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Existem tipos humanos que, de uma maneira ou
outra, chamam nossa atenção de forma especial. Ainda bem para esses tipos, pois
eu me considero no rol daqueles que já deixaram de ser opacos e se tornaram transparentes,
ou seja, já estou na lista daqueles que não chamam atenção de ninguém. Andando
pelas ruas, posso gritar e espernear, posso até, em gesto tresloucado, tirar a
roupa, ficando nuzinho, que ninguém vai se tocar, já que ninguém me vê.
Quando
falo isto, não estou pedindo comiseração de quem quer que seja, já que viver é
completar o ciclo de nascer, crescer, aparecer, fazer e acontecer, transparecer
e desaparecer. Eu mesmo, olhando para meu passado, através de fotos e de
lembranças, vejo que já tive meus momentos de glória, quando não me cansava
diante de um espelho: eu me olhava de frente, de um lado e de outro, perfilado
e enviesado. O resultado era um gostinho de satisfação e de orgulho de ser quem
eu era. (Para não dizer que estou mentindo, muitos Leiturinos são capazes de
confirmar o que estou dizendo.) Hoje, o sentimento é de amargor; quando fico
frente a um espelho, aí sou tocado por profunda depressão, quase querendo dar
cabo da existência. (Aí, de novo, muitos Leiturinos concordam com minhas
palavras.)
Quanto
àquelas pessoas que chamam nossa atenção, muitas delas aparecem por acaso, por
causa de circunstâncias. Aqui no bairro mesmo existe um casal que passaria
despercebido, caso não fosse dono de um restaurante que, uma vez ou outra, me
acorre, quando é de todo impossível pilotar o fogão lá de casa no preparo de
uma comidinha caseira. É quando vou ao tal restaurante em busca de um marmitex.
É lá
que encontro refeição de melhor qualidade, mas que se perde frente a um
desagradável detalhe: a sovinice dos donos e que é repassada para as demais
serviçais. Quando uma delas coloca a comida na vasilha, parece que vai contando
os grãos de arroz, um por um. Feijão, salada e legumes também são servidos com
tanta parcimônia que a sua vontade é de sair correndo, deixando tudo para trás.
Quando você se atreve a tomar a iniciativa de colocar a comida, os donos e os
funcionários ficam olhando seus gestos com olhos compridos e segurando o
coração com as mãos.
Houve
um dia em que uma funcionária, estando eu mesmo me servindo, falou:
- Não
encha muito o marmitex, para sobrar espaço para o bife - grelhado numa chapa de
churrasqueira pelo dono do restaurante.
- Caso
tenha qualquer tipo de problema – retruquei, com certa rispidez – você pode
cobrar os acréscimos.
Sei que
você não haveria de tolerar tanto desaforo. Acontece que você não mora no mesmo
bairro que eu, onde, se sair do espeto, cai na brasa.
Estando
o marmitex fechado, você vai até o caixa, efetuar o pagamento. Ali, é colocada
a cereja que enfeita o bolo, ou seja, você experimenta o dissabor final. Com
voz afetada, empolada, rebuscada, enojada, aborrecida, a dona, ela mesma,
arremata uma odisseia que não teria poupado nem mesmo a Ulisses:
- Bom
apetite!
Você
desce as escadas, cambaleando de fome e nauseado diante de cenas de tanta
mesquinharia. Que dureza a vida de morador de periferia!
Etelvaldo Vieira de Melo
2 comentários:
Se a comida fosse vendida " a kilo" , garanto que adorariam ver seu prato bem cheio.....
A vida é curta ê bela !
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