O CORONA NA CARONA DO VÍRUS DA POLÍTICA

Jabuti – Wikipédia, a enciclopédia livre

Imagem: Wikipédia

Entre os astros de cinema de temperamento difícil, Faye Dunaway figura como destaque. Ninguém gostava dela e todos procuravam manter distância de sua presença, já que estava sempre distribuindo desaforos. A estrela de Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas, Chinatown e Rede de Intrigas sempre criou caso com diretores, colegas e equipes de filmagem, com exigências descabidas (como não permitir que usassem roupa branca durante os ensaios, ou querer que seu camarim fosse limpo por serviçal ajoelhada). Em 2015, admitiu sua má reputação, ponderando: “Sim, sou difícil de lidar, mas é assim que vocês prestam atenção em mim”.
Jair Bolsonaro tem um histórico de vida que me faz lembrar Faye Dunaway. Nos tempos de Exército, conseguiu chamar atenção de forma negativa, ao ponto de ser expulso das fileiras. Com poucos anos de carreira, foi aposentado como capitão.
Ao se eleger deputado, e ao longo de quase 30 anos de mandato, constituiu-se um político medíocre, integrando o chamado “baixo clero”, aquela turma opaca, que nunca apresentava projetos, que quase nunca ocupava os microfones, mas que sempre votava unida em favor de seus interesses corporativos. Para se sobressair de alguma maneira, Bolsonaro passou a fazer declarações estapafúrdias e polêmicas. Para tanto, abraçou as causas próprias de uma parcela rancorosa da sociedade. Passou a alardear teses e ofensas contra mulheres, homossexuais, negros, índios, ao tempo em que defendia o uso indiscriminado de armas, fazendo discurso a favor da Ditadura Militar, atuando em defesa das milícias, condecorando seus líderes com medalhas de mérito. Com isso, conseguiu os holofotes da Grande Imprensa e um número cativo de eleitores.
A razão de seu sucesso está justamente aí: Bolsonaro é mais do que Bolsonaro. Iguais a ele existem milhões espalhados pelo Brasil, felizes por encontrar alguém que lhes dê voz e reconhecimento.
Quando da destituição da presidente Dilma Rousseff, percebendo que a mediocridade e a pusilanimidade no país eram generalizadas, Bolsonaro perguntou para si mesmo:
- Por que não posso ser presidente da República?
Uma série de fatores contribuiu para seu sucesso, com destaques para a ação da Lava Jato, com seu juiz Sérgio Moro, a inviabilidade do candidato natural da Direita, Aécio Neves, por seu grau de podridão, a atuação frenética das igrejas evangélicas, a cobertura da imprensa tradicional e uma ocasional facada. Assim, abençoado por generais e ungido pelo Mercado, foi carregado nos ombros por lunáticos a soltarem uivos de guerra.
Agora, está aí Bolsonaro, não somente ferindo as pessoas com sua verborragia irresponsável, mas também tomando atitudes que custam vidas, além de colocar o país na beira do caos, ameaçando de colapso nossa frágil democracia, num momento em que somos assolados pela pandemia do Coronavírus. Ele aposta, tensiona as relações com os outros poderes, achando que falar asneiras pode lhe trazer sempre dividendos de fama, ao tempo que intimida outras autoridades, a maioria constituída de medrosos e covardes.
Aonde tudo vai parar?
Não tenho o dom da premonição, mas de uma coisa tenho certeza: diante da renúncia de Sérgio Moro como ministro da Justiça, uma série de denúncias vem a público, somando-se a tantas outras que ficaram suspensas (por exemplo: o presidente Bolsonaro não disse que as eleições de 2018 foram fraudadas? alguém do Supremo não teria que cobrar as provas?). Está na hora de membros de outros poderes começarem a trabalhar de forma séria e responsável em cima dessas denúncias. Estamos cansados de ver como Bolsonaro é inconsequente em suas falas, dizendo e desdizendo coisas. E parece que as pessoas estão se acostumando a conviver com mentiras, como se elas fossem irrelevantes. Elas não se dão conta de que mentiras são corrosivas, envenenam a vida da nação, tornam a convivência insuportável.
Certa vez, fiz a leitura de uma fábula chamada “O Jabuti e a Coisa”. Sua lembrança vem muito bem a propósito da reflexão acima:
Andava um jabuti calmamente, quando deparou não com uma pedra no meio do caminho, mas a algo parecido com uma maçã. Como gostava de jogar bola, enquanto tomava distância, falou:
   - E lá vai o cágado pela direita. Estica para o jabuti, que se prepara e atira!
Enquanto chutava o objeto, gritou:
   - É gol! Gooolll do jabuti!
Rolando, o objeto parecia ter dobrado o tamanho. O jabuti se aproximou lentamente, mesmo para os padrões de um jabuti. Cauteloso, pegou um pedaço de pau e deu uma porretada na coisa:
   - Plam!
A coisa dobrou de tamanho.
 O jabuti, assustado, desandou a dar porretadas:
   - Plam! Plam! Plam!
A cada cacetada, a coisa dobrava de tamanho.
Foi quando um sabiá falou, lá da copa de uma árvore:
   - Alto lá, jabuti! Se continuar a bater desse jeito, a coisa vai tomar todo o caminho. Se não mexer com ela, vai continuar como era no início.
Moral: Quando deixada em paz, a discórdia não prospera. Quando provocada, ela aumenta e se torna incontrolável.
Faye Dunaway fomentava a discórdia para chamar a atenção. Bolsonaro age da mesma maneira, construiu sua vida pública em cima de agressões e ofensas, foi assim que ele cresceu e se agigantou. Fazer o seu jogo é torná-lo cada vez mais forte. Portanto, não é por aí que vamos dar conta dos graves problemas que afligem a população brasileira, numa troca gratuita de ofensas. Espero que o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e as procuradorias assumam suas responsabilidades diante do caos que vivemos. É preciso dar um basta à contemporização, ao silêncio e às omissões. São elas que alimentam e tornam possível a “Coisa”.
Etelvaldo Vieira de Melo  

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