URUBU QUERENDO CANTAR


      Ao se encontrarem numa lanchonete, enquanto bebericavam um suco de Açaí, Fridolino Xexeo perguntou para Ingenaldo:

- Ingenaldo, o que é...

 - O que é o quê? – cortou Ingenaldo, enquanto limpava os óculos azuis.

 - ... que sou branco de nascença, hoje sou preto como carvão, vida pra mim é tristeza, morte é consolação”.

 Após alguns segundos, com a mão direita segurando o queixo, Ingenaldo respondeu:

 - O urubu!

 - Muito bem – cumprimentou Xexeo. – Vejo que está se dando bem com o tratamento para PFC.

 (PFC nada tem a ver com futebol; é uma sigla que nomeia um distúrbio psicossomático: Prolapso de Fim de Curso.)

 - Mas não estou aqui para propor adivinhações – continuou Fridolino. – Quero lhe contar uma história.

 - Que bom! Adoro ouvir uma boa história.

 - Era uma vez... – começou a contar Fridolino Xexeo.

                          🎈🎈🎈🐦🐦🐦🎵🎵🎵

O urubu-rei, tomado de extrema preocupação

Certo dia resolveu convocar o Conselho dos Melhores

Para juntos, deliberarem, tomando uma decisão

Sobre como resolver um de seus problemas piores.

 

Perguntou sua majestade, dando início à sessão;

O que torna uma ave diferente dos demais

O que faz com que seja olhada com atenção

E não seja confundida com outros animais?

 

O Conselheiro Acácio, que já dispunha de idade avançada

Disse: Creio que seja o fato de poder voar

Um sonho acalentado por toda a bicharada

Mas que somente uma ave consegue realizar.

 

Antônio Conselheiro, bem mais jovem e de ar belicoso

Contestou aquela tese de seu par

Falando em tom raivoso:

Que uma galinha de ser ave não vai deixar

Mesmo querendo, mas não sabendo voar

O que diferencia as aves dos outros, explico

São suas plumagens e o bico

Assim eu penso e mais não sei explicar.

 

Dou a mão à palmatória, falou Acácio conciliador

Tem razão o nobre colega em seu falar

Mas se tem algo que é da ave um pendor

Certamente é seu maravilhoso cantar.

 

Falou com ansiedade o urubu-rei:

Você tocou num ponto onde quero chegar

Até uma galinha dá seus cacarejos que eu sei

Mas nossa espécie é analfabeta na arte de estrilar.

 

E arrematou o nobre soberano:

A partir de hoje fica instituída a Escola Musical

Onde todos irão estudar, do tenor ao soprano

Passando pelo barítono, todos num acorde vocal.

 

O Conselheiro Acácio disse, tomando a palavra para si:

Pela minha idade provecta, contento-me com as aulas do EUJA

Talvez consiga aprender a solfejar o dó,ré,mi

Talvez aprenda qualquer outra coisa que seja.

 

E, assim, os estudos foram iniciados com muita animação

E quando algum, descuidado, punha-se a cantar

Caía uma chuva torrencial acompanhada de trovão

Mostrando a todos que não podiam o carro apressar

Que ainda não chegara a hora de soltarem o vozeirão.

 

Enquanto estudavam as partituras em teoria

Ouviram os urubus um canário certo dia

Estando ele pousado sobre o galho de um arvoredo

Num cantar alegre de um folguedo.

 

Como pode ser assim? - perguntou o urubu-professor

Por acaso você frequentou alguma escola particular

Onde lhe ensinaram a lição de cantar?

Mostre-nos seu diploma, por favor.

 

Meu canto eu não aprendi em nenhum lugar

Eu sempre fui assim, aprendi tudo sozinho

Não sei como posso lhe explicar

Se isso faz parte de minha natureza de canarinho.

 

Indignados, os urubus começaram a gritar

Enquanto atiravam pedras, tentando o pássaro acertar

E este, sentindo-se perseguido

E muito mais ofendido

Tratou de para longe voar.

 

É por isso que diz o ditado popular:

Em território de urubu, canário não pode cantar.

Pode, quando muito, feito gado, um mugido soltar.

 

Etelvaldo Vieira de Melo

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