Sempre considerei que defender um certo equilíbrio social é uma questão
de bom senso, independente da matriz ideológica que esteja por detrás de tal
suposição.
Como minha história de vida não registra nenhuma ascensão social, você
pode pensar que sou assim por um sentimento de frustração ou de inveja,
parecido com aquele da raposa da fábula, que se desculpou por não conseguir
apanhar as uvas sob a alegação de estarem elas verdes.
Mas, honestamente, devo dizer que não, que essa minha maneira de ver a
vida em sociedade é fruto da observação e do raciocínio.
No seu livro “Homem Livre: Ao Redor do Mundo Sobre Uma Bicicleta”,
Danilo Perrotti Machado registra que, quanto mais rico é um país, mais suas
estradas são bem traçadas e modernas, mais as casas são bem cuidadas, menos as
pessoas são amistosas e receptivas. Quando chegava a um país pobre, junto com
as condições precárias das estradas e das construções, encontrava ele pessoas
amistosas e calor humano.
Buscando subsídios para esta presente reflexão, cito Afrânio Silva
Jardim, quando diz: “Constatamos que, em
escala mundial, os mais ricos são mesmo egoístas, gananciosos e insensíveis à
desgraça alheia”. E completava sua observação: “O individualismo corrói a ‘alma humana’, dilacera o espírito e degrada
a difícil convivência entre as pessoas”.
E assim estamos nós, neste mundo dito moderno: fechados em nosso
individualismo, cada vez mais insensíveis aos dramas e às vicissitudes alheias.
Com os governos ultraliberais se espalhando, sob as bênçãos de igrejas
ditas cristãs, acentuam-se as diferenças entre as pessoas, com umas – a minoria
– tendo cada vez mais, enquanto as outras sobrevivem como párias.
É este quadro que precisa ser olhado com inteligência e bom senso.
Estupidez é pensar que a liberação do porte de arma pode dar conta da explosão de
violência engendrada pelo ódio, pela ganância e pela exploração dos mais fracos
e desprotegidos.
Tem que ser assim? Até quando teremos que nos monitorar com armas,
cercas elétricas, concertinas e uma parafernália de equipamentos eletrônicos de
segurança, como se vivêssemos em campos de concentração?
- Até que ponto chegamos, onde indivíduos pensam que a felicidade deles
depende da infelicidade dos outros? Como pode um ser humano debochar, rir da
infelicidade alheia? - Esta foi a pergunta
que fiz ao Ingenaldo.
- Depois de assistir ao filme “Coringa”, estou revendo meu juízo sobre
esta questão do riso – respondeu Ingenaldo. – Em alguns momentos, o personagem
– interpretado brilhantemente por Joaquin Phoenix – quando atacado por uma
crise de riso, mostra uma carteirinha plastificada para as pessoas ao redor, explicando
que não consegue controlar aquela gargalhada estridente, macabra, inapropriada
e irritante, por conta de seu problema de saúde, chamado epilepsia gelástica.
- Mas o que isso tem a ver com o que falamos? – perguntei, desnorteado.
- Veja você. Na madrugada do domingo, 10 de novembro, de uma viatura policial,
tentando dispersar uma tentativa de baile funk, um soldado atirou e atingiu com
uma bala de borracha uma adolescente de 16 anos, que ficou cega do olho
esquerdo. Ensanguentada, com muitas dores e vomitando, ela pediu ajuda aos quatro
militares da viatura, e eles disseram “- se vira”. Um chegou a dizer “- vá se
foder”, enquanto outro dava risada.
- Isto é terrível, embora tenha se tornado assunto banal no país.
- Daí é que passei achar que
milhares de brasileiros sofrem desse distúrbio neurológico, essa tal de
epilepsia gelástica. Só isso explica o fato de ficarem rindo, debochando
daqueles que sofrem perdas. Só falta agora, por exemplo, alguém vir, através
das redes sociais, ridicularizar os parentes daquela menina que, aos cinco anos
de idade, foi vítima de uma “bala perdida” lá no Rio de Janeiro e acabou
falecendo. Caída no chão, o que ela se lembrou de dizer foi: “- Mãe, não chora
não, mãe”. Enquanto uns ridicularizam, outros se calam, indiferentes. A eles se
junta o silêncio tenebroso das autoridades, mostrando que o Brasil está
sofrendo de uma grave patologia, está muito doente. E nem podemos ter a
desculpa do país ser desenvolvido, de primeiro mundo.
Etelvaldo Vieira de Melo
2 comentários:
Triste verdade! Parabéns Etelvaldo!
Depois da leitura , so pude lembrar desta frase, que recebi de um amigo.
Frase da filósofa russo-americana Ayn Rand (judia, fugitiva da revolução russa, que chegou aos Estados Unidos na metade da década de 1920), mostrando uma visão com conhecimento de causa:
"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com ... favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada".
Fonte:
https://www.recantodasletras.com.br/mensagens/3695807
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