MENSAGEM NATALINA





CEIA DE NATAL


 

          A panela ferve  salsas e cebolas.

           Rainha de Copas milmata-me

                  os olhos vermelhos,

  sonhando com este alvo pelo preso ao pescoço.

       Entoando vassoura, limpa-me Carollina

                       o último lírico cocô.

      Trágico destino o de bichos condenados!

                 Gato-maravilha se anuncia

                      jantar nietzschiano:

                  - O Coelho está morto! 

            - Branco, Amarelo ou o Cinza?

                        Alice ri da tolice:

               - País dos Pathos & Pratos!

         Arganaz, El Matador, já bem comido,

                    beberica, livre, licores.

        Afinado, Chapeleiro Louco executa

                     ao pistom afiado

            o 'Réquiem de Mim menor'.

 

                                                      Grios

DANDO ASAS PARA A COBRA


Era uma vez quatro amigos. Três deles haviam se tornado eruditos, tanto tinham estudado; o quarto não gostava de estudo, era tido pelos demais como bocó, mas dispunha de bom senso, coisa que os outros não tinham.

Andavam, certo dia, pela floresta, quando avistaram os restos mortais de um leão. Um dos eruditos, o mais velho, disse:

- Vamos testar nossos conhecimentos, trazendo esta criatura de volta à vida. Sou capaz de unir os ossos e reconstituir de novo seu esqueleto.

E assim ele fez com perfeição.

O segundo, mostrando aptidões invulgares, acrescentou carne, couro e sangue ao animal.

Quando o terceiro erudito ia insuflar-lhe o sopro da vida, o bocó o interrompeu, dizendo:

- Tenham cuidado, amigos, pois estão fazendo um leão e, se tudo der certo, ele pode comer a gente.

No entanto, ninguém levou a sério sua ponderação. O insuflador chegou a falar, indignado:

- Como se atreve a questionar meu saber, seu bocó?

- Está bem – falou este. – Mas, então, espere um pouco para que eu suba nesta árvore.

Assim, o leão reviveu e, no mesmo instante, atacou e matou seus criadores. Só mais tarde, o bocó desceu da árvore e, guiado pelo seu bom senso, tomou o rumo de casa.

Leitura: Esta fábula vem mostrar que sabedoria não se confunde com erudição: muitos bocós podem ser sábios, enquanto muitos eruditos não passam de ignorantes.

A fábula faz lembrar também o que aconteceu em país distante.

Aproximava-se a época da eleição. Preocupados com o que poderia acontecer, um banqueiro, um dono de TV, um deputado, um pastor evangélico, um general, um juiz e um cidadão comum reuniram-se numa padaria da cidade. Enquanto lanchavam (comendo pastéis e tomando Q-Suco), discutiram acaloradamente, buscando uma alternativa para que determinado candidato, conhecido como “Sapo Barbudo", não viesse a ser eleito presidente.

O banqueiro falou: - Meus lucros têm caído assustadoramente. Ano passado, eles ficaram em míseros 700%. Por isso, estou disposto em emprestar algum para tirar essa ameaça do caminho.

O deputado disse: - O Congresso vai fazer o que for possível para impedir a eleição do Sapo. Sugiro a gente apostar as fichas no candidato Jaboró, ele que fala muita besteira, mas que pode ser controlado.

O general falou: - Vou soltar uma nota dizendo que, se o Barbudo for eleito, não sei não...

- Boa! – falou o pastor. – De minha parte, vou propagar nas igrejas que Jaboró é o Messias e o Barbudo é enviado do Capeta.

O juiz falou em falsete, em tom parecido com o de marreco: - Vou encomendar umas delações e botar o "Big Mac", na cadeia, tornando-o inelegível. Depois, vou me aproximar do tal Jaboró e negociar um cargo no governo. Sendo ele muito bronco, quem vai mandar vai ser eu mesmo.

O dono de TV disse: - Vou dar toda cobertura pra você, mostrando no jornal das oito que o governo do Barbudo é um cano de esgoto.

O cidadão comum não disse nada, mesmo porque era tido como bocó. Mas ele tinha bom senso, sabia que Jaboró não era flor que se cheire, que seus colegas estavam dando asas para uma cobra.  Por isso, pensou: - Estamos fudidos!

Etelvaldo Vieira de Melo


PAIS E FILHOS BONS OU MAUS

 

Filhos se tornam pais, assim como pais o foram no passado. Algum dia uns herdarão os mesmos sentimentos dos outros. Estes viverão hoje as mesmas alegrias e tristezas que lhes proporcionaram aqueles. Alegrias representadas pelo amor, dedicação e felicidade. Virtudes alimentadas pela educação, regras de convivência, saudável ambiente familiar e condições ideais de vida. Tristezas pela inconsciência, inconstância e desprezo ao sentido da vida. Houve tempos em que imperavam os princípios que exornam a personalidade. Seriedade e honestidade. Apego familiar. Amor ao próximo. Auxílio aos desamparados. Respeito aos pais. Temor a Deus. Dignidade humana, enfim. Infelizmente, os tempos mudaram. Há quem admita que para melhor. Um progresso constante. Conceitos evoluídos. Avanço da ciência e da tecnologia. Melhores condições de vida. Mas, neste contexto, imperam os que pensam o contrário. Os mais realistas. Infelizmente, em muitas situações e ocasiões o que se observa é, realmente, falta de responsabilidade e, de sensibilidade, seriedade, apreço, abnegação, respeito e consideração. E, em se tratando de filhos, a tristeza ou infelicidade costuma se sobrepor à alegria que deveria ser uma dádiva constante dos pais. Há filho que perde a consciência do mal causado. Vangloria-se de suas atitudes. Considera ultrapassados os princípios conservadores. Critica os pais e o semelhante. Não se dá ao respeito. Depaupera-se. Uma criatura que pode ter cultura, mas desprovido da pureza da educação. Enquanto se sente satisfeito assim agindo, causa a infelicidade de outrem. Uma lástima para os pais e, porque não dizer, para a sociedade. Felizes os pais, cujos filhos os enchem de encantamento e que, pelas suas qualidades intrínsecas e nobreza de caráter, conduta ilibada e irreparável, despertam para um futuro próspero e proeminente. Um sonho que se torna realidade. Abençoados serão. Ao contrário, ai dos filhos que desagradam os pais e semelhantes com sua conduta indesejável. Jamais serão decantados e admirados por seus feitos. O desprezo e o descaso podem ser o que os espera. O seu destino. Tomara que não. Exaltados serão, no entanto, os que, em tempo, conseguem se redimir e reverter essa situação. A verdade é que existe um outro ângulo a ser considerado. Os filhos, não raro, costumam seguir o exemplo dos pais, até mesmo profissionalmente. Tudo girando em torno e em função dos pais. É preciso, então, que, reconhecidos da inconveniência de seus hábitos, cuidem em que se tornem pais exemplares, dignos de serem seguidos. O orgulho de seus próprios filhos. Assim seja!

Sebastião Rios Júnior


RIPA NA CHULIPA!


O presente texto não quer mandar ninguém dar porretada (ripa) em gente preguiçosa (chulipa). Ele quer tão somente mostrar a beleza, a profundidade e o toque sutil de comentários aparentemente simples de jogadores e dirigentes de futebol, esse esporte apaixonante, motivo de alegria e felicidade para bilhões de brasileiros. (A propósito do título “Ripa na Chulipa”, trata-se de um jargão popularizado pelo narrador futebolístico Osmar Santos, que o usava quando jogadores se preparavam para chutar um pênalti ou uma falta durante a partida. “Ripa na chulipa” seria um grito de força e determinação ao jogador. Outra expressão que o “Pai da Matéria”, o Osmar, usava era “pimba na gorduchinha”, representando o acerto do chute na bola, que era apelidada de “gorduchinha”.) Vamos a eles, os comentários.

De Zanata, ex-lateral do Fluminense: “Na Bahia, é todo mundo muito simpático. É um povo muito hospitalar”.

Esta citação revela, primeiro, um valioso informe para aqueles que nunca conheceram ou venham a conhecer pessoalmente aquele estado brasileiro. Depois, derruba o estigma de uma palavra que, normalmente, provoca arrepios. As cidades, em geral, possuem regiões hospitalares; agora, passam a ser chamadas “regiões hospitaleiras”. O povo, antes hospitaleiro, agora é hospitalar.

De João Pinto, jogador do Benfica de Portugal: “O meu clube estava à beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo à frente...”.   (É dele também a frase: “Não foi nada de especial, chutei com o pé que estava mais à mão”.)

A frase pede uma distinção entre o que é correto e o que é certo. É certo, estando à beira do precipício, dar um passo à frente? Isso faz lembrar muitas decisões do Judiciário aqui no Brasil: são corretas, porque amparadas na Lei, mas seriam certas? O certo está no plano da Ética, enquanto o correto é formalidade; um é questão da Lógica, enquanto o outro é problema moral.

De Jardel, ex-jogador do Grêmio: “Quando o jogo está a mil, minha naftalina sobe”. (Também disse: “Clássico é clássico, e vice-versa”.)

Simplesmente bonito demais, quando uma pessoa está tomada por fortes emoções, não conseguindo traduzir por palavras adequadas tudo o que sente. É igual um adolescente tomado pela paixão, tentando encontrar palavras para traduzir tudo aquilo que pesa em seu peito. Dizer “Eu te amo?” Isso é tão pouco para o que está sentindo... Em momentos de fortes emoções, a gente confunde as coisas e acaba até colocando adrenalina no armário, enquanto é tomado pela naftalina...

De Dunga, ex-técnico da Seleção: “As pessoas querem que o Brasil vença e ganhe”.

Dizem que o futebol é o esporte em que nem sempre vence o melhor. Daí, uma das razões do fascínio que exerce sobre as pessoas: é onde David pode derrotar Golias, o pequeno derrubar o grande, o pobre esmagar o rico. Entretanto, quando joga a Seleção, é preciso vencer e ganhar, isto é, vencer e convencer. Essa visão romântica tende a virar poeira da história, nas lembranças de um Telê Santana, de um João Saldanha. O futebol deixa de ser poesia, perde seu lirismo, para se tornar algo robotizado e mecânico. A fala de Dunga parece lembrar essa nova geração. 

De Vladimir, ex-Corinthians: “Eu disconcordo com o que você disse”.

Quando você discorda de alguém, está se colocando em posição contrária, apelativa, como se estivesse disposto a uma briga. Isso não fazia parte da índole, da natureza do brasileiro até pouco tempo atrás (quando surgiram as redes sociais). A nossa história não é construída com armas, de lutas, de guerras, mas de acordos, sobre e debaixo de panos, com conchavos e tapinhas nas costas. Este era (até surgirem as redes sociais) um país onde tudo se ajeitava, era o país do jeitinho (agora, virou o país da mentira institucionalizada). Se discordar é ir para o outro lado da rua, disconcordar é - com mil pedidos de desculpas - quase que ficar ao lado.

De Dario, ex-jogador do Clube Atlético Mineiro: “Não venham com a problemática, que eu tenho a solucionática”.

Está aí uma citação que torna o rugido de leão um miado de gato. Ou seja, algo que poderia nos causar muita preocupação e ansiedade não passa de algo banal e insignificante. Problemas, onde? Que bobagem! Isso não passa de uma problemática, para a qual eu tenho a solucionática! E tem mais: “o amor é lindo!”

De Vicente Matheus, ex-presidente do Corinthians: “O difícil, como vocês sabem, não é fácil”. (Autor também das frases: “O Sócrates é invendável, inegociável e imprestável”; “Jogador tem que ser completo como o pato, que é um bicho aquático e gramático).

Não, as pessoas nem sempre sabem que o difícil não é fácil. Dizendo: “como vocês sabem”, Matheus está convidando para que façamos um discernimento entre o que é fácil e o que é difícil. Se o difícil fosse fácil, ele não seria difícil; sendo difícil, ele não pode ser fácil. O problema da vida humana é que muitos tomam o fácil como difícil, tornando difícil aquilo que é fácil; de outro modo, outros acreditam que o difícil é fácil, facilitando aquilo que, por natureza, não é fácil, mas difícil. Uma frase, aparentemente simples, esconde toda a complexidade de ser e de não ser.

Falando em complexidade, vamos terminar lembrando uma frase de Don Shula, tirada das lidas com o futebol: O sucesso não é para sempre e o fracasso não é fatal”. Assim é a vida, as conquistas passam e a derrota sempre aponta a possibilidade de um recomeço.

Etelvaldo Vieira de Melo

SOB AREIAS PESADAS

 


Deixa-me inflamada

excitada descarada,

como se tirasses o véu da mulher mundana.

Oferta-me uma cor nova

de falso brilho: lantejoila ouropel farfalho de tafetá ou seda indiana.

Acrescenta-me alguma variante justaposta

pele a pele.

Cinge minha cintura com todos os nós

do real banal.

Penetra-me experiente em camas box de luxe,

onde meus olhinhos

pisquem pisquem pequem exaustos

de prazer.

Aprofunda-te bem aí

nas raízes passadas.

Por efeito, eu ouso

por ébrias injunções

frequentar segredos

dessa nossa ausência tentadora, catando

antiguidades do futuro.

Ai!

GRios

SOBREVIVER OU VIVER CRESCENDO


Viver é flores ser. Só lícito ser é encher-se de virtudes. Florescer é crescer espiritualmente e preservar a dignidade humana. Ser lícito é dispor na vida de uma conduta ilibada, marcante. E a palavra significa cumprir o sagrado dever de amar o próximo. Ter mão a se estender e afagar. Afagar na provação do outro. Estender-se com senso afetivo. Qualidades exornam a personalidade. Infelizmente, escoam-se no tempo. Quiséramos feliz voltasse a confraternização, o preocupar-se com o semelhante, a união entre pessoas.

Lembramo-nos da Copa do Mundo aos 1950. Lá pelas nossas bandas, raro indivíduo dispunha do rádio. Solidários, todos os aficionados do futebol se irmanavam e lotavam a casa dos afortunados, a fim de assistir à partida decisiva. Assim, aquela decepcionante derrota para o Uruguai passou sem constrangimento. Converteu-se, ao final, em sentimento e consolo mútuo.

Anjos da guarda desciam na época, surpreendentes, inesperados.  Milagres aconteciam. O ensino nas cidades menores limitava-se ao Grupo Escolar. Internação em colégios de cidades maiores constituía privilégio dos abastados. Porém, na santa humildade do lar modesto, o querubim encontrou fórmula de custear nossos estudos. Educação e respeito buscavam-se a todo custo. Hoje, nada concerne ao amigo, além do jogo de interesse. Onde “Amicus certus in re incerta cernitur”?

Antigos guardiães quase não se manifestam. Mudaram-se em ideias conservadoras. O ambiente dominante não os acolhe. Poder, egocentrismo, ambição, turvam as cabeças. Grassam fome e miséria nas classes desamparadas. Perderam-se, em grande estilo, a lealdade, a honestidade, a gratidão. Sorte mesmo, apenas para o meliante inescrupuloso.

Talvez frutos do crescimento, do avanço científico e tecnológico, romperam-se a tradição, a dignidade plural, as condições existenciais. Devido ao avanço progressivo e destrutivo, contemplamos sozinho o passado. Havia um enorme equipamento, também chamado holerite, gerador da folha de pagamento do servidor federal. Ocupava o saguão do velho prédio do Tesouro Nacional na Avenida Afonso Pena.

Após, víamos chegar gigantescos computadores. Ocupavam o espaço físico: seletora e leitora de cartões perfurados, gravações de fita em roldanas giratórias, processadores em paredes inteiras, periféricos. Ao contrário dos pequenos módulos atuais, acionados por minúsculos chips, toda a parafernália prosseguia alimentada com planilhas elaboradas pelos usuários.  Obrigados, inseriam nas quadrículas as letras das palavras.

Informações processavam-se em formulários contínuos, submetidos à consistência dos dados. Ah, sim, e também ficavam a cargo dos referidos! Diríamos: consistência da consistência.  Se correta, costumava gerar, na avaliação, outra pior. Esse fato ocorria sucessivamente. Sonhávamos com os acertos on-line hodiernos.Lembramo-nos, assustado. Súbito, a seletora e perfuradora de cartões cospe fora, como vento uivante, um bloco que se espalha pelo chão. Deus nos acuda para voltarmos tranquilo ao “statu quo ante”! Agonia, desespero e suor gastamos, embora significantes. Salta-nos à memória, o telefone de boca dos idos 1950, naquela caixa pendurada sobre a parede. Ocorre-nos, pensativo, o telégrafo Morse, amparado pelo rádio, nossa diversão, labor, tristeza. Sendo meios de comunicação sempre utilizáveis, custavam excesso de luta para campeadores.

A pé, mato a dentro, eles acompanhavam e reparavam linhas telefônicas, fiação, postes caídos, aceiros inibidores de incêndios. Vieram, mais tarde, então, o telefone sem fio, os pequenos computadores, a TV em preto e branco e, posteriormente, a colorida. Assistimos à Copa do Mundo/70 numa TV de dois pavimentos, a cores. Glória e festa!

A princípio, era penoso e oneroso possuí-los. Agora, celulares circulam lá e cá. Recebemos insistentes convites para assinatura de telefones fixos, motos, carros de custo a longo prazo, computadores a preços convidativos. Enfim, acha-se o Universo à disposição, aliviando esforço, aumentando saber.

Entretanto, a Ciência, ai! A Ciência alia-se à tecnologia. Supera-nos expectativas, desenvolve-se em todos os setores. Por que, dessa maneira, poderá desencadear crise organizacional capaz de comprometer o destino planetário? Dispensamo-nos comentário acerca da possível gravidade. Queira Deus despertemos antes de qualquer tragédia iminente.

Sebastião Rios Júnior

UM PEQUENO DILEMA

 


Loprefâncio Caparros, como quase todo brasileiro, já foi apaixonado por futebol. Ainda criança, na década de 50, começou a torcer pelo Flamengo. Até hoje tem lembrança da formação do time:

- Chamorro, Servílio e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordão; Joel, Duca, Evaristo, Dida e Zagalo.

Depois, quando viu que era mineiro, passou a torcer pelo Cruzeiro. Na década de 60, acompanhou o despontar de jogadores que iriam lhe proporcionar as maiores emoções como torcedor:

- Raul, Pedro Paulo, William, Procópio e Neco; Piaza e Dirceu Lopes; Natal, Tostão, Evaldo e Hilton de Oliveira.

O tempo foi passando, o Cruzeiro conquistou inúmeros títulos e o futebol começou a perder a graça, com os dirigentes roubando horrores, os jogadores se vendendo a peso de ouro, radialistas usando do esporte para conquistar cargos políticos.

Foi quando o Cruzeiro começou a construir sua derrocada. Em 2019, caiu para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Em 2021, não conseguiu retomar para a primeira Divisão, ainda afundado em dívidas praticamente impagáveis.

Hoje, Loprefâncio pensa igual o Roberto Carlos, quando diz: “De hoje em diante vou modificar o meu modo de vida, só vou gostar de quem gosta de mim”. Sentindo que o Cruzeiro não gosta mais dele, pensou: “A fila anda. Vou torcer para outro esporte”.  E passou a acompanhar os jogos de vôlei feminino.

No entanto, no dia 27 de novembro de 2021, não resistiu à curiosidade e foi assistir (pela TV, naturalmente) à decisão da Copa Libertadores entre Flamengo e Palmeiras. O Flamengo era o seu primeiro time do coração, e uma música diz que “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”. Já o Palmeiras foi conhecido como Palestra Itália, tendo sido formado pela colônia italiana de São Paulo, fato similar ao que aconteceu em Belo Horizonte com o Cruzeiro, que no início era também Palestra.

O dilema era aparente, de fácil solução: entre um e outro, melhor seria torcer por nenhum. Mas Loprefâncio viu pela TV a figura de Renato Gaúcho, personagem por quem nutre a maior antipatia (por Renato ser um boslsonarista declarado). Decidiu: vou torcer pelo Palmeiras.

A certa altura (do jogo), entra no time do Palmeiras um jogador bolsonarista tão nauseabundo quanto o Renato: Felipe Melo. Aí, Leoprefâncio pensou: “- Vou torcer pelo Flamengo”. Mas, então, ele notou na camisa do time do Flamengo uma logomarca da “Havan”, uma empresa nojentamente bolsonarista. Então, Loprefâncio ficou sem saber o que pensar. Mas aí o jogo acabou, com a vitória do Palmeiras por 2 X 1, deixando nosso amigo razoavelmente satisfeito.

Quem não deve ter gostado nada foi JB, conhecido como Boslsonaro. Em um desses sítios de notícias, Loprefâncio viu uma foto do cujo, ladeado de militares, puxando saco uns dos outros, diante de uma tela de TV. A manchete da notícia dizia: “O palmeirense Bolsonaro decide torcer pelo Flamengo”.

“Vai ser ‘pé frio’ assim lá em Dubai dos Emirados Árabes!”, pensou Loprefâncio, sorrindo discretamente.

Nota: Segundo notas de jornais, Felipe Melo está sendo sondado para defender o Cruzeiro em 2022. Caso isso aconteça, vai ser a pá de cal para enterrar de vez a vida de torcedor de Loprefâncio.

Outra coisa: Renato Gaúcho, Felipe Melo, “Véio da Havan” e Bolsonaro certamente não estão nem aí pra Loprefâncio Caparros. Caso estivessem, por uma questão de justiça, teriam todo o direito de ficarem indignados e tomados de nojo para com nosso pobre amigo.

Etelvaldo Vieira de Melo

POR ESTANCAR A FEMEAL SANGRIA




Rastros emergem do embaralhamento Rei de Espadas / Rainha de Copas.

Blefe e burla, quatro naipes A J Q K formam imagens num painel iluminado de néon. Quanto ao lance ennui do crupiê, ei-lo pálido, às vezes; outras, rubro à luz de spots. Mesura, estratégia, voz em off na terceira posição: Parceiro, saiu o Ás de Ouro para a incógnita loura donzela. Atenção! Assentada no sexto lugar, ela fera se faz esconderijo. Átimo, às ocultas, a wildcard passeia-lhe por baixo da anterior quinta saia.’

Arreliada, a infratora conta cuidados: manteve sempre o olhar voltado para si mesma ao natural ou à selvagem. A seguir, narra sua história de amor fogoso com o Valete, quando lhe sacou encantos sígnicos. Meio terapêutica meio glissante meio hipócrita bruxa, confessa: ‘Tomei deveras parte com o diacho na minha última jogada. A dama de paus nos estava roubando.

             Graça Rios

PODIA ATÉ SER PIOR

Quando algo dá errado pras minhas bandas, costumo pensar: “Console, Marisquinha, podia ser pior”. A essa maneira de pensar eu chamo de Filosofia de Vida. A FV tem me valido em muitas situações, fazendo com que eu chegasse até aqui sem muitos arranhões ou machucados. Ela é assim como as ferramentas de uma oficina ou as muitas coisas que carrego na minha bolsa. Não sei por que os homens implicam tanto com as bolsas femininas. Com suas calças, camisas e paletós, podem eles dispor de, no mínimo, sete bolsos. Alguns ainda acham pouco: chegam a fazer uso das cuecas para transportar outros bens, além das pingolinhas. Mas nós mulheres só dispomos de um só bolso, que é a nossa bolsa. Na minha eu carrego de tudo um pouco. Tem até agulha e linha, para o caso do vestido rasgar ou a alça do sutiã se soltar. Como diz o ditado, “seguro morreu de velho”. Agora, apesar de todo cuidado, chego a experimentar situações constrangedoras. Minha amiga Adalgisa havia me convidado para passar o final de semana na sua fazenda. Seria ótimo, se eu não andasse com uma desconfiança danada dela. Da última e única vez em que lá estive, quando saía do banho enrolada numa toalha, ela veio com essa conversa assanhada: “Marisquinha Grabulosa, tira logo esta toalha pra eu te dar uns amassos”. Então, eu falei: “Cruz credo, sai pra lá, sapatão! O que eu gosto mesmo é de homem, homem com agá e, de preferência, maiúsculo”. Agora, ela está me convidando novamente. Parece até que se esqueceu do esfrega que lhe dei.  O meu problema é que, apesar das centenas de anos de terapia, ainda não aprendi a ser totalmente assertiva. Quando, tal como a ingênua Chapeuzinho Vermelho, estava indo pra cair nas garras do lobo, fui salva no último minuto por um pedido de outra amiga, a Tatá. Foi o que falei pra Adalgisa: “Sinto não poder ir pra fazenda com você. É que Tatá tá me pedindo pra ficar com seu cãozinho de estimação. Ela vai passar o final de semana na sua terra natal”. Ouvindo a justificativa, Adalgisa comentou, olhando nos meus olhos com olhar pidão: “Que pena! Fica para a próxima”. Desse modo, eu me salvei de um constrangimento, embora tenha saído da brasa pra cair no espeto: o cãozinho de Tatá, um pequinês que atende pelo nome de Totó, é um capeta. Fica focinhando tudo, fazendo xixi em todos os cômodos do apartamento, marcando território, e eu correndo atrás, com balde e esfregão, para enxugar aquela torneira ambulante. À noite, quando o coloco lá na área de serviço, ele fica chorando feito cachorrinho querendo mamar, enquanto arranha a porta. Em situações como essa é que me valho da FV: podia ser pior. Vai que não aparecesse a Tatá com o Totó, e eu aceitasse o convite de Adalgisa. Vai que ela estivesse numa situação de “matar cachorro a grito”, que ela viesse pra cima de mim feito uma cadela zangada, e eu, desatualizada que ando com essa tal de assertividade...

Etelvaldo Vieira de Melo

DIREITO DE VIVER

Depositophotos

 
"Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil". Tema excitante da redação de 2021 do ENEM, digno de reflexão. Desperta a consciência humana, tantos são os vivos que não existem formalmente. Sem condição de vida, sem direito de viver. Uma realidade incontestável e um quadro lamentável, decepcionante e desesperador. Famílias desordenadas, pais negligentes e desnaturados, filhos sem pais, desgarrados, soltos e perdidos no mundo, mães inconsequentes lançando, no mundo, filhos carentes de amor e futuro. Um incremento à fome e à miséria. Problema social, naturalmente. Culpados, o país e a sociedade. Uma política voltada para o poder e a ambição, protetora dos que mais lhe interessam. O retrato de um país de desigualdades várias, com uma expressiva camada de megalomaníacos, párias que não se importam, prezam e valorizam a vida do semelhante em condições sub-humanas. Falta de humanidade, isso significa, enfim. Trata-se de um ambiente em que prosperam os conceitos ideológicos enganosos e inconvenientes ao grupo superior. Sucede que, nesse contexto, interessam ser preservados, distanciados da educação isenta, saúde e segurança do povo. Há, talvez, interesse para que não sejam asseguradas essas condições de vida. A inexistência formal dos vivos então se justifica. Nasce um composto de deficiência educativa com falta de assistência geral. E os vivos-mortos penam por tais despropósitos. Como adquirir direitos de cidadania se nem sabem de onde vieram e quais são seus pais? Transitam numa situação desesperadora que pode levá-los a uma medida extrema. Sem os direitos de cidadania, na luta pela sobrevivência e sem ter como conquistar o pão de cada dia, podem apelar para a criminalidade. Quando muito, apesar de sua santa ignorância, conseguem encontrar uma entidade assistencial dentre as escassas ou algum meio assistencial em sua agonia ou desgraça. Queira Deus se apeguem ao lado religioso! Pode a escolha, pelo menos, ser o lenitivo para suas dores. Conforme o aspecto dessas criaturas informais, há formais que podem estar em igualdade de condições. Sobretudo, os que sustentam uma prole e estão desempregados há longo tempo. Podem, também, desesperar-se e praticar atos que comprometam sua conduta e idoneidade. Alto tem sido o índice de desemprego no país. O fato acontece em função do desenvolvimento socioeconômico. Na sua falta, deficiência ou escassez, crescem desguarnecidos dos meios de sustentação sobre uma evidente e autêntica crise popular. Infelizmente, fica prejudicado o desenvolvimento, se a base educativa nacional for deficiente e os meios de comunicação tendenciosos. A condução dos destinos de uma nação depende, substancialmente, de capacitação, conhecimento da realidade presente. Desconhecem-se ações empreendedoras austeras, sob gastos comedidos e projetos viáveis indispensáveis.  Falta-lhe consciência política voltada para o precípuo interesse da coletividade. Nesse sentido, caso a população não reconheça sua necessidade maior; não observa esses princípios ao escolher dignos representantes, torna-se a verdadeira responsável por toda e qualquer situação degradante existente. Urge uma consciência pública e humanitária versada no interesse comum e coletivo. Por outro lado, é preciso que a mídia e a escola procurem se inteirar plenamente da situação caótica do país. Cabe-lhes propagar os princípios norteadores do seu destino, a fim de prosperar uma consciência democrática unânime e equitativa. Interesses contrários ao bem comum devem ser relegados. O futuro da humanidade depende das atuais ações empreendedoras. Cada país tem um grau de sensatez e sua cota de participação.
Sebastião Rios Júnior

HISTÓRIA: UMA SUCESSÃO DE MENTIRAS SUCEDIDAS SUCESSIVAMENTE

 

Napoleão Bonaparte disse certa vez, enquanto apertava a barriga por causa de uma gastrite crônica:

- Nada muda mais que o passado.

Como a dor estava insuportável, acrescentou com cara azeda, depois de tomar um copo de sal de fruta:

- História é um monte de mentiras juntas. Ou seja, ela não passa de um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.

É com pesar que leio estas frases de Napoleão, já que abomino a mentira e odeio as pessoas mentirosas. Depois, vejo que essa história de ficar espalhando fake news não é coisa de agora, já que remonta aos tempos de nossos primeiros ancestrais, quando a Serpente induziu Eva comer a maçã, dizendo-lhe que assim ela seria igual a Deus.

Não obstante esses percalços com a História, procuro, sempre que possível, resgatar a verdade por trás de tudo que acontece.

Olhando para a História do Brasil, por exemplo, percebo que o chamado “Grito do Ipiranga”, imortalizado na pintura de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (um de meus ancestrais) de 1888, está bem longe do que foi retratado: a comitiva de Dom Pedro I era de, quando muito, 15 pessoas. Depois, ele não estava a cavalo. Para o tipo de trajeto feito, era costume usar mulas. Quero dizer: vasculhando os anais da História, pode ser que a gente vai se dar conta de que o Grito da Independência aconteceu em cima de uma mula. Ou jumento. Ou burro. Ou até de um bardoto. Não que isso possa alterar alguma coisa dos desdobramentos futuros. Mas poderá resgatar um pouco da dignidade dessa classe de equídeos tão espezinhada pelas más línguas. Pedro Américo foi generoso, para não dizer hipócrita, ao fazer aquela pintura de ares cinematográficos com Dom Pedro erguendo a espada sobre um cavalo garboso (e que serviu de inspiração para Johnston McCulley, escritor americano, criar em 1919 seu famoso personagem Zorro).

De acordo com outras más línguas, Dom Pedro estava acometido de uma desinteria quando lhe chegou a carta de José Bonifácio e dona Leopoldina com a má notícia de que a Corte portuguesa queria reduzir seus poderes. Segundo essas fontes, o grito do Ipiranga se deu com Dom Pedro suspendendo a ceroula e ajeitando as calças, enquanto saía de um matinho próximo ao riacho Ipiranga. Falou:

- Putz grila! Logo agora que estou com uma bruta dor no duodeno me vem essa notícia desagradável? Que indecência a abusar de minha sorte!

Já outros registros anotam outra fala de Dom Pedro: "Para o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar ao Brasil a liberdade". E gritou: "Independência ou morte".

Pelo que estou vendo, registrar a História é uma coisa complicada. Por isso fico sem entender aqueles que se preocupam em deixar um bom nome para as futuras gerações.

 Talvez tenha mais razão Molière quando disse: “Eu prefiro viver dois anos na terra do que mil anos na História”.

Outro problema com a História tem a ver com o contexto em que os fatos sucederam, pois não dá pra enxergar com os olhos de agora, por exemplo, algo que aconteceu em 876 dC. Nos tempos medievais, e ficamos horrorizados ao saber disso, era sinal de santidade uma pessoa viver infestada de piolhos. Quanto mais piolhos tivesse, mais santa era considerada. O próprio Napoleão Bonaparte fez uma declaração que ainda não foi bem compreendida pela posteridade. Ele disse:

- Falo em espanhol com Deus, em italiano com as mulheres, em francês com os homens, e em alemão com meu cavalo.

Estaria ele desprezando os alemães? Aparentemente, sim. Mas, se olharmos para o contexto, vamos ver que sua fala era um elogio aos germânicos, pois não havia, na época, nada mais próximo de militar do que um cavalo.

Falando em cavalo, a História registra esta frase atribuída ao General João Figueiredo, nos tempos da Ditadura Militar, por volta de 1978:

- O cheirinho de cavalo é melhor do que o do povo.

Como compatrício de João Guimarães Rosa, também quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa. Pode ser que essa frase do general tenha sido deturpada. Vamos imaginar que Figueiredo não soubesse dirigir automóvel. Para justificar sua inabilidade, teria dito:

- Para mim, o cheirinho de cavalo é melhor do que o de gasolina.

Vai daí que um de seus desafetos ao ouvir aquilo, tenha espalhado para a imprensa: - Olha, O Figueiredo está dizendo que prefere cheiro de cavalo a cheiro de gente...

Tem razão Bonaparte: a História é um conjunto de mentiras. Certamente que este texto que acabo de redigir contém muita meia verdade. O perigo é eu ter dito exatamente a metade que é mentira.

Etelvaldo Vieira de Melo

PONDO E TIRANDO MÁSCARAS

 


Anjo bêbado

de sex vaidade,

deixo-te aqui a

marca do batom

na letra plástica.

Nascem formas tontas

de puro prazer leitural.

Eis o luxo secreto

da graciosa autora sempre viva,

travestida de papel.

Percebes acaso

o atavio prolixo da brasileira língua pendendo à intimidade?

Então?

Busco o gosto da melhor pose para produzir teu gozo,

leitor. Assim, eu te

revelo

pequena janelinha

de rósea carne ou mesmo provoco

um escândalo de paixão

quixotesca, onde

o grafo se jogue no último lance dos dados.

Cometo, contigo, a mais alta infidelidade na ordem textual.

Vê o movimento sensual do corpus poético:

A Literatura no livro

segue rasurada, mas segue. Acreditas?

Pura mentira.

Seja, mas pelo menos ela ativa a circulação da mais sanguínea palavra.

Como?

Sirgo no oco do bloco, floresta de frágeis espelhos.

Simulo, finalmente,

uma boa transa estilística,

visando facilitar tua

 penetração cultural.

 Okay?

Graça Rios


TRIBULAÇÃO E TRIUNFO


 

O tempo não é só de flores. Nem sempre existe o privilégio de se viver em liberdade e livre de incursões e injunções incômodas. Principalmente num passado estudantil mais exigente e agressivo, de sofrimentos e sacrifício. Assim foi nossa iniciação no primeiro e parte do segundo grau de escolaridade.  Invejam-nos, hoje, de um lado, as oportunidades e a educação bem mais liberal oferecida ao estudante. Mas de outro, louvamos e decantamos a seriedade do ensino daquela época, apesar do rigor disciplinar. Nossos primeiros anos de estudo foram em parte de alegrias e, em parte, de tristezas. Estudamos, a princípio, num colégio onde predominava o rigor e a exigência/intransigência da disciplina moral, cultural e cívica. Tinha o mérito, e era esta nossa maior alegria, especificamente naquele ambiente escolar, de oferecer, embora sob pressão, uma base sólida que nos facilitaria os estudos seguintes, e a condição que nos permitiria galgar, mais tarde, destacada posição social e profissional.  Conseguimos tornar-nos profissionais qualificados, prestarmos consultoria especializada a inúmeras instituições públicas e privadas, ocuparmos cargos de direção ou assessoramento superior, lecionarmos em duas universidades e em organizações de destaque e, por fim, prestarmos, na área de desenvolvimento de sistemas informatizados, serviços técnicos de natureza intelectual. Salta-nos à memória aquela nossa iniciação nos estudos. Lembra-nos o rigor do internato, a vivência enclausurada, sob um regime disciplinar quase intolerável, distantes e longe dos familiares. O dia era cheio. Cedo, bem cedo, a capela ou a educação física. Em seguida o café e daí as aulas. Após, a refeição, o quimo, salão de estudos, banho, refeição, salão de estudo, capela e dormitório. A chegada das férias era nossa talvez única e maior alegria. Não deixou de ser, em nada menos de seis longos e tenebrosos anos, a fonte de nossa tristeza, num ambiente em que não reinava o respeito à dignidade humana, a compreensão e a ternura. Apesar da indiscutível qualidade do ensino e da inexorável experiência obtida, pareciam tempos perdidos de nossa infantilidade e juventude. O colégio era dirigido por um ex-seminarista do Caraça. Era um admirável dominador do latim e da história geral e do Brasil. Todos se encantavam com a sua capacidade didática, incontestável e incomparável, de contar as histórias do novo e velho mundo, das peripécias do imperador romano Nero, das conquistas de Alexandre O Grande, e de fazer com que o aluno entendesse a declinar, conjugar verbos, traduzir fábulas de Esopo e Fedro e trechos célebres da imortal flor do Lácio.  Contudo, aplicava a disciplina daquele velho e vetusto seminário, certamente em proporções bem maiores.  Tal a violência e agressividade como aplicava sua disciplina que, na comunidade, chegou a ser taxado de “a fera da rua larga, o “leão da esquina” e outros cognomes indesejáveis. Trago na mente o castigo impiedoso e quiçá desumano aplicado em quem não o respeitasse, desobedecesse, não seguisse suas ordens ou não se dedicasse seriamente aos estudos. Muito mais sofriam os internos, o tempo todo sob seu jugo. Embora raramente, não desprezava a tradicional varinha de marmelo, a palmatória recheada de furinhos e o peso de dois dicionários Saraiva, conforme a natureza e o porte da infração cometida pelo interno, em especial o da ala de menores.  Lembra-me quando, encontrando um da ala de maiores a fumar, fez com que comesse os cigarros. Auxiliava-o o chamado “regente” controlador da disciplina dos internos. Portava uma cadernetinha onde apontavam as infrações, na base do que eram chamadas de “cruzinhas de comportamento e de aplicação nos estudos”. Se o interno tivesse na semana três ou mais cruzinhas no comportamento ou na aplicação ficaria preso no domingo de folga e não podia sair nem mesmo para visitar os parentes e amigos. O exército nos levou para outros páramos, onde, como externos, vivendo em repúblicas, passamos a uma forma diferente de sacrifício e de vida. Uma juventude marcada, então, pela instrução militar em Tiro de Guerra, onde cedo era a instrução, de onde seguia o nosso trabalho numa indústria e, à noite, o colégio. Ainda costumávamos lavar e engomar, no tardar da noite, a farda enlameada de algum rastejo para ao dia seguinte. Velhos tempos!  Talvez um bom exemplo para o que vem fácil. Afinal, tem mais valor o que custa boa dose de sofrimento e sacrifício.

Sebastião Rios Júnior

 

CALHAUS BLOGUÉTICOS (VOLUME 2)

FÁBULA NEBULOSA: O HOMEM, O MARIMBONDO E A PIRANHA


(Leitura Livre De Uma Notícia De Jornal)

EXTRA (01/11/2021)

Homem pula em lago para fugir de abelhas e morre atacado por piranhas, em MG

Andava o homem por uma trilha no mato quando, distraído, esbarrou numa caixa de marimbondos. Estes, ao se sentirem ameaçados, voaram em perseguição ao moço que saiu em desenfreada carreira. Como último recurso, lançou-se numa lagoa à frente. Como não sabia nadar, acabou morrendo afogado. Antes de morrer, ainda sendo atacado por ferozes piranhas que habitavam o local, pensou: “Bem feito para mim que não soube medir as consequências das minhas decisões”.

Moral: Assim agem as pessoas descuidadas que, ao fugirem de um problema, acabam sendo vítimas de outro ainda pior.

POEMINHA

Etelvaldo Vieira de Melo


NUMA SOMBRA OUTRORA SEM FLORES


 

Segue-me: Há uma Tília cordata, árvore aromática, no meio do caminho. Bem feita de corpo, possui tronco teúdo bojudos seios. Um vento cheiroso desvia-lhe as folhas amarelas até este limbo dourado. Conheço a força mágica da Natureza.

 Possuo rosto moreno-pérola, grandes olhos dulcorosos, fronte emoldurada por cabelos escuros. Meu nome, queres saber? Lediça. Talvez o creias, Companheiro, apenas prenome absolutamente escorregadio, deslizante Bispo movendo-se por todas as casas do tabuleiro.

Talvez lhe alteies acepção gozosa, elisão entre dois termos frutuosos por absurda associação sensual. Discuto contigo? Pois não. Talvez o releias como salto inesperado de Rei capturado.

Algo assim, tapando a tua peneira, ó, leitor-sol. Perguntas-te, ainda, absorto em elucubrações:

- Essa linguagem figurada existe? Resvalaria, feminina, no espaço repleto de furos, brechas, renda em arabescos? Poderia amordaçá-la, utilizando minhas práxis peças?

Ah, ah, brinca a Pitonisa. Pensando bem, já estás movido para casa adjacente:

- Lediça significaria Sacerdotisa. Oráculo que adivinha na leitura dos astros, dos vegetais, das vísceras dos animais mortos, o destino das pessoas. Prendo-a na armadilha dos braços e pernas.

Antes que me desenhes estilo adversária, sobidesce descissobe preta/branca na entretela, retornemos ao princípio não-dito. Descrevo-me, ante teus horizontais olhos, bem talhada, louvada pelos povos da aldeia. Quando era virgem, fui ao campo cortar flores. E daí? Daí, um moço de teu igual talhe e, quiçá, de mesmo intuito diagonal, notou-me perfumada entre amadas margaridas, descalças azaleias, plenas centáureas. Encorajado Rei, extraiu do peito couraça, arco, aljava. Aproximou-se um tanto violento.

- Sentemo-nos, ninfa alvissareira (mente babilônica). Gostarias de jogar comigo o Xadrez erótico, antigamente sagrado, sob o olhar do cervo, ali, também cheio das sábias habilidades? Faço de ti mor mulher com arte e engenho na Torre movimento de roque defensiva (amostrando mãos em cima da Torre erguida, basta florada).

Espio o estranho expiando-me lunar. Ei-lo, tremendo vivo real num sonho em que tento apanhar alguma coisa indizível. Ou seja, A Coisa. O fim da Partida. Viso ao inexplicável inexorável porvir vindo de surpresa do tempo passado. Milênios alinhada ao chão, deitada à espera dele, entoo - pra me bendizer - a Cantiga que a Gente Canta. Depois, Os Amores que a Gente Quer.

Difícil entenderes, ledor racional e incrédulo parceiro, nossa situação desarrazoada, vice-versa em ziguezague. Digamos, caro amigo: Trata-se do não-lugar da presente narrativa. Melhor, representá-lo-ei vazio lume vago. Entende-me vertical:

- Concebes porventura aquele buraco fundo onde todas as palavras serão logo enterradas por mim, mulher prolixa em lendas ao pé da fonte ou na ribeira? Sim? Mais ou menos isso. Súbito, o ignoto astronauta agarra-me a cintura. Despe-me a camisa. Expulsa-me da roupa branca. Solta-me, andando o Peão, a vasta cabeleira. E eu, segurando-lhe firme a expandida famosa Torre, creio no ritual da antiquíssima Tília, durante o Culto à Fecundidade. Ulalá! Curvo-me, sempre ávida do desconhecido, durante a posse nua de obstáculos. Dama valiosa, ardo em febre possuindo o cru Cavalo, largado sumo entregue num rosal granado. Frouxa da voluptuosa ânsia, irei dizer à mãe e ao pai:

- Da gleba vencedora, voo vou varrer vossa casa e lavar vossa ceroula.

Abandonados na relva amarfanhada, jazem harpa, saltério, lira. Xeque-mate.

Graça Rios