A VIDA POR UM CELULAR

 

Na tarde daquela segunda-feira, Tertuliano Firgufino foi até um depósito de material de construção, em bairro vizinho, comprar uma emenda de mangueira para que Jovelina Fufucas, sua esposa, pudesse aguar as plantas do quintal de casa.

Chegando ao balcão, o vendedor lhe perguntou o que desejava. Tertuliano não disse nada; simplesmente abriu o fecho da bolsa que trazia ao ombro, retirando dali um pedaço de mangueira. Depois falou:

- Estive aqui semana passada, comprando uma emenda de mangueira. A parte de ¾ deu certinho, mas a de ½ não encaixou de jeito nenhum. Trouxe até um pedaço da mangueira pra você ver.

Dando um suspiro, o vendedor falou:

- Puxa vida! Quando você abriu a bolsa, pensei que ia tirar lá de dentro um trabuco e me dar um tiro no meio da testa! Pensei comigo: - Adeus, Joventino, que você vai bater a caçuleta!

- Pois seria a última coisa que eu iria tirar de dentro da bolsa, uma arma – comentou Tertuliano, rindo bastante.

O vendedor continuou:

- Talvez eu esteja traumatizado com a notícia que vi na TV.

- O que você viu na TV que te deixou todo tremiliquento? – quis saber Tertuliano.

- Um ciclista, em São Paulo, parou sua bicicleta junto ao meio-fio. Enquanto consultava, distraído, o celular, acabou levando um tiro no meio da testa. O ladrão o matou para roubar um celular!

- Que coisa mais horrorosa!

- É por isso que digo: chegou às seis horas da tarde, é tempo da gente se recolher, ficando quietinho em casa.

- Tem razão – ponderou Tertuliano. – Além disso, penso eu, nunca é bom uma pessoa ficar consultando celular na rua. O que acho difícil, já que estamos todos acometidos de aphonosia.

- O que é isso, aphonosia?

- Uma doença terrível, uma compulsão que as pessoas adquirem de tanto manusearem um celular. Já vi caso em que uma pessoa começou a suar frio, a ter convulsão e vertigem, tudo porque estava sem celular. Só quando colocaram um em suas mãos é que ela se acalmou.

- Como as pessoas não desgrudam de seus celulares, os ladrões deitam e rolam – falou o vendedor, ele mesmo sofrendo um calafrio.

- Falando em coisa ruim, ficou sabendo daquele jovem de 17 anos do Rio de Janeiro, que ateou fogo num homem em situação de rua?

- Não, essa aí eu não sei.

- Parece que o jovem participa de um grupo de Internet, onde usa o codinome de “Eu Odeio Favela”; também participa de outras comunidades de cunho nazista.  Diz a notícia que ele fez uma aposta para ganhar R$2 mil.  Daí, pediu para um amigo gravar a cena dele atirando dois coquetéis Molotov num homem que dormia sob uma marquise. A gravação foi transmitida ao vivo por um aplicativo de troca de mensagens muito popular entre jovens, também usado para propagação do ódio.  Fez muito sucesso, gerando muitos “likes”.

- É, meu amigo – concluiu o vendedor, passando a mão sobre sua cabeça calva e reluzente: - Fico pensando o que rola nessas redes e aplicativos. Definitivamente, não sei onde vamos parar. O celular, essa caixinha venenosa, é certo que trouxe muita coisa boa, mas também tirou do “armário” muita coisa ruim e perigosa, que se espalha feito tiririca.

- Na década de 50, o Brasil, especialmente o Planalto Central, foi infestado por formigas saúvas. Daí, surgiu o ditado: “Ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil”. Parodiando esta frase, ouso dizer: - Ou o Brasil regulamenta as redes sociais ou as redes sociais acabam destruindo o Brasil.

Etelvaldo Vieira de Melo


1 comentários:

Fátima Fonseca disse...

É uma realidade!
Importante reflexão.
Parabéns, cronista!

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