isso, senhor.
Eleutério ficou assustado com sua própria desfaçatez. No passado, quando tentava falar uma mentirinha, ficava vermelho feito pimentão maduro e acabava se engasgando. Hoje, não, a mentira flui tranquila e, se preciso, até decorada feito bolo de aniversário.
Eleutério não tem carro. Aliás, nunca dirigiu um, nem mesmo tem carteira de motorista. Vocês sabem muito bem que ele é frequentador contumaz de ônibus. Agora mesmo ele está indo até a Estação Rodoviária renovar a validade de seu cartão “Ótimo”. Depois, ele vai até a agência bancária onde mantém sua modesta conta. Como não é nenhum cliente Van Gogh, poderá ser atendido por qualquer gerente. Mas, se for o Carlos, irá mostrar a ele como é S-E-N-H-O-R e macho, muito macho, além de arrotar muito caviar. Pensando bem, irá também dizer:
- Olha, senhor gerente, estou seriamente pensando em entrar com uma ação de reparo por danos morais, uma vez que o senhor me destratou, chamando de senhora. Para que tal não aconteça, que tal um agradozinho, reduzindo a taxa de anuidade de meu cartão de crédito?
Se fosse rico e famoso, estava na hora de Eleutério brigar por uma indenização polpuda, mas, como já sabem, ele é um pobre com espírito de pobre, um pobre coitado, enfim.
Etelvaldo Vieira de Melo

MAIS UM CLÁSSICO

Ivani Cunha

COMENTÁRIO CINEMATOGRÁFICO

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Faz tempos, li O Quarto de Jack, da dramaturga Emma Donoghue. Ontem, assisti ao filme homônimo, sob direção do irlandês Lenny Abrahamson. Confesso ao leitor: achei a obra escritural adocicada e muito extensa. Súbito, porém, a vejo transformada numa epopeia que conduz Brie Larson (MA/Joe) à conquista do Oscar de melhor atriz. Gentil, a boa estrela concede ao menino Jacob Trambley (Jack), nove anos, o laurel da glória.
A película trata do sequestro e prisão de Joe num recinto fechado, acondicionado para se viver. Após cinco anos, sucede a história do filho, sugando-lhe ainda um dos seios, enquanto espalha longa cabeleira no leito. Após várias experiências com a claraboia, os parcos móveis, a televisão, planejam fugir (e fogem) do Velho Nick raptor. A seguir, apresentam-se em traveling inúmeros problemas de adaptação mútua ao neouniverso.                                                             
A simbologia dos elementos cárcere, martírio, fuga, parece clara. Segundo a Psicologia, o homem permanece fechado dentro de si até iniciar-se o trajeto de libertação. Prefere continuar no estado homeostático do útero (Quarto com dispositivos), embora já se tenha produzido a hiância, ou seja, o corte do cordão umbilical (cinco anos nas tetas da Ma).
Segundo Platão, o indivíduo jamais se resigna com o desconforto pós-parto. Almejará sempre isto depois aquilo, a fim de se compensar da frustração de nunca jamais habitar entre quentes águas e farto alimento intrauterino. A inútil ansiedade por completa satisfação o levará além da janela dos olhos (claraboia ilusória/autêntica do Quarto). O que possui de bem ou bens revela-se insuficiente à absoluta felicidade. Então, conforme cena do infantoprotagonista diante da porta, fugirá, descodificando a saída/entrada local. Memórias do tempo decorrido em isolamento acompanharão esse par, quer na excursão vindoura, quer no volver ao lar antigo.                                              
Uma vez resgatados da escapula pelos agentes policiais, Joe e Jack enfrentarão dificuldades exteriores ao presídio: hábitos, costumes, pressões mentais. A mídia lhes invadirá o corpus histórico, mais o corpo físico. Familiares chegarão próximos ou ofendidos pela ausência e distanciamento domiciliares. Eis o caminho de penas até o (im)possível ninho de libertação. Consoante Heráclito, ninguém mergulha duas vezes no mesmo rio da mesma forma. Ambos, mãe e filho, aqui e acolá, serão dessemelhantes em idênticas situações.
Ao rever o Quarto, aparentemente curados, Jack e Ma saúdam as cascas de ovos, o espelho, a pia, a mesa. Como? Em outra dimensão. Nietzsche sabe: Deus ali está morto. Em seu lugar, resta o eterno retorno ao fim dos princípios. Joe se comprometeu, atual, com o neon da real fantasia. Jack desligou-se da mama espumosa; da certeza de completar tudo, trancafiado: à pergunta da vovó, responde que o Quarto era bom. Podia ir dele do começo ao fim.
Kafka dispõe o personagem d’O Processo no portal da cela. Argus guardião propõe-lhe escape. Foi-se a sentença! Porém, o senhor K. titubeia ante o livre-arbítrio. Prefere recuar para o catre imundo e morrer sozinho porque ...
Por quê? O artista Juarez Machado parece responder à incógnita. Depois da porta aberta, existem mil portas fechadas/reabertas. Algumas barrocas, outras clássicas; umas, íngremes despenhadeiros, outras escaláveis calvários por mar ou terra. Encantador, esse tomo chamado Saída.
Na fita, Jack vai Jack vem das comportas Cultura versus Natureza: a mãe, esta; a Capital, aquela. Joe/Ma, por sua vez, tenta suicídio, visando a não soçobrar sob o abismal vazio. Vovô biológico evita encarar o garoto; vô substituto mostra-lhe a ternura do relacionamento consigo e junto ao cão de amorável focinho. Vovó ensina aos dois preceitos éticos; neto e filha reagem-lhe ao discurso e ao meio hostil.
Simone de Beauvoir considera a morte de Zazá, por amor ao filósofo Merleau-Ponty, estopim da própria independência e rebeldia. Seu desengano familiar, acrescentado ao da melhor amiga, fazem-na construir os alicerces da moderna literatura de opressão feminina. A partir do exemplo contestador de Elizabeth Mabille (Le Coen), colega no Cour Désir, alforria-se do domínio patriarcal. Daí em frente, amasia-se com Sartre em regime de moradias separadas. Desanda a escrever e passear à noite pelos cabarés franceses. Perfila-se, incontinenti, contra a droga da obediência.
Passados o suplício do encarceramento, a culpabilidade da progenitora que a tornou ‘boazinha’, a ponto de sucumbir às mentiras de Nick sobre o animal doente (apesar daquela, durante o episódio de autoextermínio, anunciar: ‘Eu estou aqui, Joe’); ultimados os obstáculos existenciais passados e presentes, Ma regressa às origens do Quarto, despede-se, e vem/indo para... onde?
The End. De acordo com Beauvoir, a jovem forra, emancipada do que foi/será, leva pela mão leve seu pequenino fruto, capaz de acompanhá-la ao (não) lugar do perenal desejo.
                                                                  Graça Rios

AOS TRAMBOLHÕES, ORA POIS! - LEMBRANÇAS DE VIAGEM (VOLUME 2)

A imagem pode conter: texto e comida
Imagem: Euro Dicas
Este texto é desaconselhável para menores de 16 anos, por conter linguagem de cunho sexual e de moderado tom de violência.
Há ditados que caem como luvas para determinadas pessoas. No caso do Eleutério, estes dois são perfeitos: “as aparências enganam” e “quem vê cara não vê coração”.
A ideia de se associar ditados com luva não serve muito para o país de Eleutério, onde esse acessório quase nunca é usado. Ele mora num país tropical que, até anos atrás, era “abençoado por Deus e bonito por natureza”. De uns tempos para cá, parece que Deus está desistindo de abençoar esse imenso território, desde que um incongruente abocanhou a presidência, liberando os desmatamentos, as queimadas e os agrotóxicos, entre outras maluquices.
Quanto ao Eleutério, ele aparenta ser um sujeito experiente e que sabe das coisas, talvez por causa dos óculos, talvez por causa dos poucos cabelos e do cavanhaque esbranquiçado. Os reflexos lentos, que poderiam indicar calma e ponderação, escondem mesmo é lerdeza, para não dizer retardo mental. Sendo assim, é com muita dificuldade que ele lida com as coisas ao redor.
Quando viajou a passeio pela Europa, nos três países onde esteve, começou tudo mudo e terminou tudo calado. Por ser um monoglota, de tanto se expressar através de mímica, só foi retomar a fala 21 dias depois de já estar no Brasil. Quase que ficou mudo de vez.
Agora, por desaforo, na viagem que irá fazer, escolheu os destinos de Portugal e Espanha. Pensou assim: português, eu dou conta; espanhol, posso atacar de portunhol. Só que não é bem assim, conforme mensagem que Genésia Solaris lhe repassou em vídeo (ao tempo em que passava verniz nas unhas e preparava os miúdos para a escola). Eleutério viu que o português do Brasil não bate muito com o de Portugal: a pronúncia lá de Trás-os-Montes é quase ininteligível para os de cá; as vogais, quando não são sincopadas, são usadas em tom fechado; a fala também aparece bem acelerada. Se não bastasse isso, muitos dos termos têm sentidos diferentes. É aí que mora o maior perigo.
Como exemplo, veja, Leiturino, o texto que Eleutério deixa de exemplo. Ele pede desculpas pelo vocabulário aparentemente chulo. Ao fim, você vai ver que, também para nossos patrícios, as aparências enganam e nem tudo é o que aparenta ser.
AS AVENTURAS DE UM PORREIRO (1)
Jacinto Pinto Cansado ainda não tinha feito seu pequeno almoço (2). Por isso, pediu ao tio para que parasse o descapotável (3) junto à passadeira (4). Ali perto tinha uma casa dos cacetes (5), onde poderia pedir uma sandes (6), junto com uma bica (7) ou um sumo (8).
Chupando um rebuçado (9), foi até uma bicha (10), aguardando ser atendido. Um telemóvel (11) toca. Um puto (12), tipo abiscoitado (13), estando à sua frente na bicha, atende.
- Estou! (14) – fala, enquanto masca uma pastilha elástica (15).
Do outro lado da linha, alguém diz alguma coisa que deixa o gajo (16) nervoso. Ele diz:
- Não, não! Ainda não paguei a propina (17). Queres saber de uma coisa? Vai mamar na quinta pata do cavalo! (18).
Depois de ouvir algo mais, concluiu:
- Estás certo. Depois, passo no talho (19) para encomendar o chouriço. Agora, vê se passas no restaurante e adianta uma ‘punheta (20) com grelos (21) à vista’ e batata a murro para o almoço.
Enquanto ouvia sem querer querendo tal conversa, Jacinto começou, de repente, a ficar a brocha (22), com vontade de dar um breque (23) ou bombarda (24). Quando viu que o caso era mesmo de dar de corpo (25), saiu correndo, mal tendo tempo de chegar à sanita (26) da própria casa dos cacetes. Depois de fazer suas necessidades fisiológicas sólidas, teve o cuidado de apertar o autoclismo (27). Jacinto Pinto Cansado teme que a vontade de dar de corpo continue, tendo ele que ir até uma farmácia para, quem sabe, tomar uma pica (28) no cu (29).
FIM DA AMOSTRA
Depois de ler este texto, Eleutério tomou a decisão de manter a boca fechada em sua viagem a Portugal, torcendo para não ter que ir, em qualquer hipótese, a uma farmácia. Até mímica ele vai evitar. Sabe ele que “seguro morreu de velho” e “em boca fechada não entra mosquito”.
Vocabulário:
(1) Cara bacana, legal  (2) café da manhã  (3) carro conversível  (4) faixa de pedestres  (5) padaria  (6) sanduíche  (7) cafezinho  (8) suco de frutas  (9) balinha, pirulito  (10) fila  (11) celular  (12) adolescente  (13) sem juízo  (14) alô!  (15) chiclete (16) garoto  (17) mensalidade  (18) mandar alguém à merda  (19) açougue  (20) iguaria feita de bacalhau cru  (21) prato de legumes  (22) ficar aflito  (23) peido  (24) peidada  (25) cagar  (26) privada  (27) descarga de privada  (28) injeção  (29) nádega, bunda .

Etelvaldo Vieira de Melo

DÊ O SEU MELHOR

Ivani Cunha

A CAMINHO DO DIVÃ

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Imagem: psicenter.wordpress.c
Vestido de bolas, botas, bovarismo. Paixão do pormenor.
Nacionalidade brasileira, lendo Baudelaire traduzido para o espanhol
prefaciado por alemão em ótimo inglês ao cruzar Pequim.
Coquetterie.
O que se há de fazer por melhorar o visual e fechar a ferida narcísica?
Sapiens mulier, ensaia um sorriso pro alto tipo anjinho barroco.
(Assim meia Athaíde meia Górgona arrepiando os cachos.).
Abre o espelhinho de observar hímen, desfaz com corretivo
pequena ruga de expressão.
Elle vit dans le maquillage.
Wie? As? Hoe? Comment?
Como existir sem Lacan sem pathos sem ecstasy.
Graça Rios

INS PIRAÇÃO

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Imagem: ruahjanus.com.br
Musa do sofrimento amoroso de um Horror Monster, dispus-me a velejar nestas paragens:
Camões: Vede / em que inseguras seguranças / me asseguro.
Pessoa: Navegar é preciso. / Viver não é preciso.
Preciso, aí, significa ´certo, sem dúvida, inconteste'.
Navegar, portanto, constitui-se sinônimo de ´entrar com certeza pelo mar adentro, à mercê dos tubarões´. É um formidável afundar sob a tribulação das águas. É um desesperar-se no turbilhão oceânico, sem bússola orientadora.
Não é preciso quer dizer ´vacilante, perigoso, tenebroso, confuso, impreciso´.
Logo, Viver torvelinha para o abismo. Não há dúvida, é notável! que as angústias e os sobressaltos estão ao redor. De forma imprecisa, o mundo encara o homem e diz, esfinge a Édipo:
-Decifra-me, ou te devoro.
Esvai-se a colorida ficção. Dispara a realidade em preto e branco, fissurando o enigma. Onde, a resposta? O que caminha sobre um pé, depois três, depois dois? Seremos, agora, iguaria de fantasma?
Cabe ao H. Sapiens, mais sapo do que h. sábio, escolher/não escolher o tudo/nada. Permanecer nos estilhaços da viagem marítima, navegando, nadando, mergulhando, sem vistas/com vistas à salvação.
Tipos de salvação: a.? b.?  c. ? ... e mais e mais...
Mas como pode (a quem seja) causar o seu favor/ Se tão contrário a si é o próprio amor?
Musa do sofrimento amoroso de um Horror Monster, dispus-me a penetrar surdamente nos sargaços deste artigo.
Graça Rios