CEIA DE NATAL
A panela ferve salsas e cebolas.
Rainha de Copas milmata-me
os olhos vermelhos,
sonhando com este alvo pelo preso ao pescoço.
Entoando vassoura, limpa-me Carollina
o último lírico cocô.
Trágico destino o de bichos condenados!
Gato-maravilha se anuncia
jantar nietzschiano:
- O Coelho está morto!
- Branco, Amarelo ou o Cinza?
Alice ri da tolice:
- País dos Pathos & Pratos!
Arganaz, El Matador, já bem comido,
beberica, livre, licores.
Afinado, Chapeleiro Louco executa
ao pistom afiado
o 'Réquiem de Mim menor'.
Grios
DANDO ASAS PARA A COBRA
Era uma vez quatro amigos. Três
deles haviam se tornado eruditos, tanto tinham estudado; o quarto não gostava
de estudo, era tido pelos demais como bocó, mas dispunha de bom senso, coisa
que os outros não tinham.
Andavam, certo dia, pela floresta, quando avistaram os
restos mortais de um leão. Um dos eruditos, o mais velho, disse:
- Vamos testar nossos conhecimentos, trazendo esta
criatura de volta à vida. Sou capaz de unir os ossos e reconstituir de novo seu
esqueleto.
E assim ele fez com perfeição.
O segundo, mostrando aptidões invulgares, acrescentou
carne, couro e sangue ao animal.
Quando o terceiro erudito ia insuflar-lhe o sopro da vida,
o bocó o interrompeu, dizendo:
- Tenham cuidado, amigos, pois estão fazendo um leão e,
se tudo der certo, ele pode comer a gente.
No entanto, ninguém levou a sério sua ponderação. O
insuflador chegou a falar, indignado:
- Como se atreve a questionar meu saber, seu bocó?
- Está bem – falou este. – Mas, então, espere um
pouco para que eu suba nesta árvore.
Assim, o leão reviveu e, no mesmo instante, atacou e matou
seus criadores. Só mais tarde, o bocó desceu da árvore e, guiado pelo seu bom
senso, tomou o rumo de casa.
Leitura: Esta fábula vem mostrar que sabedoria não se confunde com erudição:
muitos bocós podem ser sábios, enquanto muitos eruditos não passam de
ignorantes.
A fábula faz lembrar também o que aconteceu em país
distante.
Aproximava-se a época da eleição. Preocupados com o que
poderia acontecer, um banqueiro, um dono de TV, um deputado, um pastor
evangélico, um general, um juiz e um cidadão comum reuniram-se numa padaria da
cidade. Enquanto lanchavam (comendo pastéis e tomando Q-Suco), discutiram
acaloradamente, buscando uma alternativa para que determinado candidato,
conhecido como “Sapo Barbudo", não viesse a ser eleito presidente.
O banqueiro falou: - Meus lucros têm caído
assustadoramente. Ano passado, eles ficaram em míseros 700%. Por isso, estou
disposto em emprestar algum para tirar essa ameaça do caminho.
O deputado disse: - O Congresso vai fazer o que for
possível para impedir a eleição do Sapo. Sugiro a gente apostar as fichas no
candidato Jaboró, ele que fala muita besteira, mas que pode ser controlado.
O general falou: - Vou soltar uma nota dizendo que, se o
Barbudo for eleito, não sei não...
- Boa! – falou o pastor. – De minha parte, vou
propagar nas igrejas que Jaboró é o Messias e o Barbudo é enviado do Capeta.
O juiz falou em falsete, em tom parecido com o de marreco: -
Vou encomendar umas delações e botar o "Big Mac", na cadeia, tornando-o
inelegível. Depois, vou me aproximar do tal Jaboró e negociar um cargo no
governo. Sendo ele muito bronco, quem vai mandar vai ser eu mesmo.
O dono de TV disse: - Vou dar toda cobertura pra você,
mostrando no jornal das oito que o governo do Barbudo é um cano de esgoto.
O cidadão comum não disse nada, mesmo porque era tido como bocó. Mas ele tinha bom senso, sabia que Jaboró não era flor que se cheire, que seus colegas estavam dando asas para uma cobra. Por isso, pensou: - Estamos fudidos!
Etelvaldo Vieira de Melo
PAIS E FILHOS BONS OU MAUS
Filhos se tornam
pais, assim como pais o foram no passado. Algum dia uns herdarão os mesmos
sentimentos dos outros. Estes viverão hoje as mesmas alegrias e tristezas que
lhes proporcionaram aqueles. Alegrias representadas pelo amor, dedicação e
felicidade. Virtudes alimentadas pela educação, regras de convivência, saudável
ambiente familiar e condições ideais de vida. Tristezas pela inconsciência,
inconstância e desprezo ao sentido da vida. Houve tempos em que imperavam os
princípios que exornam a personalidade. Seriedade e honestidade. Apego familiar.
Amor ao próximo. Auxílio aos desamparados. Respeito aos pais. Temor a Deus.
Dignidade humana, enfim. Infelizmente, os tempos mudaram. Há quem admita que
para melhor. Um progresso constante. Conceitos evoluídos. Avanço da ciência e
da tecnologia. Melhores condições de vida. Mas, neste contexto, imperam os que
pensam o contrário. Os mais realistas. Infelizmente, em muitas situações e
ocasiões o que se observa é, realmente, falta de responsabilidade e, de
sensibilidade, seriedade, apreço, abnegação, respeito e consideração. E, em se
tratando de filhos, a tristeza ou infelicidade costuma se sobrepor à alegria
que deveria ser uma dádiva constante dos pais. Há filho que perde a consciência
do mal causado. Vangloria-se de suas atitudes. Considera ultrapassados os
princípios conservadores. Critica os pais e o semelhante. Não se dá ao
respeito. Depaupera-se. Uma criatura que pode ter cultura, mas desprovido da
pureza da educação. Enquanto se sente satisfeito assim agindo, causa a
infelicidade de outrem. Uma lástima para os pais e, porque não dizer, para a
sociedade. Felizes os pais, cujos filhos os enchem de encantamento e que, pelas
suas qualidades intrínsecas e nobreza de caráter, conduta ilibada e
irreparável, despertam para um futuro próspero e proeminente. Um sonho que se
torna realidade. Abençoados serão. Ao contrário, ai dos filhos que desagradam
os pais e semelhantes com sua conduta indesejável. Jamais serão decantados e
admirados por seus feitos. O desprezo e o descaso podem ser o que os espera. O
seu destino. Tomara que não. Exaltados serão, no entanto, os que, em tempo,
conseguem se redimir e reverter essa situação. A verdade é que existe um outro
ângulo a ser considerado. Os filhos, não raro, costumam seguir o exemplo dos
pais, até mesmo profissionalmente. Tudo girando em torno e em função dos pais.
É preciso, então, que, reconhecidos da inconveniência de seus hábitos, cuidem
em que se tornem pais exemplares, dignos de serem seguidos. O orgulho de seus
próprios filhos. Assim seja!
Sebastião Rios Júnior
RIPA NA CHULIPA!
O presente texto não quer mandar ninguém dar
porretada (ripa) em gente preguiçosa (chulipa). Ele quer tão somente mostrar a
beleza, a profundidade e o toque sutil de comentários aparentemente simples de jogadores e dirigentes de futebol, esse esporte apaixonante, motivo
de alegria e felicidade para bilhões de brasileiros. (A propósito do título
“Ripa na Chulipa”, trata-se de um jargão popularizado pelo narrador
futebolístico Osmar Santos, que o usava quando jogadores se preparavam para
chutar um pênalti ou uma falta durante a partida. “Ripa na chulipa” seria um
grito de força e determinação ao jogador. Outra expressão que o “Pai da
Matéria”, o Osmar, usava era “pimba na gorduchinha”, representando o acerto do
chute na bola, que era apelidada de “gorduchinha”.) Vamos a eles, os
comentários.
De Zanata, ex-lateral do Fluminense: “Na
Bahia, é todo mundo muito simpático. É um povo muito hospitalar”.
Esta citação revela, primeiro, um valioso
informe para aqueles que nunca conheceram ou venham a conhecer pessoalmente
aquele estado brasileiro. Depois, derruba o estigma de uma palavra que,
normalmente, provoca arrepios. As cidades, em geral, possuem regiões
hospitalares; agora, passam a ser chamadas “regiões hospitaleiras”. O povo,
antes hospitaleiro, agora é hospitalar.
De João Pinto, jogador do Benfica de
Portugal: “O meu clube estava à beira do precipício, mas tomou a decisão
correta: deu um passo à frente...”. (É dele também a frase: “Não
foi nada de especial, chutei com o pé que estava mais à mão”.)
A frase pede uma distinção entre o que é
correto e o que é certo. É certo, estando à beira do precipício, dar um passo à
frente? Isso faz lembrar muitas decisões do Judiciário aqui no Brasil: são
corretas, porque amparadas na Lei, mas seriam certas? O certo está no plano da
Ética, enquanto o correto é formalidade; um é questão da Lógica, enquanto o
outro é problema moral.
De Jardel, ex-jogador do Grêmio: “Quando
o jogo está a mil, minha naftalina sobe”. (Também
disse: “Clássico é clássico, e vice-versa”.)
Simplesmente bonito demais, quando uma
pessoa está tomada por fortes emoções, não conseguindo traduzir por palavras
adequadas tudo o que sente. É igual um adolescente tomado pela paixão, tentando
encontrar palavras para traduzir tudo aquilo que pesa em seu peito. Dizer “Eu
te amo?” Isso é tão pouco para o que está sentindo... Em momentos de fortes
emoções, a gente confunde as coisas e acaba até colocando adrenalina no armário,
enquanto é tomado pela naftalina...
De Dunga, ex-técnico da Seleção: “As
pessoas querem que o Brasil vença e ganhe”.
Dizem que o futebol é o esporte em que nem
sempre vence o melhor. Daí, uma das razões do fascínio que exerce sobre as
pessoas: é onde David pode derrotar Golias, o pequeno derrubar o grande, o
pobre esmagar o rico. Entretanto, quando joga a Seleção, é preciso vencer e
ganhar, isto é, vencer e convencer. Essa visão romântica tende a virar poeira
da história, nas lembranças de um Telê Santana, de um João Saldanha. O futebol
deixa de ser poesia, perde seu lirismo, para se tornar algo robotizado e
mecânico. A fala de Dunga parece lembrar essa nova geração.
De Vladimir, ex-Corinthians: “Eu
disconcordo com o que você disse”.
Quando você discorda de alguém, está se
colocando em posição contrária, apelativa, como se estivesse disposto a uma
briga. Isso não fazia parte da índole, da natureza do brasileiro até pouco
tempo atrás (quando surgiram as redes sociais). A nossa história não é
construída com armas, de lutas, de guerras, mas de acordos, sobre e debaixo de
panos, com conchavos e tapinhas nas costas. Este era (até surgirem as redes
sociais) um país onde tudo se ajeitava, era o país do jeitinho (agora, virou o
país da mentira institucionalizada). Se discordar é ir para o outro lado da
rua, disconcordar é - com mil pedidos de desculpas - quase que ficar ao lado.
De Dario, ex-jogador do Clube Atlético
Mineiro: “Não venham com a problemática, que eu tenho a solucionática”.
Está aí uma citação que torna o rugido de
leão um miado de gato. Ou seja, algo que poderia nos causar muita preocupação e
ansiedade não passa de algo banal e insignificante. Problemas, onde? Que
bobagem! Isso não passa de uma problemática, para a qual eu tenho a
solucionática! E tem mais: “o amor é lindo!”
De Vicente Matheus, ex-presidente do
Corinthians: “O difícil, como vocês sabem, não é fácil”. (Autor também das frases: “O Sócrates é invendável,
inegociável e imprestável”; “Jogador tem que ser completo como o pato, que é um
bicho aquático e gramático”).
Não, as pessoas nem sempre sabem que o
difícil não é fácil. Dizendo: “como vocês sabem”, Matheus está convidando para
que façamos um discernimento entre o que é fácil e o que é difícil. Se o
difícil fosse fácil, ele não seria difícil; sendo difícil, ele não pode ser
fácil. O problema da vida humana é que muitos tomam o fácil como difícil,
tornando difícil aquilo que é fácil; de outro modo, outros acreditam que o
difícil é fácil, facilitando aquilo que, por natureza, não é fácil, mas
difícil. Uma frase, aparentemente simples, esconde toda a complexidade de ser e
de não ser.
Falando em complexidade, vamos terminar
lembrando uma frase de Don Shula, tirada das lidas com o futebol: “O
sucesso não é para sempre e o fracasso não é fatal”. Assim é a vida, as conquistas passam e a derrota sempre aponta a
possibilidade de um recomeço.
SOB AREIAS PESADAS
Deixa-me
inflamada
excitada
descarada,
como
se tirasses o véu da mulher mundana.
Oferta-me
uma cor nova
de
falso brilho: lantejoila ouropel farfalho de tafetá ou seda indiana.
Acrescenta-me
alguma variante justaposta
pele
a pele.
Cinge
minha cintura com todos os nós
do
real banal.
Penetra-me
experiente em camas box de luxe,
onde
meus olhinhos
pisquem
pisquem pequem exaustos
de
prazer.
Aprofunda-te
bem aí
nas
raízes passadas.
Por
efeito, eu ouso
por
ébrias injunções
frequentar
segredos
dessa
nossa ausência tentadora, catando
antiguidades
do futuro.
Ai!
GRios
SOBREVIVER OU VIVER CRESCENDO
Viver é flores ser. Só lícito ser é encher-se de virtudes. Florescer é crescer
espiritualmente e preservar a dignidade humana. Ser lícito é dispor na vida de
uma conduta ilibada, marcante. E a palavra significa cumprir o sagrado dever de
amar o próximo. Ter mão a se estender e afagar. Afagar na provação do outro. Estender-se
com senso afetivo. Qualidades exornam a personalidade. Infelizmente, escoam-se no
tempo. Quiséramos feliz voltasse a confraternização, o preocupar-se com o
semelhante, a união entre pessoas.
Lembramo-nos da Copa
do Mundo aos 1950. Lá pelas nossas bandas, raro indivíduo dispunha do rádio. Solidários,
todos os aficionados do futebol se irmanavam e lotavam a casa dos afortunados,
a fim de assistir à partida decisiva. Assim, aquela decepcionante derrota para
o Uruguai passou sem constrangimento. Converteu-se, ao final, em sentimento e
consolo mútuo.
Anjos da guarda desciam na época, surpreendentes, inesperados. Milagres aconteciam. O ensino nas cidades
menores limitava-se ao Grupo Escolar. Internação em colégios de cidades maiores
constituía privilégio dos abastados. Porém, na santa humildade do lar modesto, o
querubim encontrou fórmula de custear nossos estudos. Educação e respeito buscavam-se
a todo custo. Hoje, nada concerne ao amigo, além do jogo de interesse. Onde “Amicus
certus in re incerta cernitur”?
Antigos guardiães quase não se manifestam. Mudaram-se em ideias
conservadoras. O ambiente dominante não os acolhe. Poder, egocentrismo, ambição,
turvam as cabeças. Grassam fome e miséria nas classes desamparadas. Perderam-se,
em grande estilo, a lealdade, a honestidade, a gratidão. Sorte mesmo, apenas
para o meliante inescrupuloso.
Talvez frutos do crescimento, do avanço científico e
tecnológico, romperam-se a tradição, a dignidade plural, as condições
existenciais. Devido ao avanço progressivo e destrutivo, contemplamos sozinho o
passado. Havia um enorme equipamento, também chamado holerite, gerador da folha
de pagamento do servidor federal. Ocupava o saguão do velho prédio do Tesouro
Nacional na Avenida Afonso Pena.
Após, víamos chegar gigantescos computadores. Ocupavam o
espaço físico: seletora e leitora de cartões perfurados, gravações de fita em
roldanas giratórias, processadores em paredes inteiras, periféricos. Ao
contrário dos pequenos módulos atuais, acionados por minúsculos chips, toda a
parafernália prosseguia alimentada com planilhas elaboradas pelos usuários. Obrigados, inseriam nas quadrículas as letras
das palavras.
Informações processavam-se em formulários contínuos, submetidos à consistência dos dados. Ah, sim, e também ficavam a cargo dos referidos! Diríamos: consistência da consistência. Se correta, costumava gerar, na avaliação, outra pior. Esse fato ocorria sucessivamente. Sonhávamos com os acertos on-line hodiernos.Lembramo-nos, assustado. Súbito, a seletora e perfuradora de cartões cospe fora, como vento uivante, um bloco que se espalha pelo chão. Deus nos acuda para voltarmos tranquilo ao “statu quo ante”! Agonia, desespero e suor gastamos, embora significantes. Salta-nos à memória, o telefone de boca dos idos 1950, naquela caixa pendurada sobre a parede. Ocorre-nos, pensativo, o telégrafo Morse, amparado pelo rádio, nossa diversão, labor, tristeza. Sendo meios de comunicação sempre utilizáveis, custavam excesso de luta para campeadores.
A pé, mato a dentro, eles acompanhavam e reparavam linhas
telefônicas, fiação, postes caídos, aceiros inibidores de incêndios. Vieram,
mais tarde, então, o telefone sem fio, os pequenos computadores, a TV em preto
e branco e, posteriormente, a colorida. Assistimos à Copa do Mundo/70 numa TV
de dois pavimentos, a cores. Glória e festa!
A princípio, era penoso e oneroso possuí-los. Agora,
celulares circulam lá e cá. Recebemos insistentes convites para assinatura de
telefones fixos, motos, carros de custo a longo prazo, computadores a preços
convidativos. Enfim, acha-se o Universo à disposição, aliviando esforço, aumentando
saber.
Entretanto, a Ciência, ai! A Ciência alia-se à tecnologia. Supera-nos expectativas, desenvolve-se em todos os setores. Por que, dessa maneira, poderá desencadear crise organizacional capaz de comprometer o destino planetário? Dispensamo-nos comentário acerca da possível gravidade. Queira Deus despertemos antes de qualquer tragédia iminente.
Sebastião Rios Júnior
UM PEQUENO DILEMA
Loprefâncio Caparros, como quase
todo brasileiro, já foi apaixonado por futebol. Ainda criança, na década de 50,
começou a torcer pelo Flamengo. Até hoje tem lembrança da formação do time:
- Chamorro, Servílio e Pavão;
Jadir, Dequinha e Jordão; Joel, Duca, Evaristo, Dida e Zagalo.
Depois, quando viu que era mineiro,
passou a torcer pelo Cruzeiro. Na década de 60, acompanhou o despontar de jogadores
que iriam lhe proporcionar as maiores emoções como torcedor:
- Raul, Pedro Paulo, William,
Procópio e Neco; Piaza e Dirceu Lopes; Natal, Tostão, Evaldo e Hilton de
Oliveira.
O tempo foi passando, o Cruzeiro
conquistou inúmeros títulos e o futebol começou a perder a graça, com os
dirigentes roubando horrores, os jogadores se vendendo a peso de ouro, radialistas
usando do esporte para conquistar cargos políticos.
Foi quando o Cruzeiro começou a
construir sua derrocada. Em 2019, caiu para a Segunda Divisão do Campeonato
Brasileiro. Em 2021, não conseguiu retomar para a primeira Divisão, ainda
afundado em dívidas praticamente impagáveis.
Hoje, Loprefâncio pensa igual o Roberto
Carlos, quando diz: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida, só vou
gostar de quem gosta de mim”. Sentindo que o Cruzeiro não gosta mais dele,
pensou: “A fila anda. Vou torcer para outro esporte”. E passou a acompanhar os jogos de vôlei
feminino.
No entanto, no dia 27 de novembro
de 2021, não resistiu à curiosidade e foi assistir (pela TV, naturalmente) à
decisão da Copa Libertadores entre Flamengo e Palmeiras. O Flamengo era o seu
primeiro time do coração, e uma música diz que “uma vez Flamengo, sempre
Flamengo”. Já o Palmeiras foi conhecido como Palestra Itália, tendo sido
formado pela colônia italiana de São Paulo, fato similar ao que aconteceu em
Belo Horizonte com o Cruzeiro, que no início era também Palestra.
O dilema era aparente, de fácil solução:
entre um e outro, melhor seria torcer por nenhum. Mas Loprefâncio viu pela TV a
figura de Renato Gaúcho, personagem por quem nutre a maior antipatia (por
Renato ser um boslsonarista declarado). Decidiu: vou torcer pelo Palmeiras.
A certa altura (do jogo), entra no
time do Palmeiras um jogador bolsonarista tão nauseabundo quanto o Renato:
Felipe Melo. Aí, Leoprefâncio pensou: “- Vou torcer pelo Flamengo”. Mas, então,
ele notou na camisa do time do Flamengo uma logomarca da “Havan”, uma empresa
nojentamente bolsonarista. Então, Loprefâncio ficou sem saber o que pensar. Mas
aí o jogo acabou, com a vitória do Palmeiras por 2 X 1, deixando nosso amigo
razoavelmente satisfeito.
Quem não deve ter gostado nada foi JB, conhecido como Boslsonaro. Em um desses sítios de notícias, Loprefâncio viu uma foto do cujo, ladeado de militares, puxando saco uns dos outros, diante de uma tela de TV. A manchete da notícia dizia: “O palmeirense Bolsonaro decide torcer pelo Flamengo”.
“Vai ser ‘pé frio’ assim lá em
Dubai dos Emirados Árabes!”, pensou Loprefâncio, sorrindo discretamente.
Nota: Segundo notas de jornais,
Felipe Melo está sendo sondado para defender o Cruzeiro em 2022. Caso isso
aconteça, vai ser a pá de cal para enterrar de vez a vida de torcedor de
Loprefâncio.
Outra coisa: Renato Gaúcho, Felipe Melo,
“Véio da Havan” e Bolsonaro certamente não estão nem aí pra Loprefâncio
Caparros. Caso estivessem, por uma questão de justiça, teriam todo o direito de
ficarem indignados e tomados de nojo para com nosso pobre amigo.
Etelvaldo Vieira de Melo
POR ESTANCAR A FEMEAL SANGRIA
Rastros emergem do embaralhamento Rei de Espadas / Rainha
de Copas.
Blefe e burla, quatro naipes A J Q K formam imagens num
painel iluminado de néon. Quanto ao lance ennui do crupiê, ei-lo pálido, às
vezes; outras, rubro à luz de spots. Mesura, estratégia, voz em off na terceira
posição: Parceiro, saiu o Ás de Ouro para a incógnita loura donzela. Atenção!
Assentada no sexto lugar, ela fera se faz esconderijo. Átimo, às ocultas, a
wildcard passeia-lhe por baixo da anterior quinta saia.’
Arreliada, a infratora conta cuidados: manteve sempre o
olhar voltado para si mesma ao natural ou à selvagem. A seguir, narra sua
história de amor fogoso com o Valete, quando lhe sacou encantos sígnicos. Meio
terapêutica meio glissante meio hipócrita bruxa, confessa: ‘Tomei deveras parte
com o diacho na minha última jogada. A dama de paus nos estava roubando.
Graça Rios
PODIA ATÉ SER PIOR
Quando algo dá errado pras minhas bandas, costumo pensar: “Console, Marisquinha, podia ser pior”. A essa maneira de pensar eu chamo de Filosofia de Vida. A FV tem me valido em muitas situações, fazendo com que eu chegasse até aqui sem muitos arranhões ou machucados. Ela é assim como as ferramentas de uma oficina ou as muitas coisas que carrego na minha bolsa. Não sei por que os homens implicam tanto com as bolsas femininas. Com suas calças, camisas e paletós, podem eles dispor de, no mínimo, sete bolsos. Alguns ainda acham pouco: chegam a fazer uso das cuecas para transportar outros bens, além das pingolinhas. Mas nós mulheres só dispomos de um só bolso, que é a nossa bolsa. Na minha eu carrego de tudo um pouco. Tem até agulha e linha, para o caso do vestido rasgar ou a alça do sutiã se soltar. Como diz o ditado, “seguro morreu de velho”. Agora, apesar de todo cuidado, chego a experimentar situações constrangedoras. Minha amiga Adalgisa havia me convidado para passar o final de semana na sua fazenda. Seria ótimo, se eu não andasse com uma desconfiança danada dela. Da última e única vez em que lá estive, quando saía do banho enrolada numa toalha, ela veio com essa conversa assanhada: “Marisquinha Grabulosa, tira logo esta toalha pra eu te dar uns amassos”. Então, eu falei: “Cruz credo, sai pra lá, sapatão! O que eu gosto mesmo é de homem, homem com agá e, de preferência, maiúsculo”. Agora, ela está me convidando novamente. Parece até que se esqueceu do esfrega que lhe dei. O meu problema é que, apesar das centenas de anos de terapia, ainda não aprendi a ser totalmente assertiva. Quando, tal como a ingênua Chapeuzinho Vermelho, estava indo pra cair nas garras do lobo, fui salva no último minuto por um pedido de outra amiga, a Tatá. Foi o que falei pra Adalgisa: “Sinto não poder ir pra fazenda com você. É que Tatá tá me pedindo pra ficar com seu cãozinho de estimação. Ela vai passar o final de semana na sua terra natal”. Ouvindo a justificativa, Adalgisa comentou, olhando nos meus olhos com olhar pidão: “Que pena! Fica para a próxima”. Desse modo, eu me salvei de um constrangimento, embora tenha saído da brasa pra cair no espeto: o cãozinho de Tatá, um pequinês que atende pelo nome de Totó, é um capeta. Fica focinhando tudo, fazendo xixi em todos os cômodos do apartamento, marcando território, e eu correndo atrás, com balde e esfregão, para enxugar aquela torneira ambulante. À noite, quando o coloco lá na área de serviço, ele fica chorando feito cachorrinho querendo mamar, enquanto arranha a porta. Em situações como essa é que me valho da FV: podia ser pior. Vai que não aparecesse a Tatá com o Totó, e eu aceitasse o convite de Adalgisa. Vai que ela estivesse numa situação de “matar cachorro a grito”, que ela viesse pra cima de mim feito uma cadela zangada, e eu, desatualizada que ando com essa tal de assertividade...
Etelvaldo
Vieira de Melo
DIREITO DE VIVER
HISTÓRIA: UMA SUCESSÃO DE MENTIRAS SUCEDIDAS SUCESSIVAMENTE
Napoleão Bonaparte disse certa vez,
enquanto apertava a barriga por causa de uma gastrite crônica:
- Nada muda mais que o passado.
Como a dor estava insuportável,
acrescentou com cara azeda, depois de tomar um copo de sal de fruta:
- História é um monte de mentiras
juntas. Ou seja, ela não passa de um conjunto de mentiras sobre as quais se
chegou a um acordo.
É com pesar que leio estas frases
de Napoleão, já que abomino a mentira e odeio as pessoas mentirosas. Depois,
vejo que essa história de ficar espalhando fake news não é coisa de agora, já
que remonta aos tempos de nossos primeiros ancestrais, quando a Serpente
induziu Eva comer a maçã, dizendo-lhe que assim ela seria igual a Deus.
Não obstante esses percalços com a
História, procuro, sempre que possível, resgatar a verdade por trás de tudo que
acontece.
Olhando para a História do Brasil,
por exemplo, percebo que o chamado “Grito do Ipiranga”, imortalizado na pintura
de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (um de meus ancestrais) de 1888, está bem
longe do que foi retratado: a comitiva de Dom Pedro I era de, quando muito, 15
pessoas. Depois, ele não estava a cavalo. Para o tipo de trajeto feito, era
costume usar mulas. Quero dizer: vasculhando os anais da História, pode ser que
a gente vai se dar conta de que o Grito da Independência aconteceu em cima de
uma mula. Ou jumento. Ou burro. Ou até de um bardoto. Não que isso possa
alterar alguma coisa dos desdobramentos futuros. Mas poderá resgatar um pouco
da dignidade dessa classe de equídeos tão espezinhada pelas más línguas. Pedro
Américo foi generoso, para não dizer hipócrita, ao fazer aquela pintura de ares
cinematográficos com Dom Pedro erguendo a espada sobre um cavalo garboso (e que
serviu de inspiração para Johnston McCulley, escritor americano, criar em 1919
seu famoso personagem Zorro).
De acordo com outras más línguas,
Dom Pedro estava acometido de uma desinteria quando lhe chegou a carta de José
Bonifácio e dona Leopoldina com a má notícia de que a Corte portuguesa queria
reduzir seus poderes. Segundo essas fontes, o grito do Ipiranga se deu com Dom
Pedro suspendendo a ceroula e ajeitando as calças, enquanto saía de um matinho
próximo ao riacho Ipiranga. Falou:
- Putz grila! Logo agora que estou
com uma bruta dor no duodeno me vem essa notícia desagradável? Que indecência a
abusar de minha sorte!
Já outros registros anotam outra
fala de Dom Pedro: "Para o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar
ao Brasil a liberdade". E gritou: "Independência ou morte".
Pelo que estou vendo, registrar a
História é uma coisa complicada. Por isso fico sem entender aqueles que se
preocupam em deixar um bom nome para as futuras gerações.
Talvez tenha mais razão Molière quando disse:
“Eu prefiro viver dois anos na terra do que mil anos na História”.
Outro problema com a História tem a
ver com o contexto em que os fatos sucederam, pois não dá pra enxergar com os
olhos de agora, por exemplo, algo que aconteceu em 876 dC. Nos tempos medievais,
e ficamos horrorizados ao saber disso, era sinal de santidade uma pessoa viver
infestada de piolhos. Quanto mais piolhos tivesse, mais santa era considerada.
O próprio Napoleão Bonaparte fez uma declaração que ainda não foi bem
compreendida pela posteridade. Ele disse:
- Falo em espanhol com Deus, em
italiano com as mulheres, em francês com os homens, e em alemão com meu cavalo.
Estaria ele desprezando os alemães?
Aparentemente, sim. Mas, se olharmos para o contexto, vamos ver que sua fala
era um elogio aos germânicos, pois não havia, na época, nada mais próximo de
militar do que um cavalo.
Falando em cavalo, a História
registra esta frase atribuída ao General João Figueiredo, nos tempos da
Ditadura Militar, por volta de 1978:
- O cheirinho de cavalo é melhor do
que o do povo.
Como compatrício de João Guimarães
Rosa, também quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa. Pode ser que
essa frase do general tenha sido deturpada. Vamos imaginar que Figueiredo não
soubesse dirigir automóvel. Para justificar sua inabilidade, teria dito:
- Para mim, o cheirinho de cavalo é
melhor do que o de gasolina.
Vai daí que um de seus desafetos ao
ouvir aquilo, tenha espalhado para a imprensa: - Olha, O Figueiredo está
dizendo que prefere cheiro de cavalo a cheiro de gente...
Tem razão Bonaparte: a História é
um conjunto de mentiras. Certamente que este texto que acabo de redigir contém
muita meia verdade. O perigo é eu ter dito exatamente a metade que é mentira.
Etelvaldo Vieira
de Melo
PONDO E TIRANDO MÁSCARAS
Anjo bêbado
de sex vaidade,
deixo-te aqui a
marca do batom
na letra plástica.
Nascem formas tontas
de puro prazer leitural.
Eis o luxo secreto
da graciosa autora sempre
viva,
travestida de papel.
Percebes acaso
o atavio prolixo da
brasileira língua pendendo à intimidade?
Então?
Busco o gosto da melhor
pose para produzir teu gozo,
leitor. Assim, eu te
revelo
pequena janelinha
de rósea carne ou mesmo
provoco
um escândalo de paixão
quixotesca, onde
o grafo se jogue no último
lance dos dados.
Cometo, contigo, a mais
alta infidelidade na ordem textual.
Vê o movimento sensual do
corpus poético:
A Literatura no livro
segue rasurada, mas segue.
Acreditas?
Pura mentira.
Seja, mas pelo menos ela
ativa a circulação da mais sanguínea palavra.
Como?
Sirgo no oco do bloco,
floresta de frágeis espelhos.
Simulo, finalmente,
uma boa transa estilística,
visando facilitar tua
penetração cultural.
Okay?
Graça Rios
TRIBULAÇÃO E TRIUNFO
O tempo não é só de flores. Nem sempre existe o
privilégio de se viver em liberdade e livre de incursões e injunções incômodas.
Principalmente num passado estudantil mais exigente e agressivo, de sofrimentos
e sacrifício. Assim foi nossa iniciação no primeiro e parte do segundo grau de escolaridade. Invejam-nos, hoje, de um lado, as
oportunidades e a educação bem mais liberal oferecida ao estudante. Mas de
outro, louvamos e decantamos a seriedade do ensino daquela época, apesar do
rigor disciplinar. Nossos primeiros anos de estudo foram em parte de alegrias
e, em parte, de tristezas. Estudamos, a princípio, num colégio onde predominava
o rigor e a exigência/intransigência da disciplina moral, cultural e cívica.
Tinha o mérito, e era esta nossa maior alegria, especificamente naquele
ambiente escolar, de oferecer, embora sob pressão, uma base sólida que nos
facilitaria os estudos seguintes, e a condição que nos permitiria galgar, mais
tarde, destacada posição social e profissional.
Conseguimos tornar-nos profissionais qualificados, prestarmos
consultoria especializada a inúmeras instituições públicas e privadas,
ocuparmos cargos de direção ou assessoramento superior, lecionarmos em duas
universidades e em organizações de destaque e, por fim, prestarmos, na área de
desenvolvimento de sistemas informatizados, serviços técnicos de natureza
intelectual. Salta-nos à memória aquela nossa iniciação nos estudos. Lembra-nos
o rigor do internato, a vivência enclausurada, sob um regime disciplinar quase
intolerável, distantes e longe dos familiares. O dia era cheio. Cedo, bem cedo,
a capela ou a educação física. Em seguida o café e daí as aulas. Após, a
refeição, o quimo, salão de estudos, banho, refeição, salão de estudo, capela e
dormitório. A chegada das férias era nossa talvez única e maior alegria. Não
deixou de ser, em nada menos de seis longos e tenebrosos anos, a fonte de nossa
tristeza, num ambiente em que não reinava o respeito à dignidade humana, a
compreensão e a ternura. Apesar da indiscutível qualidade do ensino e da
inexorável experiência obtida, pareciam tempos perdidos de nossa infantilidade
e juventude. O colégio era dirigido por um ex-seminarista do Caraça. Era um
admirável dominador do latim e da história geral e do Brasil. Todos se
encantavam com a sua capacidade didática, incontestável e incomparável, de
contar as histórias do novo e velho mundo, das peripécias do imperador romano
Nero, das conquistas de Alexandre O Grande, e de fazer com que o aluno
entendesse a declinar, conjugar verbos, traduzir fábulas de Esopo e Fedro e
trechos célebres da imortal flor do Lácio.
Contudo, aplicava a disciplina daquele velho e vetusto seminário,
certamente em proporções bem maiores.
Tal a violência e agressividade como aplicava sua disciplina que, na
comunidade, chegou a ser taxado de “a fera da rua larga, o “leão da esquina” e
outros cognomes indesejáveis. Trago na mente o castigo impiedoso e quiçá
desumano aplicado em quem não o respeitasse, desobedecesse, não seguisse suas
ordens ou não se dedicasse seriamente aos estudos. Muito mais sofriam os
internos, o tempo todo sob seu jugo. Embora raramente, não desprezava a
tradicional varinha de marmelo, a palmatória recheada de furinhos e o peso de
dois dicionários Saraiva, conforme a natureza e o porte da infração cometida pelo
interno, em especial o da ala de menores.
Lembra-me quando, encontrando um da ala de maiores a fumar, fez com que
comesse os cigarros. Auxiliava-o o chamado “regente” controlador da disciplina
dos internos. Portava uma cadernetinha onde apontavam as infrações, na base do
que eram chamadas de “cruzinhas de comportamento e de aplicação nos estudos”.
Se o interno tivesse na semana três ou mais cruzinhas no comportamento ou na aplicação
ficaria preso no domingo de folga e não podia sair nem mesmo para visitar os
parentes e amigos. O exército nos levou para outros páramos, onde, como
externos, vivendo em repúblicas, passamos a uma forma diferente de sacrifício e
de vida. Uma juventude marcada, então, pela instrução militar em Tiro de
Guerra, onde cedo era a instrução, de onde seguia o nosso trabalho numa
indústria e, à noite, o colégio. Ainda costumávamos lavar e engomar, no tardar
da noite, a farda enlameada de algum rastejo para ao dia seguinte. Velhos
tempos! Talvez um bom exemplo para o que
vem fácil. Afinal, tem mais valor o que custa boa dose de sofrimento e sacrifício.
Sebastião Rios Júnior
CALHAUS BLOGUÉTICOS (VOLUME 2)
(Leitura Livre De Uma Notícia De
Jornal)
EXTRA
(01/11/2021)
Homem pula em lago para fugir de abelhas e morre atacado por piranhas, em MG
Andava o homem por uma trilha
no mato quando, distraído, esbarrou numa caixa de marimbondos. Estes, ao se
sentirem ameaçados, voaram em perseguição ao moço que saiu em desenfreada carreira. Como último recurso, lançou-se numa lagoa à frente. Como não sabia nadar,
acabou morrendo afogado. Antes de morrer, ainda sendo atacado por ferozes
piranhas que habitavam o local, pensou: “Bem feito para mim que não soube medir
as consequências das minhas decisões”.
Moral: Assim agem as pessoas descuidadas que, ao fugirem de um problema, acabam sendo vítimas de outro ainda pior.
POEMINHA
Etelvaldo Vieira de Melo
NUMA SOMBRA OUTRORA SEM FLORES
Segue-me: Há uma Tília cordata,
árvore aromática, no meio do caminho. Bem feita de corpo, possui tronco teúdo bojudos
seios. Um vento cheiroso desvia-lhe as folhas amarelas até este limbo dourado. Conheço
a força mágica da Natureza.
Possuo rosto moreno-pérola, grandes olhos
dulcorosos, fronte emoldurada por cabelos escuros. Meu nome, queres saber? Lediça. Talvez o creias, Companheiro, apenas prenome absolutamente
escorregadio, deslizante Bispo movendo-se por todas as casas do tabuleiro.
Talvez lhe alteies acepção gozosa,
elisão entre dois termos frutuosos por absurda associação sensual. Discuto
contigo? Pois não. Talvez o releias como salto inesperado de Rei capturado.
Algo assim, tapando a tua peneira,
ó, leitor-sol. Perguntas-te, ainda, absorto em elucubrações:
- Essa linguagem figurada existe? Resvalaria,
feminina, no espaço repleto de furos, brechas, renda em arabescos? Poderia amordaçá-la,
utilizando minhas práxis peças?
Ah, ah, brinca a Pitonisa. Pensando
bem, já estás movido para casa adjacente:
- Lediça significaria Sacerdotisa. Oráculo
que adivinha na leitura dos astros, dos vegetais, das vísceras dos animais
mortos, o destino das pessoas. Prendo-a na armadilha dos braços e pernas.
Antes que me desenhes estilo adversária, sobidesce descissobe preta/branca na entretela, retornemos ao princípio não-dito. Descrevo-me, ante teus horizontais olhos, bem talhada, louvada pelos povos da aldeia. Quando era virgem, fui ao campo cortar flores. E daí? Daí, um moço de teu igual talhe e, quiçá, de mesmo intuito diagonal, notou-me perfumada entre amadas margaridas, descalças azaleias, plenas centáureas. Encorajado Rei, extraiu do peito couraça, arco, aljava. Aproximou-se um tanto violento.
- Sentemo-nos, ninfa alvissareira (mente
babilônica). Gostarias de jogar comigo o Xadrez erótico, antigamente sagrado,
sob o olhar do cervo, ali, também cheio das sábias habilidades? Faço de ti mor mulher
com arte e engenho na Torre movimento de roque defensiva (amostrando mãos em
cima da Torre erguida, basta florada).
Espio o estranho expiando-me lunar.
Ei-lo, tremendo vivo real num sonho em que tento apanhar alguma coisa indizível.
Ou seja, A Coisa. O fim da Partida. Viso ao inexplicável inexorável porvir
vindo de surpresa do tempo passado. Milênios alinhada ao chão, deitada à espera
dele, entoo - pra me bendizer - a Cantiga que a Gente Canta. Depois, Os Amores
que a Gente Quer.
Difícil entenderes, ledor racional
e incrédulo parceiro, nossa situação desarrazoada, vice-versa em ziguezague.
Digamos, caro amigo: Trata-se do não-lugar da presente narrativa. Melhor, representá-lo-ei
vazio lume vago. Entende-me vertical:
- Concebes porventura aquele buraco
fundo onde todas as palavras serão logo enterradas por mim, mulher prolixa em lendas
ao pé da fonte ou na ribeira? Sim? Mais ou menos isso. Súbito, o ignoto astronauta
agarra-me a cintura. Despe-me a camisa. Expulsa-me da roupa branca. Solta-me, andando
o Peão, a vasta cabeleira. E eu, segurando-lhe firme a expandida famosa Torre,
creio no ritual da antiquíssima Tília, durante o Culto à Fecundidade. Ulalá! Curvo-me,
sempre ávida do desconhecido, durante a posse nua de obstáculos. Dama valiosa, ardo
em febre possuindo o cru Cavalo, largado sumo entregue num rosal granado. Frouxa
da voluptuosa ânsia, irei dizer à mãe e ao pai:
- Da gleba vencedora, voo vou varrer vossa casa e lavar vossa ceroula.
Abandonados na relva amarfanhada,
jazem harpa, saltério, lira. Xeque-mate.
Graça Rios