O título acima é inspirado no livro que Eleutério
recebeu de presente de Dom Marcos Noronha, antigo bispo de Itabira, contando as
lembranças de seu tempo de seminário.
De repente, não mais do que de repente, tal livro
sumiu do campo de visão de Eleutério, levando-o à suposição de que tenha sido
surrupiado. Coincidentemente, tal fato se deu logo após a visita de um ex-amigo,
Maurindo Compassado.
Eleutério refletiu:
- Se foi por ter cometido tal pecado que fez Maurindo
cortar relações comigo, seria bom que reconsiderasse. Afinal, eu mesmo fiz isso
outras vezes quando, indo até sua casa e fingindo me perder entre as estantes de
sua vasta biblioteca, afanava um ou outro livro de meu agrado. O que vale
dizer: chumbo trocado não dói (ou não deveria doer).
O nome Eleutério é de certa solenidade: significa
libertador, indicando uma pessoa que preza sobretudo a independência – a sua e
a dos outros. Já sua aparência física é bem comum: estatura mediana (baixa,
para os padrões modernos), calvo e com uma barriga bem saliente, devido ao alto
consumo de carboidrato. Interagindo com as outras pessoas, aparenta calma e
ponderação, o que também pode ser visto como lerdeza, retardo mental. Enfim,
ele é o tipo do ser humano genérico, facilmente confundido com outras pessoas.
Como exemplo, ele já foi confundido com gente famosa:
Steven Spielberg foi uma delas. Em visita ao Museu de Cera Madame Tussaudes, em
Londres, e estando Eleutério de boné, teve que tirar várias fotos para outros
turistas ao lado do diretor de ET. Pessoalmente, acha que tem uma certa
semelhança com o ator William Hurt. (As fotos que ilustram o texto apontam
também uma semelhança com Walter White, personagem da série Breaking Bad.)
Aconteceu por esses dias ter sido nosso personagem
acometido por uma traiçoeira gripe, que o deixou prostrado e tossindo feito
jumento (tal expressão é usada aqui na falta de outra mais adequada; se for
ofensiva, que me desculpe esse mamífero perissodáctilo). Quando percebeu que “a
vaca estava indo pro brejo", procurou um Pronto Atendimento, atendendo aos
reclames de Percilina Predillecta.
A médica que o atendeu foi muito prestativa, cumulando-o
de atenção e pedidos de exames: radiografia, sangue, medicação intravenosa e
vaporização. Como complementos, receitou um antibiótico, um spray nasal, um
antialérgico e um corticoide (com a leitura desses textos, você pode não ter um
enriquecimento literário, mas certamente ficará a par de receitas para muitas
doenças).
Tudo isso aconteceu num sábado, quase véspera de Natal.
No domingo, estando mais disposto, pediu para Percilina cortar-lhe o cabelo.
Queria experimentar um aparador de pelos 4 X 1, que havia adquirido também na Black
Fraude (junto com a Alexa), naquela filosofia de se proporcionar momentos
felizes.
O danado do aparelho, além de danado de bom, também
era danado de perigoso. Naquele tira daqui e dali, trocando uma lâmina por
outra, acabou fazendo um “caminho de rato” inconsertável na já combalida
cabeleira de Eleutério. Ao fim, Percilina teve que passar a máquina “zero”,
para nivelar tudo.
Depois, ela foi buscar um espelho, para Eleutério
admirar sua obra de arte. Quando se viu com a cabeça toda pelada, ele começou a
rir, ao ponto de verter lágrimas. Percilina ficou sem graça, sem saber se a
situação era comédia ou drama. Eleutério a tranquilizou, dizendo:
- Meu único medo é você deixar de me amar.
- Quanto a isso, pode ficar tranquilo. Você sabe, meu
amor por você independe de tanta coisa! – ela falou, dando um suspiro.
Ao fim do relato, é preciso dizer que Eleutério acabou
no lucro, apesar do dissabor. É sabido que Percilina, todo dia ao levantar, vai
até a porta da cozinha e, através da grade, coça durante alguns minutos a
cabeça de Thor, o cãozinho da casa. Pois agora está assim: enquanto que,
com uma mão ela coça a cabeça de Thor, com a outra tem que coçar a cabeça de
Eleutério. Quando acaba, estão os dois, o cão e Eleutério, rindo com a mais
pura satisfação. Como diz o ditado: há males que vêm para o bem. Ainda bem.
Etelvaldo Vieira de Melo
0 comentários:
Postar um comentário