PÁSCOA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Conceição do Coité é uma cidade do nordeste da Bahia, fazendo parte da microrregião de Serrinha. Segundo dados do IBGE: - sua população gira em torno de 67.000 habitantes, sendo 10,5% ocupada; - o salário médio mensal é de 1,6 salários mínimos, sendo de 46,5% o rendimento mensal per capita de até ½ salário mínimo; - o percentual das receitas oriundas de fontes externas é de cerca de 93,9%.

É para Conceição de Coité que estamos indo neste texto. Como a demora é pouca, visitamos rapidamente a bela igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, sentamos no coreto da praça e demos uma vista d’olhos no parque aquático da cidade, que recebe o pomposo nome de Acqua Show Family Park. Com calor intenso, paramos também na Padaria e Lanchonete São José, ali na Rua João Benevides, 99, onde tomamos um sorvete. Depois, rumamos para a casa de Irineu e Jucicleide, situada na periferia da cidade.

Irineu Cruz, conhecido como Chitão, tem 44 anos; Jucicleide, Juci, tem 39. Eles moram numa casa atualmente pintada de azul, com várias gaiolas de pássaros penduradas na parede de frente. O inusitado da história deles, e que motivou a nossa visita, é o fato de terem 15 filhos, todos com nomes iniciados com a letra “R”.

Quando se casaram, combinaram o seguinte:

- Quando a gente tiver filho, se for homem, eu boto o nome; agora, se for mulher, quem bota é você – falou Chitão.

E, assim, ano sim e ano não, enquanto Juci cuidava de botar mais um filho no mundo, Chitão se esmerava em botar um nome no rebento, copiado de algum jogador de futebol. E assim foi indo, até atingir a cota de 14 homens: Ronaldo, Robson, Reinan, Rauan, Rubens, Rivaldo, Ruan, Ramon, Rincon, Riquelme, Ramires, Railson, Rafael, Rodrigo.

Em setembro de 2020, Jucicleide realizou, enfim, um sonho secreto: deu à luz uma menina, que recebeu o nome de R...aiane Maiara.

- Eu falei que se fosse menino, eu ia ser muito feliz – comenta Juci. -  Quando fiz a ultrassom, que deu menina, aí fiquei mais feliz ainda, porque menino já tive 14 e, com a vinda de uma menina, minha felicidade completou.

Conta Irineu:

- Veio uma menina e é a alegria da casa. A gente já era alegre e somos mais alegres por termos os 14 homens e a menina. Raiane Maiara, foi Juci  que escolheu. Ela botou com 'R' também para acompanhar o lote, que são todos com 'R' e graças a Deus ela escolheu com 'R'. A alegria do Brasil e do mundo.

Após o parto de Raiane, que foi cesárea, Jucicleide achou melhor fazer o processo de ligação das trompas.

- Cancelou mesmo a fábrica - disse aos risos.

Quando quis saber como a família tem reagido nesses tempos de pandemia, já que  vivia dos "bicos" que o pai conseguia para ganhar dinheiro e também do Bolsa Família que a esposa, que é dona de casa, recebe mensalmente, Chitão falou:

- Eu sei que aqui é luta, muita luta para a gente manter essas crianças com café da manhã, merenda, almoço e tudo mais. Sobre o colégio, eles estão estudando pelo celular. A gente vem sofrendo um combate geral com essa pandemia da Covid-19. Presos, trancados, não sai ninguém.

Passando por aperto financeiro (“no total são 14 'bocas', porque três casaram e não moram mais aqui; temos duas netas e um neto"), a saída encontrada por Irineu foi trabalhar com reciclagem e vender ossos de animais para pagar as contas:

- Eu estou vivendo de catar papelão, ossos, ferro velho, na base da reciclagem. A gente está sobrevivendo disso aí agora.

A família também conta com a ajuda do casal de amigos, Rubinho e a esposa Maiara, além de açougueiros da região.

- Rubinho ajuda a gente bastante, se não fosse ele, o que seria da gente? A gente também agradece a todos os açougueiros que estão doando ossos para a gente vender e fazer nossa feira.

E o auxílio emergencial?

- Nós não recebemos nenhum auxílio que o governo deu. Complicou o barco e nós estamos pedindo força e coragem a Deus para manter a batalha nessa linha. O auxílio mesmo, eu não sei porque, a gente correu atrás, procuramos até um advogado e não sei porque a gente tem 15 filhos e não teve o auxílio. É brincadeira um negócio desses? Eu achei um absurdo, não sei que castigo foi esse que deram na gente – lamentou Chitão.

(Enquanto isso, a gente sabe, famosos receberam auxílio, como é o caso da esposa do deputado Daniel Silveira, a advogada Paula da Silva Daniel que, mesmo recebendo salário de R$5,6 mil, não deixou de retirar suas parcelas.)

Ao fim da conversa, Irineu Cruz diz:

- Graças a Deus está tudo em ordem, é chamar por Deus agora, que ele dê vida e saúde para eu trabalhar, estar na luta para criar eles. Peço muita força e coragem para eu manter o trabalho e que nunca falte o pão de cada dia.

Não sei bem por quê, mas achei esta história de Irineu e Jucicleide expressiva para esses tempos de pandemia. Até acredito que ela carrega uma mensagem de esperança própria da Páscoa.

Deus, não sei o castigo foi esse que deram na gente:

Complicou o barco e estamos precisando de força e coragem

Para manter a batalha nessa linha.

Mas, mesmo assim, obrigado, Senhor

Obrigado por deixar tudo em ordem aqui em casa.

Estou chamando o Senhor agora

Para que dê vida e saúde pra toda a família

Para que eu posa trabalhar

Estar na luta para criar meus filhos.

Olhe, Senhor, pro nosso amigo Rubinho e sua esposa Maiara

Também peço o seu olhar para todos os açougueiros

Que nos doam ossos para vender e fazer a feira.

Deus, peço-lhe muita força e coragem para manter o trabalho

E que nunca nos falte o pão de cada dia.

Enfim, Senhor, se não for pedir demais,

Olhe para as autoridades do país

Faça com que se compadeçam dos pobres necessitados

E eles vivam com orgulho

Para alegria do Brasil e do mundo.

Amém.

(Texto produzido com base em pesquisa de Internet e matéria de João Souza, no Portal G1 de 30/03/2021)

Etelvaldo Vieira de Melo

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