Lucenildo
Faustino Reguete* é um vizinho que, com o passar do tempo, tornou-se um grande
amigo. Entre as afinidades que nos aproximavam, estava a de torcermos para o
mesmo time de futebol. Os feitos do ‘Cabuloso’, como o time era identificado
(agora, está mais para Horroroso), rendiam longas e agradáveis conversas.
Tínhamos
nossas desavenças, especialmente no campo da política. Por exemplo, quando do
golpe que destituiu a presidente Dilma, Lucenildo jurou que iríamos entrar numa
nova onda de moralização no trato da coisa pública, com os corruptos sendo
exemplarmente punidos.
-
Bah! – falei, em tom de deboche. – Duvideodó que, por exemplo, o Temeroso vai
pagar, indo pro xilindró.
Estava
me referindo a Michel Temer, o homem da mala.
Lucenildo
propôs, então, uma aposta: uma caixa de cerveja, caso Temer fosse ou não preso
no prazo de um mês. Anos se passaram e ainda não vi a cor do prêmio.
Imagem: Maratona de Buenos Aires
Tem
meu amigo outro pequeno defeito: é metido a atleta. Enquanto estou me vendo
cada vez mais entrevado, tomado de dores pra tudo quanto é lado, ele continua
esnobando seu preparo físico em corridas e caminhadas. Quase todos os dias, às
cinco da manhã, estando eu fazendo meia-noite, lá vai ele correr pelas ruas e
avenidas do bairro. Quando a pandemia não tinha virado tudo de cabeça para
baixo, Lucenildo era um frequentador assíduo de maratonas, aqui no Brasil e no
exterior.
Entre
suas qualidades, destaco a de ser uma pessoa muito prestativa, não medindo
sacrifícios para ajudar os outros. Aqui em casa mesmo são muitos os favores que
presta: uma arranjada na trepadeira de jade, a colocação de uma tela de
sombreamento no pergolado, uma poda em árvores e folhagens, subir no telhado de
casa até as placas de aquecimento solar, para fazer uma ‘sangria’, tirando o ar
do encanamento de água quente. Talvez ele faça tudo isso tomado de compaixão,
ao ver que não aguento mais nem ‘segurar uma gata pelo rabo’.
Quem
não se dá bem com Lucenildo é o Thor, o cão de casa metido a feroz. É só o
amigo tocar a campainha que o Thor desanda a latir desesperado. E aí começa uma
discussão entre os dois, Thor latindo e Lucenildo provocando. A briga termina
depois de muito tempo, quando se cansam, um vendo que o outro não dá o braço a
torcer.
Ontem,
fui surpreendido com Lucenildo tocando a campainha, pedindo para que levasse um
saco de lixo até o portão. E lá estava ele, com uma vassoura, varrendo o
passeio de casa e retirando o mato em torno das árvores de resedá e callistemon (popularmente conhecida como
escova-de-garrafa).
Tem
um ditado que diz: “se cada um se preocupar em varrer a porta de sua casa, a
rua vai ficar limpa”. Este é um belo ditado, serve muito para os tempos que
vivemos. Lucenildo, inova, vai mais além: não só cuida de varrer a porta de sua
casa, como varre até mesmo a do vizinho.
Vendo
aquele gesto de Lucenildo, fiquei pensando: - Brasil, Brasil, como seria bom se
as pessoas daqui fossem assim, amigas, desprendidas, generosas. Quando a gente
vai às redes sociais e lê as notícias, só vê maledicência, só coisa ruim,
egoísmo, inveja, rancor, brigas e ofensas, presidente mandando as pessoas se
armarem, em vez de se amarem, pessoas doidas (só pode ser isso) achando que é
legal acabar com a liberdade no país.
Olhando
para o fim da rua aqui de casa (ela é uma rua pequena), pensei também: - A vida
é curta, tem que ser vivida com sabedoria: prazer, bondade, alegria. É isso que
vale a pena. Vivendo assim, não só estamos dando um sentido bom para nossas
vidas, como estaremos deixando as sementes de um futuro melhor para a própria
humanidade. Esta lição tenho aprendido com Lucenildo, um vizinho amigo.
(*)
Pseudônimo de Lúcio Tolentino Silveira.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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