PARA QUEM NÃO SABE O QUE DIZ E AONDE TEM O NARIZ

 


Crucificado entre dois ladrões e vendo a morte se aproximar, Jesus dirigiu estas palavras a Deus:

- Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem.

Ele estava se referindo àqueles que o condenaram e a todos os que o cobriram de escárnio, enquanto carregava a cruz em direção ao Gólgota.

Diante do que dizem e praticam milhares de pessoas no Brasil hoje, Jesus poderia voltar a repetir:

- Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem e o que falam.

No samba “Palpite Infeliz”, Noel Rosa reclamava de alguém: “Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!”. Mais à frente: “Eu já chamei você pra ver. Você não viu porque não quis”.  E conclui, lamentando: “Quem é você que não sabe o que diz? Pra que ligar a quem não sabe aonde tem o seu nariz?”.

Assim é um tipo de pessoa no Brasil: desconhecendo onde está o próprio nariz, vive palpitando, dizendo coisas sem saber, quando poderia saber, se quisesse enxergar.

UM

Blaise Pascal disse que “os homens jamais fazem o mal tão completamente e com tanta alegria como quando o fazem a partir de uma convicção religiosa”. Somente isso é que poderia explicar o que aconteceu em Goiânia, em 28/08/2021 (o tempo passa, mas a lembrança fica). Durante evento com lideranças evangélicas, Jair Bolsonaro foi presenteado com um violão autografado e segurou o instrumento musical como se estivesse empunhado um fuzil, fazendo aquele gesto característico de atirar. Ao seu lado, sentados em cadeiras, estavam várias lideranças religiosas, que riam candidamente diante da exibição do presidente. Como classificar aquele sorriso? Seria complacência, conveniência, concordância ou uma pura estupidez? Bolsonaro até poderia estar ciente do que fazia, mas e os pastores? Para eles, Noel Rosa haveria de dizer: - Não sabem onde colocam o nariz? – E Jesus iria lamentar: - Não sabem o que estão fazendo?

De fato, se tem algo que Jesus ensinou à exaustão foi o amor ao próximo, a tolerância, a compreensão, a solidariedade. Nunca o ódio, a violência, a pregação da morte. Chega a soar como absurdo o sorriso no rosto daquelas pessoas que se dizem cristãs.

DOIS

Tem gente que se diz conservadora, de direita, cristã e patriota. Como vamos ver, tal combinação é de todo impossível.

Pode alguém se considerar conservador e querer o melhor para o país? Penso que não. Quem é conservador não quer o melhor para o país. Segundo dados da insuspeita BBC (BBCNEWS/BRASIL), “os 10% mais ricos no Brasil possuem quase 80% do patrimônio privado do país. A concentração de capital é ainda maior na faixa dos ultra-ricos, o 1% mais abastado da população, que possui, em 2021, praticamente a metade (48,9%) da riqueza nacional”. Trocando em miúdos, isto quer dizer: se você distribuísse R$ 10,00 entre dez pessoas, estaria deixando com uma R$ 8,00 e, para as 9 demais, os R$ 2,00 restantes; praticamente a metade da riqueza nacional está nas mãos de 1% da população.

Segundo a revista, com base no relatório da World Inequality Lab, quatro dados mostram por que Brasil é um dos países mais desiguais do mundo:

1 - Os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total (na Europa, esse índice se situa entre 30 e 35%);

2 - Os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos (na França, essa proporção é de 7 vezes);

3 - A metade mais pobre no Brasil possui menos de 1% (0,4%) da riqueza do país;

4 - O 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira.

Diante deste quadro, a constatação óbvia é que vivemos num país rico, onde a riqueza está concentrada nas mãos de poucos. Daí, cabe a pergunta: é moralmente correto uma pessoa se dizer conservadora? É moralmente correto alguém fazer a defesa disso, concordar com essa indecente concentração de riqueza? Para quem diz querer o melhor para o país, não seria melhor torcer para que a distribuição da riqueza não seja tão injusta? Não é comprando fuzil que iremos reduzir os índices de violência, mas criando condições para que todos possam comprar o seu feijão. Querer o melhor para o país é se empenhar para que não haja tanta disparidade social. Defender isso não é coisa de comunista, mas de cristão, é evangélico.

Ao longo de minha vida, já convivi com muito tipo de gente. Em escolas, já vi adolescente se aproximando de outro, dando-lhe um soco na cara e dizendo: - Eu te amo!

É por isso que ainda alimento um pouco de esperança de que essa gente atrapalhada (tirando fora os cretinos) possa se converter para os verdadeiros valores cristãos e humanistas. Pode ser que esteja movida por amor e só precisa mudar o jeito de demonstrar o que sente. Precisa consertar os gestos e as palavras, dando conta onde coloca o nariz. E pare de dar palpite infeliz, confundindo ainda mais os ingênuos e de boa-fé.

Etelvaldo Vieira de Melo

5 comentários:

Anônimo disse...

👏🏽👏🏽👏🏽

Rene disse...

Perfeito

Adriana disse...

Excelente 👏🏽👏🏽

Anônimo disse...

Ótimo

Anônimo disse...

Concordo. O problema é que os políticos, com raríssimas exceções, estão pouco se lixando para o povo. Em época de eleições pregam como pastores, mas depois só pensam no poder e em seus bolsos.

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