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Entre os astros de cinema de
temperamento difícil, Faye Dunaway figura como destaque. Ninguém gostava dela e
todos procuravam manter distância de sua presença, já que estava sempre
distribuindo desaforos. A estrela de Bonnie
& Clyde – Uma Rajada de Balas, Chinatown e Rede de Intrigas sempre criou caso com diretores, colegas e
equipes de filmagem, com exigências descabidas (como não permitir que usassem
roupa branca durante os ensaios, ou querer que seu camarim fosse limpo por
serviçal ajoelhada). Em 2015, admitiu sua má reputação, ponderando: “Sim, sou difícil de lidar, mas é assim que
vocês prestam atenção em mim”.
Jair Bolsonaro tem um histórico de vida
que me faz lembrar Faye Dunaway. Nos tempos de Exército, conseguiu chamar
atenção de forma negativa, ao ponto de ser expulso das fileiras. Com poucos anos
de carreira, foi aposentado como capitão.
Ao se eleger deputado, e ao longo de
quase 30 anos de mandato, constituiu-se um político medíocre, integrando o
chamado “baixo clero”, aquela turma opaca, que nunca apresentava projetos, que
quase nunca ocupava os microfones, mas que sempre votava unida em favor de seus
interesses corporativos. Para se sobressair de alguma maneira, Bolsonaro passou
a fazer declarações estapafúrdias e polêmicas. Para tanto, abraçou as causas
próprias de uma parcela rancorosa da sociedade. Passou a alardear teses e
ofensas contra mulheres, homossexuais, negros, índios, ao tempo em que defendia
o uso indiscriminado de armas, fazendo discurso a favor da Ditadura Militar,
atuando em defesa das milícias, condecorando seus líderes com medalhas de
mérito. Com isso, conseguiu os holofotes da Grande Imprensa e um número cativo
de eleitores.
A razão de seu sucesso está justamente
aí: Bolsonaro é mais do que Bolsonaro. Iguais a ele existem milhões espalhados
pelo Brasil, felizes por encontrar alguém que lhes dê voz e reconhecimento.
Quando da destituição da presidente
Dilma Rousseff, percebendo que a mediocridade e a pusilanimidade no país eram
generalizadas, Bolsonaro perguntou para si mesmo:
- Por que não posso ser presidente da
República?
Uma série de fatores contribuiu para
seu sucesso, com destaques para a ação da Lava Jato, com seu juiz Sérgio Moro,
a inviabilidade do candidato natural da Direita, Aécio Neves, por seu grau de
podridão, a atuação frenética das igrejas evangélicas, a cobertura da imprensa
tradicional e uma ocasional facada. Assim, abençoado por generais e ungido pelo
Mercado, foi carregado nos ombros por lunáticos a soltarem uivos de guerra.
Agora, está aí Bolsonaro, não somente
ferindo as pessoas com sua verborragia irresponsável, mas também tomando
atitudes que custam vidas, além de colocar o país na beira do caos, ameaçando
de colapso nossa frágil democracia, num momento em que somos assolados pela
pandemia do Coronavírus. Ele aposta, tensiona as relações com os outros
poderes, achando que falar asneiras pode lhe trazer sempre dividendos de fama,
ao tempo que intimida outras autoridades, a maioria constituída de medrosos e
covardes.
Aonde tudo vai parar?
Não tenho o dom da premonição, mas de
uma coisa tenho certeza: diante da renúncia de Sérgio Moro como ministro da
Justiça, uma série de denúncias vem a público, somando-se a tantas outras que
ficaram suspensas (por exemplo: o presidente Bolsonaro não disse que as
eleições de 2018 foram fraudadas? alguém do Supremo não teria que cobrar as
provas?). Está na hora de membros de outros poderes começarem a trabalhar de
forma séria e responsável em cima dessas denúncias. Estamos cansados de ver
como Bolsonaro é inconsequente em suas falas, dizendo e desdizendo coisas. E
parece que as pessoas estão se acostumando a conviver com mentiras, como se
elas fossem irrelevantes. Elas não se dão conta de que mentiras são corrosivas,
envenenam a vida da nação, tornam a convivência insuportável.
Certa vez, fiz a leitura de uma fábula
chamada “O Jabuti e a Coisa”. Sua lembrança vem muito bem a propósito da
reflexão acima:
Andava um
jabuti calmamente, quando deparou não com uma pedra no meio do caminho, mas a
algo parecido com uma maçã. Como gostava de jogar bola, enquanto tomava
distância, falou:
- E lá vai o cágado pela direita. Estica para
o jabuti, que se prepara e atira!
Enquanto
chutava o objeto, gritou:
- É gol! Gooolll do jabuti!
Rolando, o
objeto parecia ter dobrado o tamanho. O jabuti se aproximou lentamente, mesmo
para os padrões de um jabuti. Cauteloso, pegou um pedaço de pau e deu uma
porretada na coisa:
- Plam!
A coisa
dobrou de tamanho.
O jabuti, assustado, desandou a dar
porretadas:
- Plam! Plam! Plam!
A cada
cacetada, a coisa dobrava de tamanho.
Foi quando
um sabiá falou, lá da copa de uma árvore:
- Alto lá, jabuti! Se continuar a bater desse
jeito, a coisa vai tomar todo o caminho. Se não mexer com ela, vai continuar
como era no início.
Moral:
Quando deixada em paz, a discórdia não prospera. Quando provocada, ela aumenta
e se torna incontrolável.
Faye Dunaway fomentava a discórdia para
chamar a atenção. Bolsonaro age da mesma maneira, construiu sua vida pública em
cima de agressões e ofensas, foi assim que ele cresceu e se agigantou. Fazer o
seu jogo é torná-lo cada vez mais forte. Portanto, não é por aí que vamos dar
conta dos graves problemas que afligem a população brasileira, numa troca
gratuita de ofensas. Espero que o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e as
procuradorias assumam suas responsabilidades diante do caos que vivemos. É
preciso dar um basta à contemporização, ao silêncio e às omissões. São elas que
alimentam e tornam possível a “Coisa”.
Etelvaldo Vieira de Melo