CARTA A UM JOVEM APAIXONADO

 

Meu jovem apaixonado.

Observa.

Se começas a estudar música, tu te tornas imenso, feliz, absoluto, principalmente sozinho. O recolhimento ambiental parte do Concerto palaciano.

A composição da sinfonia silenciosa te arrebata, consola. Leva-te a sentir necessário o canto da solitária alcova.

O instrumento exerce tal sedução e esplendor sobre teu consoante pensamento, sonho, imaginação criadora, elevação espiritual que os anjos invejam-te a doçura da sinfoninha voz.

BTeu gesto manso, a calma de tu’alma, os enternece. Ironicamente, também os enlouquece.

Quando artista, logo organizas o físico, a argúcia mental, a exímia maestria na sensibilidade.

Ao tocares a Tristesse’, de Chopin, uma áurea aura de bondade humana cinge tua fronte. Seguindo-se ao sublime movimento, a força expressiva de Bach tensiona-te em orgasmos múltiplos aéreos sucessivos de alegria e ardoroso frêmito. Ah!

As notas de mil espaços e linhas, dentro/fora da pauta, transbordam-te a vida de riquezas reais, duradouras, fiéis, sábias, inimagináveis.

A dança da folha, o sorriso da lua, a curva do caminho, tudo te traz arrojado clímax febril muito superior às melhores sensações terrenas.

O mistério do sol lá se faz com dó de findar-se em ré a magnitude melódica presente no tempo da pausa.

A partir da experimental primeira partitura (cerca de vinte dias), nada mais te falta. Foges ligeiro do planeta habitado por gente. Queres te encontrar.

Senhoritas e semhoritos infestam o amor com rude desilusão por mais fermosos sejam.

Faltam-lhes o compasso, o tom das colcheias, o palpitar 🎵 da sonora alma.

Quantas lágrimas se derramam por aí afora, à revelia, sugadas pela natureza aRmada daquele ser amado!

A falta no Outro, o rastro, a fenda, o hiato, a hiãncia, a história, transmitem ao amador amaro sabor de incompletude mútua.

Ao contrário, a Arte, essa gata persona feminina, florida, sempre vestida com singelo brilho ou festa estelar; ela, bela donzela, vem e se oferece cálida rosa apaixonada ao contato sensualíssimo do toque amante.

Abre-se toda, lábios, pelos, sumos, pele, vislumbrando o gozo pleno ao simples complexo amplexo ou beijo do saxofonista.

Escolhe, pois, querido, a exata mulher-viola para violarem juntos as recíprocas cordas do coração.

Há um ditado gracioso somente feito para teu deleite e reflexão:

‘Só conhece o eternal prazer másculo aquele que aprofunda sua língua na caverna do bocal das doces flautas’

E, repara:  assim que compuseres tua própria partitura, suave ave canção interior, verás que o céu está ali próximo, mesmo em cima do teu ombro, longe do trom turbulenta tuba arroubo sexual terreno.

Arranja, entre tantas belezas, uma pequenina jovem moça dourada lira. Então, a Deus, adeus, corpos fantásticos de violão sanguíneo e ósseo.

Serena-te. Busca a paz dos violinos.

Carinho. filho.

Graça Rios

0 comentários:

Postar um comentário