HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE QUARENTENA: HÁ MALES QUE VÊM PARA BEM

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Imagem: imagensanimadas.com

Em passado remoto, quando essa tal de covid-19 nem sonhava em dar as caras, estava eu aguardando na faixa de pedestre para atravessar uma avenida. Como o fluxo/refluxo de veículos era grande, somente depois de uns quinze minutos é que um motorista (homem) se apiedou de minha pobre alma, indicando que eu poderia atravessar. Satisfeito, levantei o polegar direito em sinal de agradecimento.
Assim que cheguei do outro lado, eis que dou de cara com o Alderico.
Alderico ou Alberico, estou em dúvida, é um galo que gasta mais de duas águas pra cozinhar, já que está quase chegando na casa dos oitenta anos. Entretanto, como trabalhou a vida toda em serviço pesado, ostenta saúde e aparência invejáveis. Para não dizer que ainda é um sujeito bonito, vamos falar que é simpático, alegre, brincalhão. De velho mesmo, só a mania de gostar de uma conversa fiada.
Como passo com frequência por um prédio em construção, onde trabalha como vigilante, temos tido longas conversas, todas fiadas.
Alderico gosta de contar vantagem. Assim, fiquei sabendo que:
1 - ele já construiu, anexos à sua casa, vários barracões para aluguel;
2 - além da aposentadoria, recebe um salário razoável como vigilante;
3 - os filhos, casados, só o procuram em busca de ajuda financeira;
4 - tem dois carros: um Gol e um Fusquinha;
5 - a mulher só quer saber de trabalhar, tomando conta de crianças;
6 -  a véia não quer nada de sexo.
Assim sendo, quando Alderico vai pro lado dela, reclama:
- Tenha vergonha na cara, homem véio. Se quer alguma coisa, vai procurar na rua.
Certo dia, estando ele “matando cachorro a grito”, aconteceu de uma vizinha, mãe solteira e muito bem apanhada, olhar pros seus olhos com olhos melosos. Alderico não pensou duas vezes: lançou-se ao ataque e, logo, começou a fazer gols, 3 a 4 por semana.
- Um ótimo índice de aproveitamento! – falei, certa vez, com olhar de espanto, tentando transparecer inveja.
Alderico dá aquela risada grande, cheio de autossatisfação.
As saídas para um motel de bairro vizinho aconteciam no Fusquinha. O banco de passageiro era tirado para que a moça, Aparecida, pudesse ficar agachada, evitando o risco de ser reconhecida. Talvez, quem sabe, pode ser, foi baseado nessa situação que os produtores da Disney criaram o título do filme “Se Meu Fusca Falasse”.
Tudo ia bem, mas já estava cansando (tipo essa tal de quarentena), você sabe, precisava voltar ao normal. E, assim, as saídas pro motel foram raleando, de três para duas, de duas para uma, de semana/sim para semana/não, de semana/não para outra também/não; uma ajuda daqui/outra dali; um dinheirinho pra cá/outro pra lá; Alderico satisfeito, e Aparecida aparecendo ainda mais satisfeita – com o dinheirinho que passou a cair na sua mão (e ela tendo que dar quase nada).
Alderico achava ainda que tinha estoque pra contar vantagem, mas eu sabia que tudo não passava de conversa fiada. Como bem diz a anedota: homem velho, quando arruma mulher nova, no máximo está comprando jornal pra outros lerem.
Mas chegou o dia fatal. A esposa de um colega de Alderico achou que este estava influenciando o marido para abandoná-la. Acabou dando com a língua nos dentes: contou pra velha do Alderico toda a história das saídas de Fusquinha.
Foi um rebu lá na vila, com sopapos se espalhando para todos os lados. A torcida toda querendo ver o circo pegar fogo. Tudo teria piores consequências se Alderico, a certa altura, não tivesse dado uma de galo do terreiro, segurado a mulher em sua fúria assassina. Aparecida estava com o corpo cheio de arranhões e hematomas.
Depois de tudo, desapareceu a Aparecida.
Nos últimos dias, parece, a poeira assentou de vez, voltando a ser como antes no quartel de Abrantes.
- Quer dizer que, agora, você dependurou de vez a chuteira! – falei, mais como provocação.
- É – respondeu Alderico, com um sorriso frouxo.
Dias depois, falou, certamente para despistar aquela ideia de dependurar a chuteira:
- Minha mulher, agora, toda vez que eu chamo, ela vem. – E dá um sorriso largo, dando a entender que isso acontece muito.
- Que bom, hein! – falo, tentando demonstrar admiração. – Como bem diz o ditado, há males que vêm para bem. – E completo, para deixá-lo sem graça: - Se com a reserva dava para fazer tantos gols, imagine como deve ser com a titular!
Etelvaldo Vieira de Melo



1 comentários:

Anônimo disse...

Felicidade é a gente se sentir bem em fazer sempre o bem para o próximo. Cumprir com alegria a nossa missão.

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