ENTREVISTANDO LEON TOLSTOI

 
Leon Tolstoi e o correspondente da BBCr. "Foto" de Sophia Flora 

Ao longo de 12 anos, ser correspondente deste blog, BBCr: Blog das Belas Coletâneas Ridículas, tem me proporcionado muitas e inusitadas alegrias. Uma delas foi a de poder viajar no tempo e encontrar pessoas especiais. Por exemplo, quando voltei à infância e estive em Andrelândia, terra natal do amigo Cleber, esse que só cheguei a conhecer depois de adulto. Ele tinha tido um acidente fatal, e a volta à infância era uma forma que encontrei de tentar mudar o curso da História. Um outro exemplo foi o de ter visitado José e Maria em Belém, poucas horas antes do nascimento de Jesus.

Uma experiência que me agrada de forma especial é a de poder entrevistar pessoas especiais. Recentemente, entrevistei Ellen Pietra, fato que teve uma repercussão muito bacana. Antes, já havia conversado com o doutor Fábio Gikovak, Eliane Brum e Millôr Fernandes. Hoje, minha conversa é com Leon Tolstoi.

Lev Nikolaevitich Tolstoi, mais conhecido em português como Leon Tolstoi, foi um escritor russo, que viveu de 1828 a 1910, amplamente reconhecido como um dos maiores de todos os tempos, autor de Guerra e Paz, Anna Karenina e A Morte de Ivan Ilitch, entre outros. Tolstoi concedeu esta entrevista no dia 17 de maio de 1902, poucos meses antes de completar 80 anos. Nossa conversa aconteceu numa ampla sala de sua fazenda, Yasnaya Polyana, também usada como sala de aula para os filhos dos camponeses que ali trabalhavam.

- Tolstoi, é um prazer estar aqui conversando com você. Antes, como curiosidade, gostaria de saber: tem algum problema no estômago?

- Não. Por que a pergunta?

- É que, na maioria de suas fotos, você aparece apertando a barriga, num gesto muito parecido com o de meu tio Lalau, que tinha uma úlcera crônica. Mas vamos às perguntas, a primeira com um pouco de provocação: tenho notado que você tem umas ideias estranhas sobre as mulheres...

- Pois é.  A mulher é tão interessante que a diferença entre uma boa e uma má mulher quase não existe. Penso que é difícil amar uma mulher e simultaneamente fazer alguma coisa com juízo.

- E o casamento?

-  Devíamos sempre casar-nos da mesma maneira que se morre: só quando é impossível fazer outra coisa. O que conta para fazer um casamento feliz não é tanto quanto você é compatível, mas como você lida com a incompatibilidade. Quanto ao amor.... bem, amar um homem ou amar uma mulher toda a vida é teimar que uma vela acesa pode arder eternamente.

- Por que você é vegetariano?

- O comer carne é a sobrevivência da maior brutalidade; a mudança para o vegetarianismo é a primeira consequência natural da iluminação. Se o homem aspira sinceramente viver uma vida real, sua primeira decisão deve ser abster-se de comer carne e não matar nenhum animal para comer.

- De onde vem essa maneira de pensar?

- Quando pensei sobre o que ainda é mais terrível que o sofrimento e a morte dos animais: o fato de o homem, sem necessidade, suprimir a suprema susceptibilidade espiritual de sentir compaixão e piedade para com os seres vivos como ele; o fato do homem se tornar cruel violando as leis da Natureza, matando para comer. Um homem pode viver uma vida saudável sem ter que matar animais para comer; portanto, se ele come carne, participa do ato de tirar a vida de uma criatura meramente para saciar seu apetite. E agir dessa maneira é imoral.

Tolstoi e o correspondente da BBCr caminhando pelas dependências da Yasnaya Polyana. "Foto": Sophia Flora

- Com o avanço da Internet e a criação das Redes Sociais, apareceu lá no meu tempo muita gente estúpida. O que devemos fazer? Ignorar essa gente?

- Não. Deve valorizar-se a opinião dos estúpidos: são a maioria.

-  Quer dizer, então, que você concorda com o erro, a mentira?

- Não, absolutamente. O errado não deixa de ser errado só porque a maioria concorda e participa.

- Sendo assim, qual o seu conselho para os internautas?

- Que tenham cuidado com a palavra. A palavra pode unir os homens, a palavra pode também separá-los, a palavra pode servir o amor como pode servir a amizade e o rancor. Livra-te da palavra que pode provocar o ódio.

- Vamos fala de política.

- Todo mundo pensa em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo. Já os governos precisam de exércitos para protegê-los de seus oprimidos e escravizados súditos. Quanto as leis, elas não foram feitas para atender à vontade da maioria, mas sim à vontade daqueles que detêm o poder. O único fim dos tribunais é o de manter a sociedade no seu estado atual.

- E a relação dos ricos com os pobres?

- Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas. Depois, é preciso ter cuidado, pois andam confundindo as coisas, dizendo que é caridade dar centavos com a mão esquerda depois de tirar milhares com a direita.

- O tempo passa e os homens continuam praticando a guerra.

- Será então impossível aos homens viverem em paz neste mundo tão belo debaixo deste incomensurável céu estrelado? Como podem eles, num lugar como este, guardar sentimentos de ódio e de vingança e a ânsia de destruir seus semelhantes? Todo mal que há no coração humano devia desaparecer ao contato com a natureza, essa que é a expressão mais imediata do belo e do bom.

- O clima na Terra anda descontrolado, com muito calor, muita seca, pouca chuva. Lá no Brasil, você precisa ver, a terra anda pegando fogo, literalmente.

- Pois é. Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira.

-  Mudando de assunto. Acredita em predestinação, destino?

- Qualquer que seja ou venha a ser o nosso destino, somos nós que o fazemos, e não nos lamentamos.

- Diante disso, como fica o sofrimento?

- Se não houvesse sofrimento, o homem não conheceria o seu limite, não conheceria a si mesmo.

- Como superar a mágoa provocada pelas decepções?

- Se seu coração é grande, nenhuma ingratidão o machuca, nenhuma indiferença o cansa.

- O que é mais importante: fazer o bem ou praticar a justiça?

- Fico feliz quando posso fazer o bem, mas corrigir uma injustiça é a felicidade suprema. Agora, a alegria de fazer um bem é a única felicidade verdadeira.

- Falando em verdade, como alcançar a liberdade?

- Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência.

- Uai! Lá no Brasil, muita gente pensa diferente: quer uma tal de liberdade de expressão, usando a mentira e correndo da verdade. Mas, voltando ao roteiro: - Uma grande falha das pessoas.

- Falta de respeito. Os homens não têm muito respeito pelos outros porque têm pouco até por si próprios.

- E suas principais virtudes?

- O amor. O homem ama, porque o amor é a essência da sua alma. Por isso não pode deixar de amar.

Ter fé.  Se, por um lado, a única certeza absoluta que o homem tem é que a vida não tem sentido, por outro, a fé é a força da vida. Se o homem vive é porque acredita em alguma coisa.

- Nesse caso, cabe perguntar: na vida, devemos nos guiar pela razão ou pelo sentimento, pela emoção?

- Pretender-se que a vida dos homens seja sempre dirigida pela razão é destruir toda a possibilidade de vida. É no coração do homem que reside o princípio e o fim de todas as coisas.

- Qual o maior bem do ser humano?

- O amor, como o da planta é a luz. O homem ama, porque o amor é a essência da sua alma. Por isso não pode deixar de amar. Por isso, quando alguém morre, podemos dizer a seu respeito: viveu tanto quanto amou.

- Se a felicidade é o objetivo da vida, qual o seu segredo?

- O segredo da felicidade não é fazer sempre o que se quer, mas querer sempre o que se faz. Sua condição essencial é ser humano e dedicado ao trabalho. Pode-se viver uma vida magnífica quando se sabe trabalhar e amar. Trabalhar por aquilo que se ama e amar aquilo em que se trabalha.

- O que representa Deus para você?

- Onde há amor, lá Deus está. Aquele que tem amor está em Deus, e Deus está nele, pois Deus é amor.

- O que passa pela sua cabeça quando pensa na morte?

- O único consolo que sinto ao pensar na inevitabilidade da minha morte é o mesmo que se sente quando o barco está em perigo: encontramo-nos todos na mesma situação. Mas penso também: o Amor é Deus; e a morte significa que uma gota deste Amor deve retornar à sua Fonte. Quando se pensa na morte, a vida tem menos encantos, mas é mais pacífica. É o que penso.

- Muito obrigado, meu amigo.

- Disponha. Um abraço para as pessoas do Brasil.

Etelvaldo Vieira de Melo


4 comentários:

Anônimo disse...

Etelvaldo! Já viagem em OVNIS. Como agora vc me levou a viagem no passado- presente. Frases simples e até corriqueiras, vc as transformou em filosóficas e atuais. Caro cronista. Uma vez eu também viajei e fui encontrar Charles Chaplin. Agora, vc me superou e muito . Visitou e conversou com meu amigo russo. Um abraço, amigo cronista.

Anônimo disse...

Muita emoção mesmo. Os russos (na verdade, Tolstoi, Tchekhov e Dostoievski) certamente estão entre meus escritores mais queridos. Assim, com o passar dos anos, tornei-me amigo de muitos de seus personagens. Estranhas amizades, pois só eu envelheci. Aliocha Karamazov e Piotr Bezukov continuam eternamente jovens...
Paulo Sérgio

Fátima Fonseca disse...

Parabéns, cronista! Prefeito!
Tenho que destacar esta frase: casamento feliz não é tanto quanto você é compatível, mas como você lida com a incompatibilidade.

Anônimo disse...

"Todos pensam em mudar a humanidade, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo." - Liev Tolstói
Abraço! Sophie Flora

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