EM TODA AÇÃO HÁ UMA OCULTA RAZÃO
Tudo começa quando Ingenaldo
procura Cinisvaldo para falar de seu entusiasmo diante da política de
desoneração fiscal do governo, com a redução de IPI dos automóveis. Eles estão
sentados à mesa de um bar, tomando um suco aparentemente natural. Ali perto,
numa das mais tradicionais avenidas da cidade, motosserras derrubam galhos de
centenárias árvores.
- Está bem – falou
Cinisvaldo, com voz cansada. – Não quero manchar sua inocência com palavras
pessimistas. Entretanto, é bom que você se lembre das recomendações de Marina
Silva, aquela ambientalista e que foi candidata à presidenta (...) do Brasil,
de que devemos desconfiar de políticos e empresários, quando superfaturam seus
pedidos e, depois, dando de bonzinhos, chegam ao valor pretendido realmente.
- Você está querendo dizer,
Cinisvaldo, que devemos nos cercar de desconfiança diante de qualquer ato de
benevolência, pois sempre esconde um fundo de maldade?
- É assim que tudo acontece,
Ingenaldo, procura limpar sempre seus óculos azuis e seus olhos. Vez por outra,
o governo faz um agrado para com as montadoras de automóveis, reduzindo o valor
do IPI. Analisando, ainda que superficialmente, não é grande coisa esse agrado do
governo: é como fechar uma torneira, sabendo que outras permanecem abertas e
com maior vazão d’água. No frigir dos ovos, a mesma quantidade será despendida
para se fazer a omelete.
- Francamente, eu não
entendi. Você quer dizer que não é uma boa ação do governo?
- Não entendeu? Vou me
servir de exemplos, para que você tenha maior compreensão. Em termos absolutos,
o Ministério da Fazenda, quando do anúncio da medida de redução do IPI, previu
uma “renúncia fiscal” de R$1,2 bilhão. Dados, depois apresentados, falam que a
desoneração dos automóveis totalizou 2,8 bilhões em 2012.
- Seguindo seu brilhante
raciocínio, essa é a torneira que está sendo fechada. E as que permanecem
abertas?
- Projeções de 2012, indicam
um total de 3,27 milhões de veículos fabricados no Brasil. Esse número
representa um aumento substancial em relação aos anos anteriores, o que irá
“engordar” outras receitas do governo. Assim é que a estimativa de arrecadação
de IPVA em Minas Gerais em 2013 é de R$3,02 bilhões, um aumento de R$250
milhões em relação a 2012. Para entender o tamanho do bolo chamado IPVA,
comparado à fatia de renúncia do governo federal, somente o Estado de São Paulo
arrecadou de IPVA em 2012 cerca de R$11,37 bilhões; o Brasil atingiu o patamar
de R$26,91 bilhões.
- Os números realmente
impressionam. Mas você dispõe de dados sobre as multas?
- Ótima pergunta, Ingenaldo.
Quando pesquisei sobre o tema, encontrei facilmente os valores cobrados sobre
infrações, além dos pontos perdidos. Mas, quando quis saber sobre o quanto os
governos estaduais e municipais arrecadam com as multas, tudo ficou envolto em
mistério. O único Estado da Federação que divulga dados a respeito é o de Santa
Catarina. Em Minas Gerais, tomei conhecimento de um Projeto de Lei 700/11, que
determina que o Detran divulgue, trimestralmente, sua arrecadação com
infrações; o projeto teve parecer aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça
da Assembleia Legislativa em 13/03/12. E é só isso que consegui através dos
dados oficiais. Estimativas dão conta de
que a arrecadação com multas de trânsito, só na cidade de São Paulo, será de
quase R$1 bilhão em 2013. Em Belo Horizonte, a previsão de arrecadação em
multas de trânsito no ano de 2012 era de cerca de R$20 milhões, dinheiro
repassado aos cofres das polícias civil e militar do Estado. Na cidade de São
Paulo, dados de agosto de 2012 apontavam que um motorista era multado a cada 6
segundos.
No Brasil, o automóvel se
tornou uma mina de ouro para uns poucos. Além de seu valor astronômico, estando
nu, já que seus acessórios são cobrados à parte, ainda gera perdas e dividendos
por meio de IPVA, taxa de emplacamento, taxa de licenciamento, seguros, multas
de trânsito (muitas vezes á custa de pegadinhas), rotativos e flanelinhas, estacionamento,
pedágio, sem contar os mecânicos com suas “rebimbocas da parafuseta”. Por tudo
isso, não seria mais que obrigação das prefeituras, dos Estados e de órgãos
federais enviarem, por ocasião das festas de final de ano, cartões aos
proprietários de veículos com dizeres mais ou menos assim: “Muito obrigado.
Esperamos continuar contando com você no próximo ano.”
- Para mostrar que não sou
tão ingênuo assim – falou Ingenaldo, com um sorriso amargo: - O resumo da ópera
é que saem ganhando governo e empresários, enquanto a população é penalizada
com um trânsito cada vez mais caótico, engavetamentos constantes, poluição
sonora e ambiental, custos adicionais com taxas de estacionamento e de
despachantes, junto aos burocráticos, ineficientes e corrompidos Detrans. Li em
algum lugar que, em grande parte da Europa, o transporte por trem e metrô prima
pela qualidade e eficiência. Na Itália, que coisa, o transporte de trem é administrado
por empresa estatal, e funciona! Paris dispõe de uma estação de metrô a cada
500 metros!
- Parabéns, Ingenaldo –
falou Cinisvaldo com um tom de admiração. – Não é por nada que somos grandes
amigos! Mas eu gostaria de concluir essa nossa conversa. Parece que não é de
interesse das autoridades e de ninguém que está do outro lado do rio uma
efetiva solução para o problema de trânsito. Ainda, de forma sádica, as
revendas exercem uma pressão psicológica sobre possíveis compradores, usando de
uma frase ameaçadora: “Aproveitem! Últimos dias de IPI reduzido!” É isso que a
publicidade fica gritando em nossos ouvidos. No Brasil, parece que governos e
políticos são reféns das montadoras que, quando perdem um centavo de seus
exorbitantes lucros, ameaçam com demissões, elas que foram beneficiadas com
isenções quando aqui se instalaram, sendo que uma delas teve até lucro sem
estar operando, simplesmente aplicando no mercado financeiro parte dos
investimentos do governo. É estranho ver como o trânsito nas cidades caminha a
passos largos para uma situação caótica e de difícil conserto. Desse jeito, não
demora o dia em que as pessoas terão que ficar em suas casas, porque as ruas,
desnudas de árvores e cobertas de asfalto, estarão abarrotadas de automóveis...
vazios!
Nota Complementar:
Um ex-amigo disse, certa
vez, que ninguém se aproxima da gente sem segundas intenções. Tem ele razão em assim pensar? O presente
texto parece dizer que sim: o que escrevi foi, em grande parte – mas não na
totalidade -, motivado pela perspectiva de que já estou tendo o direito da
gratuidade no transporte coletivo.
Usando de uma expressão
portuguesa – “puxando a brasa à minha sardinha” -, deixo claro o teor de minha
oculta intenção: vamos salvar o transporte coletivo. Se houvesse um transporte
coletivo eficiente de trens, metrôs e ônibus, não haveria necessidade de tantos
automóveis tentando circular pelas ruas da cidade. E o governo não teria que
gastar tanto com desapropriações, derrubada de árvores, alargamento de ruas e
avenidas, construções de pontes, viadutos, túneis, passarelas. Tudo iria fluir
melhor, o tempo seria melhor aproveitado, as pessoas iriam se aproximar mais
umas das outras, viveriam menos estressadas, haveria mais calor humano e menos
poluição! Podem ter certeza, anotem isso aí, as pessoas iriam ser mais felizes.
Menos automóveis, mais transportes coletivos! Quem sabe, poderemos ainda contar
com os ônibus elétricos e os bondes desfilando por avenidas arborizadas e
floridas. Seria chique demais, já imaginou?
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
Etevaldo, seus amigos, Cinisvaldo e Ingenaldo (vocês são parentes?) estão certos nesta peroração. U m economista disse: não há almoço de graça. Alguém paga a conta. É um descalabro a cobrança de impostos no Brasil e a inoperância de sua utilização. Quanto às multas: fiquei num ônibus parado a 25 km da cidade porque o parabrisa trincou e ele não podia dirigir assim. Era proibido. Lugares civilizados seguem leis. Ô, Ingenaldo, digo Etevaldo, você quer que aqui sigam leis? Sempre digo aos jovens abaixo dos 30 anos: caiam fora daqui.
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