PARODIANDO O FERNANDO


  O astro famoso do cinema tem uma vida muito mais intensa que a minha, mas, porque sua vida não é a minha, quero acreditar que sua vida não é tão intensa quanto é a minha vida.

  O astro famoso do cinema quase todo dia é manchete de jornais e revistas, quase sempre está viajando pelo mundo (imagina que ele já conhece meio mundo), enquanto a quase totalidade do mundo o conhece por meio de seus filmes famosos. Quanto a mim, poucas pessoas me conhecem no lugar onde moro e eu conheço pouquíssimos lugares além daquele lugar onde moro.

  Minha visão vai até onde meu olhar alcança e ele pouco mais alcança além das casas de meu lugar. É por isso também que minha vida é mais intensa que a vida do astro famoso do cinema, porque quanto mais uma pessoa vê, menos ela enxerga; quanto mais uma pessoa vê, mais ela fica distraída e se esquece de que a beleza das coisas está nos olhos de quem vê.

  A vida do astro famoso do cinema é completa, tão completa que lhe falta tempo para viver os momentos com intensidade. Sua vida flui superficialmente, tomada por múltiplas tarefas e solicitações. Ao contrário, minha pequena vida, talvez por ser pequena, pode ser vivida com intensidade em todos os detalhes, por pequeninos que sejam.

  Sendo minha vida pequena e minha visão indo só até um pouco mais além das casas de meu vilarejo, sinto-me mais livre que o astro famoso do cinema, que, com sua vida tão intensa, mal consegue dar conta de seus atos. Ele se vê da altura em que é visto, sem se dar conta de que todo mundo é da altura que seus olhos podem ver. E é também por isso que considero minha vida mais intensa, porque me sinto essa pessoa livre e essa liberdade me torna um ser leve feito um pássaro a voar.

Acontece muito justamente de quem viveu muito ter vivido pouco. O astro famoso do cinema talvez pense que a vida para valer a pena ter que ser longa, de longos caminhos percorridos. Minha vida pequena me ensina que a vida não precisa necessariamente ser longa, o que ela não pode é ser estreita. Muitas e muitas vezes eu ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, sinto que valeu a pena ter nascido.

Enfim, os olhos do astro famoso do cinema estão voltados para as coisas do mundo, julgando que a felicidade está ali. Mas a felicidade está fora da felicidade. Por isso que meus olhos acolhem minha pequena aldeia, suas casas, ruas, pessoas e, assim, me acolhem, tornando minha pequena vida intensa, mais intensa que a intensa vida do astro famoso do cinema.

Etelvaldo Vieira de Melo

3 comentários:

Unknown disse...

Este texto é maravilhoso. Pensando com meus botões, caro Etevaldo, você está a caminho do Prêmio Camões de Literatura. Prefiro esse ao Nobel. Esse acolhe o tamanho que temos. É mais próximo. Meu abraço.
Mauro Passos

soares.heleno@gmail.com disse...

Caro Etevaldo! Queria que este texto fosse meu! Kkkk aquele casa no meio do mato ou um palácio? Huumm! A vida mais simples e respirando e sentindo o universo ou a preocupação de ser o centro do universo? E preocupado em ser astro e não sair da mídia? Aqui, eu chupo jaboticaba no é e as pitangas colorem meu quintal: os dois: no seu sentido restrito e o quintal de minha alma. Seu texto nós traz também está reflexão. Etevaldo, vc escreve e faz a gente sentir o gosto da interiorização. Cara, vc é ótimo. Heleno

Julia disse...

Lindo texto pai! Parabéns!

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