TEORIA DO DOMÍNIO FINAL DO CHAVÃO
Olhando
a olho nu para o termo, sem os recursos tecnológicos e microscópicos da
etimologia, da semiótica, linguística ou outros bichos da ciência da linguagem,
“chavão” parece ser um objeto de grandes proporções, capaz de abrir portas
sólidas, pesadas, robustas. Sugere também tratar-se de uma chave que serve para
vários tipos de fechaduras.
Assim
sendo, por analogia, o chavão se presta a várias situações, desde servir como
um “Abre-te, sésamo” de Ali Babá, até de ser usado como justificativa para algo
que ainda não encontrou uma explicação racional, por mínima ou razoável que
seja.
Como
se vê, o chavão vem a ser aquele argumento, aquela ideia ou expressão tão
conhecida e repisada, que acaba virando clichê; quando cai no gosto da plebe,
vira dito popular. Como o próprio ditado explica: água mole em pedra dura,
tanto bate, até que fura... ou a água acaba.
Certos
chavões, na qualidade de ditos populares, precisam ser reescritos ou revistos. Certa
vez, em uma viagem, tive problemas mecânicos com o carro, que foi encaminhado
para uma oficina, enquanto eu ia pernoitar em determinada cidade. Lá no hotel,
o recepcionista quase não fez exigência, pois foi logo explicando:
-
Você é uma pessoa legal.
-
Como você sabe que sou uma pessoa boa? – perguntei, curioso.
-
Ora – retrucou o rapaz, dando uma boa risada, - está na sua cara que você é um
sujeito bacana.
Aquilo
me deixou muito envaidecido, já que eu estava contrariando frontalmente aquela
máxima popular de que “quem vê cara, não vê coração”. Hoje em dia, por causa
das plásticas e do botox, tornam-se até mesmo algo incompreensível esses versos
de Raimundo Correia: “Se a cólera que
espuma, a dor que mora / N’alma e destrói cada ilusão que nasce / Tudo o que
punge, tudo o que devora / O coração no rosto se estampasse”. Em tempo, a
cirurgia plástica tem dificultado a linguagem da expressão corporal, tornando
por demais verdadeiro esse chavão de que “quem vê cara, não vê coração”,
deixando como alternativa esse outro, “os olhos são o espelho da alma”, desde
que o referido não use lentes de contato coloridas.
Tempos
não tanto atrás, atravessamos a turbulência de um período eleitoral, com as
ruas e as caixas de correio infestadas de “santinhos”, as calçadas entupidas de
cavaletes, os ouvidos tendo que suportar a poluição sonora de carros de som,
vomitando pelas ruas os bordões, os clichês e slogans de candidatos. Ah, que
saudade de tempos outros em que as propagandas eram feitas através de cartazes fixados
em postes! Não havia essa profusão de cavaletes disputando espaço com
transeuntes nas calçadas, “santinhos” entupindo as caixas de correio e até
mesmo provocando acidentes fatais, carros de som ferindo nossos ouvidos com
promessas demagógicas. Os postes deixavam de ser alvo preferencial de cães
vira-latas e passavam a ser disputados a tapas por pretendentes aos cargos
eletivos. (Havia um que se tornou conhecido como “João do Poste”. A cada quatro
anos, lá estava ele, com a mesma fisionomia e o mesmo sorriso, pregado nos
postes da cidade.) Para eles, os postes, ficava o dilema existencial de saber quem
lhes tinha maior afeição: se o cão no ato de mijar, se o político em véspera de
eleição. Falo de eleição porque é nesse período que pululam os chavões da
política: “Vote consciente, o Brasil merece!” “O destino do país está em suas
mãos!”
Já
disse uma vez e volto a repetir: nosso sistema político é jogo de cartas
marcadas, que filhos recebem dos pais, quem está fora dificilmente entra, quem
está dentro dificilmente sai. Nesse jogo, vale o poder do dinheiro, os
conchavos a troco de perdão, a voz do povo sendo manipulada através de pesquisa
marcada, que quase dispensa eleição. E chamam isso de democracia! E falam que o
povo merece os representantes que tem. Como se fosse dada a ele a possibilidade
de um voto consciente, com candidatos paraquedistas e um horário eleitoral
ridículo. Em resumo, o povo faz milagre quando deixa de escolher o menos ruim,
se é que pode existir alguma coisa que preste nesse “sistema” em que estamos
confinados.
Em
meio a tanto foguetório, o STF soltou um petardo que bem poderia ser usado em
Copacabana, por ocasião do Réveillon. Tudo aconteceu durante o julgamento da
protelada Ação Penal 470, afetuosamente apelidada de Mensalão.
Todo
mundo sabe, sabendo eu menos que todo mundo, que uma tal de Teoria do Domínio
do Fato foi usada para a condenação de certas pessoas. Sem provas materiais, os
réus foram condenados com base em evidentes evidências.
Não
sou juiz, não estou aqui para condenar ou absolver ninguém. Só espero, como
cidadão, que a Justiça deixe de ser cega, abra bem os olhos e pare de correr
atrás das “arraias miúdas" ou de determinadas espécies de peixes, que ela
possa também atingir tubarões e aqueles apadrinhados por uma elite que parece
odiar o povo. Espero que essa tal de TDF não se torne mais um chavão a ser
usado para atender as conveniências de quem quer que seja!
Como
cidadão, quero estar feliz com meu país, sentir orgulho da classe política,
vendo o Bem Comum sendo colocado acima de interesses pessoais e corporativos,
os jornais já não sendo invadidos por enxurradas de notícias de corrupção e de
mau uso de dinheiro público; quero me orgulhar com o nosso sistema judiciário,
não mais permitindo que bandidos sejam beneficiados por habeas corpus e indultos,
a justiça prevalecendo para todos. É simples o que desejo, porque é o certo.
Isso é um sonho, uma utopia? Pode ser, mas as pessoas que cuidam do bem público
têm maior visibilidade, elas são referências, espelhos para as outras. È bom
que elas deem exemplo, um bom exemplo. Como diz um chavão e que deveria ser
preservado: se todos cuidassem de varrer a porta de suas casas, a rua ficaria
limpa. O povo deve ser educado para isso e as pessoas públicas são os
professores responsáveis por ensinar essa lição, com palavras e exemplos de
vida.
Etelvaldo Vieira de Melo
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