Acho
por bem seguir o conselho da amiga Gláucia (“Nesse
momento não tem nada melhor que rir! É a melhor terapia! Estamos todos
sufocados e atordoados, mas rindo muito”). Quando não der conta de produzir algo
novo e divertido, irei revisitar textos postados neste blog ao longo de mais de
sete anos, todos bem-humorados (e inéditos para a maioria dos Leiturinos). O primeiro explica o
que vem a ser PFC, por que a “ficha” de Eleutério custa a cair.
QUEM ROUBOU MEU ANEL DE FORMATURA?
Se
acreditasse em metempsicose, creio que em outras encarnações teria sido um
bicho de preguiça ou uma tartaruga. Tudo porque, comigo, as reações demoram a
ocorrer, custo a acompanhar o ritmo das pessoas; nas conversas, tenho sempre
que pedir para repetirem o que andam dizendo; não entendo nada o que falam na
TV, a não ser que haja uma legenda. Está bem que o otorrino, médico muito
distinto e que me inspirou a mais pura simpatia, disse que tenho uma pequena
perda auditiva, coisa insignificante, que só preciso ter o cuidado de olhar
para os lábios da pessoa enquanto ela fala. Esse médico tem até uma teoria
interessante a respeito do casamento, que eu gostaria de comentar, ainda que
superficialmente. Segundo ele, o casamento tende a dar mais certo quanto mais
afastados estiverem marido e mulher, em camas separadas, em quartos ou andares
diferentes, em cidades ou – melhor – países diferentes! Muito divertido esse
médico, mas eu não sei se ele falou sério ou fazia troça de mim, quando elogiou
a calça esportiva que eu estava usando. Aí, eu disse pra ele: “O senhor está gozando a minha cara,
doutor?” E ele: “Não, absolutamente.
Achei muito chique, deveras.” Então, como estava dizendo, agora me servindo
de atestado médico, minha lentidão para entender as coisas é uma herança
genética. Sou parecido com um italiano que conheci no meu tempo de
adolescência. As pessoas contavam uma piada para ele e sua reação, de momento,
era ficar sério; daí a três, quatro horas, ele se dava conta da graça e ria até
chorar. Para muitas coisas, eu me vejo assim também. Não quero que pensem que
sou um retardado mental, fico ofendido quando me tratam dessa maneira. Já
captei, através de olhares, pessoas me considerando como lerdo, débil mental, e
não gostei nem um pouco. Existem pessoas que, por conveniência, se deixam
passar por surdas, distraídas. É o caso do colega Marízio, que se fazia de
ouvidos moucos, quando lhe solicitavam um favor, mas respondia com presteza
quando se tratava de um agrado. Estou explicando essas coisas em sinal de minha
sinceridade, uma vez que até existe um nome científico para designar meu
problema: PFC, “prolapso de fim de curso”, uma denominação esquisita, mistura
de termo médico com de eletrônica, desses usados em portões e cercas elétricas.
Mas traduzindo para um português bem traduzido, com direito à nova regra
ortográfica, o termo significa que apresento uma demora, às vezes mediana, às
vezes acentuada, para dar uma resposta aos estímulos externos. Se você está
tendo dificuldade em entender o assunto, vou me servir de fatos acontecidos,
como exemplos. Já faz bastante tempo que concluí os estudos de oitava série.
Tenho uma foto da formatura, onde apareço fazendo o discurso. Eu quero dizer
que fui o orador da turma!
Na foto, lá estou eu lendo tranquilamente o meu discurso; anos depois, com essa mesma foto nas mãos, fui tomado pela síndrome do pânico, com direito a taquicardia, calafrios, tremedeira, dando início a um quadro de hipertensão do qual trato até hoje. Isso é que vem a ser prolapso de fim de curso, ou efeito retardado. Estou me lembrando que, durante minha adolescência, fiz parte de um coral, com direito, inclusive, a apresentações em TV! Fico pensando como foi possível uma coisa assim, pois se fosse agora, ao abrir a boca para cantar, iria desencadear a maior tempestade da história! Sem contar que uma câmera de TV na minha frente iria, no mínimo, me ocasionar um desmaio. Como pode ser observado, esse retardo neuropsíquico-motor até que tem suas compensações. Pena que ele não se faz presente em todas as situações estressantes pelas quais passo. O maior vexame pelo qual passei se deu quando a cidade ainda não era tão povoada por automóveis. Altas horas (da noite) e lá ia eu como carona de um amigo em seu carro, quando, por fatalidade, um dos pneus fura. Estávamos na descida em reta de uma avenida praticamente deserta e, por coincidência, relativamente pertos de onde esse amigo morava. Ele foi, então, até a sua casa e trouxe um pneu reserva em outro carro. Assim que terminou o conserto, ele me falou: “Olha, estou colocando o carro em ponto morto, você só terá o trabalho de ir soltando o freio e mantendo a direção.” Por favor, não ria de mim, mas quem diz que eu consegui fazer aquilo? Arranjei uma tremedeira nos pés e nem consegui tirar o carro do lugar. Meu amigo é que teve que ir se revezando entre os dois veículos, levando um até certo ponto para, depois, seguir com o outro e, assim, por quase um quilômetro, até chegar em casa. Mas estou contando essas coisas porque minha filha, dia desses, me perguntou em que ano eu havia me formado e se lembrava de um colega chamado Marcos, nome do pai de sua amiga. Não me lembro direito do ano de minha formatura e conheci muitos Marcos, mas não sei se algum deles atende aos requisitos. A pergunta, entretanto, resgatou a lembrança daquela época. Lembrei-me de que fui chamado à sala do diretor da Faculdade. Eu havia sido seu aluno, embora ele nem soubesse o meu nome. Mas tratava-se de uma figura extraordinária, um tipo bonachão e de grande sabedoria. Dentro de minha insignificância e mediocridade, eu o admirava. Suas palavras: “Olha, tenho aqui comigo um anel de formatura de um professor, morto recentemente. Era seu desejo que fosse doado para um formando de pouca condição financeira, isto é, que seja pobre. Decidimos que esse alguém seja você. Portanto, não se preocupe com seu anel de formatura, pois você já tem o seu.” Por causa de meu distúrbio neuropsíquico-motor ou prolapso de fim de curso, confesso que não sei descrever qual foi minha reação no momento e o que aconteceu logo depois. Mas A-G-O-R-A, passados já tantos séculos, eu me dou conta que não vi nem sombra do dito anel. Estou ficando nervoso, começo a ter palpitação, estou suando frio, sofro de vertigem, meu estômago embrulha, ameaço ter uma crise de hipertensão, quero saber quem me passou a perna, quero, preciso saber: QUEM ROUBOU MEU ANEL DE FORMATURA? (08.12.2012)
Eleutério fazendo discurso de formatura |
Na foto, lá estou eu lendo tranquilamente o meu discurso; anos depois, com essa mesma foto nas mãos, fui tomado pela síndrome do pânico, com direito a taquicardia, calafrios, tremedeira, dando início a um quadro de hipertensão do qual trato até hoje. Isso é que vem a ser prolapso de fim de curso, ou efeito retardado. Estou me lembrando que, durante minha adolescência, fiz parte de um coral, com direito, inclusive, a apresentações em TV! Fico pensando como foi possível uma coisa assim, pois se fosse agora, ao abrir a boca para cantar, iria desencadear a maior tempestade da história! Sem contar que uma câmera de TV na minha frente iria, no mínimo, me ocasionar um desmaio. Como pode ser observado, esse retardo neuropsíquico-motor até que tem suas compensações. Pena que ele não se faz presente em todas as situações estressantes pelas quais passo. O maior vexame pelo qual passei se deu quando a cidade ainda não era tão povoada por automóveis. Altas horas (da noite) e lá ia eu como carona de um amigo em seu carro, quando, por fatalidade, um dos pneus fura. Estávamos na descida em reta de uma avenida praticamente deserta e, por coincidência, relativamente pertos de onde esse amigo morava. Ele foi, então, até a sua casa e trouxe um pneu reserva em outro carro. Assim que terminou o conserto, ele me falou: “Olha, estou colocando o carro em ponto morto, você só terá o trabalho de ir soltando o freio e mantendo a direção.” Por favor, não ria de mim, mas quem diz que eu consegui fazer aquilo? Arranjei uma tremedeira nos pés e nem consegui tirar o carro do lugar. Meu amigo é que teve que ir se revezando entre os dois veículos, levando um até certo ponto para, depois, seguir com o outro e, assim, por quase um quilômetro, até chegar em casa. Mas estou contando essas coisas porque minha filha, dia desses, me perguntou em que ano eu havia me formado e se lembrava de um colega chamado Marcos, nome do pai de sua amiga. Não me lembro direito do ano de minha formatura e conheci muitos Marcos, mas não sei se algum deles atende aos requisitos. A pergunta, entretanto, resgatou a lembrança daquela época. Lembrei-me de que fui chamado à sala do diretor da Faculdade. Eu havia sido seu aluno, embora ele nem soubesse o meu nome. Mas tratava-se de uma figura extraordinária, um tipo bonachão e de grande sabedoria. Dentro de minha insignificância e mediocridade, eu o admirava. Suas palavras: “Olha, tenho aqui comigo um anel de formatura de um professor, morto recentemente. Era seu desejo que fosse doado para um formando de pouca condição financeira, isto é, que seja pobre. Decidimos que esse alguém seja você. Portanto, não se preocupe com seu anel de formatura, pois você já tem o seu.” Por causa de meu distúrbio neuropsíquico-motor ou prolapso de fim de curso, confesso que não sei descrever qual foi minha reação no momento e o que aconteceu logo depois. Mas A-G-O-R-A, passados já tantos séculos, eu me dou conta que não vi nem sombra do dito anel. Estou ficando nervoso, começo a ter palpitação, estou suando frio, sofro de vertigem, meu estômago embrulha, ameaço ter uma crise de hipertensão, quero saber quem me passou a perna, quero, preciso saber: QUEM ROUBOU MEU ANEL DE FORMATURA? (08.12.2012)
Eleutério é o primeiro à esquerda |
Etelvaldo Vieira de Melo
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