O que move a existência humana? Eis uma
pergunta formulada desde os primórdios da Filosofia. Platão, Nietzsche,
Foucault, Saussure, consideram que o desejo é o motor das ações humanas.
Teoricamente, deixam estabelecido que a partir da hiância (corte do cordão
umbilical) todo indivíduo se torna eternamente desejante. Diante da
impossibilidade de retorno ao estado homeostático uterino, o indivíduo projetará
em objetivos futuros sua incompletude.
O desejo em Psicanálise não
trata de algo a ser realizado, mas de uma falta jamais realizada. Em todas as
escolhas, há sempre um novo desejo. Portanto, ele permanece insatisfeito.
Renasce continuamente uma vez que está em outro lugar que não no objeto a que
visa ou no significante suscetível de poder simbolizá-lo.
O próprio desejo persiste em designar o
desejo do Todo (objeto perdido) pela expressão de desejo da parte (objetos
substitutivos). Trata-se de um fluir metonímico, pois tal objeto estará sempre
se deslocando em direção ao que aparenta ser o outro, perdido. O sujeito se vê
aprisionado pela vã tentativa de obturar sua falta constitutiva. É nessa
premissa que alicerçamos a construção desta tese.
Por que selecionamos Aleijadinho para fundamentar
nossa proposta? Porque, à medida que empobrece e perde a saúde, suas imagens
adquirem maior riqueza e beleza estética. Arminho, ouro, pedras preciosas,
ornamentam as vestes sacras. Anjos rosados resplandecem desenhados na pedra
sabão, enquanto a palidez marmórea desfigura o artista.
Amarrados camartelo e pincel ao toquinho
do braço, o pequeno grande escultor mineiro anseia pela perfeição artística.
Aqui, um traço retilíneo conforma o ombro da santa; ali, uma curva acentuada faz
seu olhar glorificado. A crença em alcançar a completa esfera paradisíaca como
auxílio das mãos conduz beleza e mistério ao abandono da lepra deformante.
Morre a carne putrefata, mas nasce um
gorducho Menino do seio da Virgem Maria. Nada obsta ao autor desconforme o
prazer da criação. Faminto de pão e teto, ascende aos altares e frutos do
jardim celestial. O difícil e conflituoso espírito barroco acalma Cristo no
caminho do Calvário. A luta pelo ideal estético fica sempre à frente do infinito
tempo e da sociedade colonial em que vive. Cravada na montanha, uma esplêndida
Madona aspira à igreja ouro-pretana.
A pujança da obra de Lisboa provém da
mais dura miséria. Os Profetas Inconfidentes identificam-se com o martírio do
homem. Isaías trama Revolta, sublimando a do Poeta. Oseias corta correntes com
a força indômita do Gênio adoecido. Os soldados, vestidos de roxo, veem flores
perfumadas surgindo do estrume fétido com que ele julga curar-se. Então, Monsenhor
se comove e encomenda-lhe um frontispício.
Disfarçado de astúcia e paz, o aleijado
colore a serpente, lançando o voo das pombas na amplitude do adro. São horas
sombrias e longas, recobertas de sinos e fitas. A realidade é urtiga,
conduzindo aos roseirais. Escritos vagam nas vagas do mar sob os pés angélicos.
Entre o divino e o profano, exausto em cima das tábuas, Aleijadinho adormece.
Lá fora, o templo é tão simples; cá dentro, resplende luxúria.
O que suscita o desejo sobre esses
objetos pintados no mundo? Algo indecifrável, diremos. Um brilho, uma textura,
um som, um significante. Eles são, para Lacan, faces simbólicas ou imaginárias daquilo
que está muito além do princípio do prazer. Tal elemento concreto passa a ser o alvo do
artista, concentrado em pleno gozo. No caso de Francisco, a linguagem da
escultura se torna fundamental para a reconstrução do inconsciente recalcado
pela mágoa. Alcançou o absoluto, mas há coisas maiores que o tudo.
Considerados tais aspectos concernentes
ao tema proposto, comprovamos em larga escala a assertiva inicial. Aspiramos constantemente
ao que ainda não conquistamos. Certa de que o desejo constantemente nos
atravessa, dizemos que caminhamos ansiosamente ao encontro de um ótimo conceito
por esta sofrida escritura.
"THIS
OBSCURE OBJECT OF DESIRE”
(Buñuel Film)
What
drives human existence? This is a question formulated since the beginning of
philosophy. Plato, Nietzsche, Foucault, Saussure, consider the desire of human
actions’ engine. Theoretically, let them establish that from the hyance
(umbilical cord cut) to the individual becomes eternally desiring. Faced with
the impossibility of returning to the uterine homeostatic state, the individual
will project objectives that are supposed to compensate his incompleteness in the future.
Desire
in Psychoanalysis is not something to be accomplished, but actually a lack of
accomplishment. In all choices, there is always a new desire.
Therefore, he remains dissatisfied. The object is continually reborn elsewhere
its signifier can symbolize it.
The
desire for the whole (lost object) is to be designated by its part's expression
of desire (substitute objects). It is a metonymic flow, because such an object
will always be moving towards what appears to be the other, lost. The subject
sees himself imprisoned by a vain attempt to fulfill the constitutive lack. It
is on this premise we base the construction of this thesis.
Why
did we select Aleijadinho to support our proposal? Because, as he impoverishes
and loses health, his piece of Art acquires greater wealth and aesthetic beauty.
Ermine, gold, precious stones, adorn the sacred robes. Rosy angels shine drawn
on the soapstone, while the marble pallor disfigures the artist .(1)
Tied
hammers and brushes to his little arm, the great sculptor from Minas Gerais
longs for artistic perfection. Here, a rectilinear trait conforms the Saint's
shoulder; there, a sharp curve makes her gaze glorified. The belief in
achieving one complete paradisiac sphere is helped by his hands which leads to
beauty and mystery in order to obliterate the deforming leprosy. The putrefied
flesh dies, but a plump Boy is born from the Virgin Mary’s bosom.
Nothing
precludes this author from the pleasure of creation. Hunger for bread and
shelter ascends to the altars of the celestial garden’s fruits. The difficult
and conflicted barroc spirit soothes Christ on the Calvary’s path. The struggle
for the impossible ideal aesthetic is always ahead of his time in the colonial
society in which he lives. Set in the mountain, that splendid Madonna aspires
to the golden-black church.
The
strength of Lisbon's work comes from the harshest misery. Twelve Inconfident
prophets identify with the men’s martyrdom. Isaiah sublimes Lisbon’s rebellion.
Hosea cuts chains with the indomitable force of the sick Genius. The soldiers,
dressed in purple, see fragrant flowers emerging from the foul manure with
which he deems to heal himself. Then, a rich matrix bishop orders him a
precious frontispiece.
Disguised
as cunning and peaceful, the cripple dyes the biblical green snake, launching
the dove's flight across the churchyard. Time is dark, long hours, covered with
bells and ribbons. The reality is made of nettle, leading to rose bushes.
Writings roam the waves of the sea under the angelic feet. Between the divine
and the profane, exhausted on the boards, Aleijadinho falls asleep. Outside,
the temple remains simple; inside, shine lust.
What
does arouse the great desire about these painted elements in the world?
Something indecipherable, we could say. A glow, a texture, a sound, a
signifier. This volition, for Lacan, symbolizes imaginary faces of what is far
beyond the principle of pleasure. This concrete dream becomes the Art target,
concentrated in full enjoyment. In Francis' case, the known sculpture language
becomes fundamental to an unconscious reconstruction repressed by sorrow. He
had achieved the Absolute, but there are even more infinite greater things.
Considering
these aspects related to the proposed theme, we proveon a large scale in the
initial assertion. We constantly look at what we have not yet conquered.
Certain that our desire constantly crosses everybody, let us say we walk
anxiously to meet the most satisfactory concept for our eloquent scripture.
_____
(1) Reference to Camões Inês de Castro’s episode.
Graça Rios
1 comentários:
Lendo mais uma vez. Gosto de ler impresso no papel. Demorar nos parágrafos...deliciar as idéias...
Dessa maneira chegamos à maturidade como leitores, à maturidade textual.
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