A PROPÓSITO DE DUAS PALMADAS

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Imagem: hugogloss.uol.com.br
Na noite de Ano Novo, assistimos ao Papa se libertando com duas palmadas de uma mulher que o puxava, quando ele se afastava de uma multidão de peregrinos. No dia seguinte, declarou: “Nós perdemos a paciência muitas vezes. Isso também me acontece. Peço desculpas pelo mau exemplo dado ontem”. Tal fato ocorreu na Praça do Vaticano.
De minha parte, está aceita a desculpa, ainda mais que aquilo serviu de lição para algo que me incomoda.
É sabido que o Papa Francisco tem se constituído ao longo dos anos uma das poucas lideranças mundiais que levanta a voz em favor da Paz, da Concórdia, cuidando dos menos favorecidos, em críticas contundentes ao Capitalismo, que cada vez mais cria um abismo entre as pessoas. Não é à toa que, vez ou outra, leio notícias de que vem dos Estados Unidos um movimento de boicote e de confronto com as teses apregoadas pelo Papa. Sei que um dos mentores desse movimento se chama Steve Bannon, aquele mesmo que influenciou as eleições americanas e brasileiras, através de manipulação das redes do Facebook.
O que tem me incomodado nos últimos tempos é não saber definir qual a estratégia que devo seguir diante das agressões verbais, e até mesmo físicas, ocasionando até mortes, de pessoas que se dizem defensoras desse arremedo de governo que aí está.
Quando o Presidente que está aí se elegeu, num processo nebuloso (tanto é assim que, agora, o Ministério da Justiça e Segurança Pública está aplicando multa ao Facebook de R$6,6 milhões por conta do compartilhamento indevido de dados de brasileiros), eu disse que certamente ele faria um bom governo para muitos. Esperava que esses muitos fosse a maioria da população: os pobres, as minorias, os marginalizados. Tal não se deu. Depois de um ano, estamos vendo quem está satisfeito: os banqueiros, o mercado financeiro, os rentistas (também pudera: 45% do que o país arrecada vai para pagar os juros da dívida pública, enquanto a saúde e a educação ficam com míseros 8% - 4,5% para saúde e 3,3% para educação), as grandes empresas, o agronegócio, o capital estrangeiro. Aparentemente, também estão satisfeitos os puxa-sacos, aqueles que, mesmo não se beneficiando diretamente, contentam-se com as migalhas que lhes são jogadas sob a mesa. Sem contar os trogloditas fascistas, que saíram do armário com a eleição do capitão.
(Voltando ao que disse anteriormente: de R$100,00 que o governo arrecada, R$45,00 são destinados para pagar os chamados “serviços da dívida pública” – juros, especialmente, enquanto a Saúde fica com R$4,50 e a e a Educação com R$3,30. Como poderia dizer o Ministro da “Educassão”: - É “imprecionante”! Isso não é “descente”, merecia uma “suspenção”, uma “paralização”.)
Assim, desse modo, podemos dizer que o primeiro ano de governo que está aí foi bom pra muita gente. O vice-Presidente, por exemplo, disse que 2019 foi um ano maravilhoso, excelente; os militares, de modo geral, também devem estar satisfeitos com a reforma da Previdência, uma vez que não precisaram sacrificar nada, só tiveram lucro.
Quanto à dificuldade em lidar com aqueles que pensam diferente de mim, confesso que me senti reconfortado com o tapa do papa: ele mostrou que somos seres humanos, que não temos sangue de barata. Quando tenho que conviver no dia a dia com figuras misóginas, racistas, homofóbicas, aporofóbicas (que têm aversão aos pobres), entreguistas, muitas vezes não sei qual atitude tomar. O que sei é que anda me incomodando muito o que li de Thomas Carothers, cientista político, em entrevista à DW Brasil:
- Quando a política se torna um conjunto de identidades, as pessoas de um lado olham para o outro lado e deixam de dizer apenas “não concordo com você nisso”, mas dizem “eu sou diferente de você”. Isso rapidamente se transforma em “eu não gosto de você” e, logo depois, em “na verdade, eu te odeio”.
Ano Novo é tempo de renovação, de busca de novos caminhos. Não quero compactuar com a ideia de que o país esteja dividido em bolhas e que a linguagem entre as pessoas seja construída com base no ódio. As questões que coloco pra mim mesmo e deixo transcritas aqui no blog são: como construir pontes com pessoas tão diferentes? existe a possibilidade de diálogo? existe algo em comum que possa nos aproximar? como reagir aos ataques e às ofensas? como ser assertivo diante de situações que consideramos falsas e injustas?
São perguntas que incomodam. Ainda mais se levarmos em conta que muitas pessoas que hoje “odeio”, ontem caminhavam ao meu dado e eu tinha em conta de amigas.
Talvez a resposta para tudo isso esteja no comprometimento que devemos ter com a VERDADE, acima de tudo.  Junto com ele, devemos também ter o entendimento de que a Verdade só é possível quando fundada no Amor, conforme declarou o papa Bento XVI, na sua encíclica Caritas in Veritate, muito bem lembrada no filme “Dois Papas”: "A verdade pode ser vital, mas, sem amor, ela é insuportável”.
Etelvaldo Vieira de Melo

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