LENDA


Por que me olhaste, Orfeu, sabendo-me inda sombra?

Eu vinha atrás de ti, embora à noite.

Ao teu encontro me levando iam

os campos e as ervinhas.

Cúmplices do Amor,

seguíamos.

 

Por que não resististe ao medo e ao pranto

que a ti partindo, deu-me vã partida?

Tu, a Perséfone e ao deus Hades imploraste

o frêmito da vida. Ansiavas, cego, ver surgir

da Morte, tua Eurídice, pela áspide ferida.

 

Loucura, visões tardias, cinzas, tornaram-me

imagem de fantasma que nem há.

A lira em fuga na tocata, ira vadia,

em tom menor teceu-me o corpo

pluma, vazio, dissonante ave.

 

Hoje, olho-me: escombro. Desfolho no chão subterrâneo

a paixão de Aristeu, as mênades, a serpente,

Orfeu - lançado ao rio Ebro, os rouxinóis.

Depois, desaviso traz música

solo pausado.

Silêncio.

Nada.

Graça Rios


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