Quando a pandemia do coronavírus começou
a se espalhar pelo mundo, eu tinha imensa esperança de que aquele mal poderia
se reverter num bem maior: a humanidade se conscientizando, enfim, de que é
preciso preservar o meio-ambiente e cultivar a solidariedade, uma vez que a
Terra se tornou de fato uma aldeia global e que o efeito borboleta já não é
mais uma mera ficção cinematográfica.
Ledo engano. Parece até que eu estava
fazendo jus ao meu nome - Ingenaldo. Nem
bem as mortes começaram a espocar e as pessoas já aprontavam as garras de seu
individualismo, de sua indiferença com o sofrimento alheio (como simples
exemplo, veja o que aconteceu com aquele grupo de políticos e empresários
mineiros que, em história mal contada, cuidou de vacinar seus familiares,
depois de importar o imunizante da Pfizer e violar a lei, não fazendo a doação
para o SUS).
No Brasil, o mau exemplo vem de cima,
através de nossa autoridade máxima. O presidemente, que deveria ser modelo de
solidariedade, de empatia, de amorosidade, revelou-se um ser cruel, que só
pensa em si mesmo, que não mostra compaixão para com o povo (“Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar
chorando até quando?”). Resultado disso são as milhares de mortes, com o
país se tornando epicentro da pandemia no mundo. Quando ele não demonstra
cuidado, se expõe sem máscara e provoca aglomerações, quando faz propaganda
contra a vacina, está disseminando o pouco caso para com uma doença que já
matou quase 400 mil pessoas entre nós. Pior de tudo é ver como sua atitude
irresponsável está influenciando até mesmo pessoas idosas, que se recusam a
vacinar, com base em informações mentirosas propaladas por sua excelência e
tropa de seguidores.
Se as pessoas fossem despertadas para a
solidariedade, não quero dizer que tudo seria fácil e tranquilo. Não. Se o
presidemente deixasse de lado sua compulsão em mentir, deixasse de ser ególatra,
desse conta de seus erros e tivesse um pouquinho de remorso, demonstrasse
compaixão, tivesse um discurso de conciliação e não agressivo, provocativo,
autoritário, nem por isso a covid deixaria de causar suas mortes, nem por isso
deixaríamos de estar vivendo uma situação de perplexidade, de angústia e de
sofrimento.
Não quero parecer pessimista. Quando
aponto malfeitos, não estou querendo ridicularizar, diminuir, menosprezar, mas chamar
a responsabilidade de cada um para a construção de um país decente, onde todos
possam viver com dignidade. Essa pandemia poderia ser combatida de uma maneira
mil vezes melhor se as pessoas, partindo do exemplo de nossas autoridades,
dessem as mãos umas às outras, em gesto inteligente e solidário, enfrentando
unidas as adversidades.
Um exemplo simples pode ilustrar o que
tento dizer. Ele vem lá do Rio Grande do Sul, num tempo de antigamente.
Em certa ocasião, desapareceu nos
milharais dos pampas gaúchos a filha mais nova do senhor Jair, vaqueiro daquela
região. Durante três dias, os habitantes da redondeza se mobilizaram à procura
de Regina. E eram homens, mulheres, jovens e até crianças, em cavalos,
tratores, carros à pé, que – com gritos, buzinadas, lanternas e faróis – caminharam,
vasculharam todos os cantos, procuraram durante dois dias e duas noites, mas a
menina não aparecia.
Começava o terceiro dia da procura
inútil quando o senhor Jair, inspirado pelo amor de pai, teve uma ideia:
- Gente, estamos procedendo errado – falou
ele para o grupo de amigos. – Vocês não estão vendo que existem caminhos por
onde passamos milhares de vezes e que, ao contrário, há outros nunca
visitados? Vamos organizar uma grande
corrente, dando-nos as mãos, percorrendo primeiro uma extensão, voltando por
outro caminho, não deixando nenhum palmo sem pesquisar.
Assim fizeram. Vasculharam as roças
vizinhas e, ao cair da tarde, encontraram a menina... mas Regina já estava
morta.
Conta a história que aquele pai, aquele
gaúcho forte, o senhor Jair, não conseguiu conter as lágrimas e, tomando a
menina nos braços, falou:
- Gente, por que nós não ‘se deu’ antes
as mãos?
Desejo muito que a história desse gaúcho
sirva de lição para todos nós, em especial para aquele outro Jair, aquele que
fica em Brasília. Está passando da hora dos brasileiros se darem as mãos.
Eu sei que existem pessoas para quem um
vaso de flores já é grande demais. Mas também sei que existem pessoas que fazem
do mundo o seu jardim. Que tal fazermos do mundo o nosso jardim? Que tal fazermos
do Brasil o nosso jardim?
Ingenaldo / Etelvaldo Vieira de Melo
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