COVARDE? NÃO! SÓ UM POUQUINHO MEDROSO...
Para Sandra, companheira nestas aventuras e na vida, que - num dia 8 de abril - tornou o mundo ainda mais florido.
Houve um tempo em que cavalo fazia a vez de automóvel. Parece que, já então, acontecia problema de estacionamento, se for para dar crédito ao dito “onde fui amarrar a minha égua”.
Pensando bem, ao mesmo tempo em que presto ajuda
a todos aqueles desconhecedores dessa espécie animal, a dos equinos, vejo que a
expressão nada mais representa do que você, de repente, perceber que tomou uma
decisão errada e não sabe como resolvê-la de forma satisfatória. Quanto aos
cavalos e éguas, a preocupação procede, pois vivemos numa civilização urbana e
muitos animais nos são desconhecidos. Minha filha, por exemplo, ainda menina, ficou
traumatizada e quase teve que fazer tratamento psiquiátrico, quando viu uma
vaca e ficou sabendo que era dali que vinha o tão adorável leite de sua
mamadeira. Nem quis saber: seu leite tinha que ser o da caixinha. Também tive
um pretendente a namorado que, visitando o sítio onde eu morava e tentando ser
agradável com meu pai, perguntou-lhe, apontando para um boi, como se fazia para
tirar dali o leite.
Veja você como tudo deve ser explicado com
detalhes, quando uma comunicação é estabelecida entre duas pessoas. Tenho um
primo que teve uma adolescência muito perturbada. Na escola, vivia causando dificuldades
aos professores. Até o dia em que foi chamado à sala do diretor:
- Os professores pediram para que eu lhe
dissesse que você é um jovem auto-suficiente, indiferente, um energúmeno,
tetrápode e revoltado – o diretor leu de um papel.
O jovem se assustou com tantos termos
desconhecidos, não sabendo definir se eram palavras de elogio, de crítica ou se
tudo aquilo queria esconder uma doença contagiosa e incurável.
- Pode ficar tranquilo quanto à questão de
doença; quanto ao resto, nem mesmo sei o que quer dizer – tentou explicar o
diretor. – Mas foram essas as palavras que eles usaram.
- Meu primo saiu da sala, assim meio preocupado,
meio satisfeito. A partir de então, seu comportamento tornou-se melhor,
entendendo ele que as palavras dos professores tinham sido elogiosas. É por
essa e outras que a gente vê como a escola exerce um papel tão relevante em
nossa formação moral, cultural e social.
Quanto ao ditado “onde fui amarrar a minha
égua”, ele me ocorre com a lembrança de meu marido e dois fatos, um ocorrido
quando éramos noivos e, o outro, quando nossa filha estava com cinco anos.
Tínhamos um carro Gol da Volkswagen, um modelo
antigo com dois carburadores e só um mecânico era capaz de regulá-los, isto é,
colocá-los no ponto. Resumindo, era uma porcaria de carro. Foi nesse carro que
fizemos uma viagem de férias, eu como motorista, já que meu marido não dirige.
Na volta, ao cruzarmos por uma carroça, senti um cheiro de vela. Olhei para o
capô do carro e percebi que saía fumaça. Levei o carro até o acostamento.
Estava um pouco assustada, já que minha filha estava no banco de trás e eu
senti que algo de ruim estava acontecendo. Quando parei o carro, quis falar pro
meu marido para que tirasse a nossa filha, mas vi com espanto que ele já não se
encontrava dentro do carro: estava a uns trinta metros de distância!
Felizmente, nada de mais grave aconteceu, a não ser o susto com a fumaça e a
tampa do radiador indo para os ares. Para não dizer outra coisa, falei pro meu
marido:
- Impressionante seu instinto de sobrevivência!
Não pensou duas vezes em nos deixar sozinhas, eu e sua filha, enquanto
procurava salvar a sua pele!
A outra vez aconteceu quando ainda estávamos
namorando. Ele havia construído uma casa em um bairro afastado e o acesso era
feito através de ônibus, que tinha ponto em local um pouco distante. Ele me
mostrou a casa, já praticamente pronta, estando inclusive mobiliada. Tudo
aquilo mostrava a seriedade de seus propósitos, o que me deixava alegre e envaidecida.
Estávamos já de saída quando o tempo fechou por completo, relâmpagos cortavam
os ares, acompanhados de trovões assustadores. Quando comecei a subir a rua,
pois a casa estava construída numa descida, procurei pelo meu namorado e ele já
estava lá em cima, já na outra rua em direção ao ônibus.
Foi, então, que eu pensei com meus botões: “Onde
estou indo amarrar minha égua?”. Pensei, fugazmente, que talvez eu iria me
casar com um covardezinho. Só que, depois, ele me explicou que não se tratava
de covardia, mas de um pequeno receio, um pouquinho de medo, coisa à toa. Ele
me falou também de seus traumas de infância, quando as chuvas invadiam sua casa
lá no interior, pobre e desprotegida, o vento ameaçando arrancar o telhado, as
goteiras, a reza do terço, um rosário em formato de “eme” disposto sobre a
mesa, a vela acesa por intercessão de São Jerônimo e Santa Bárbara, as peneiras
atrás das portas para aparar o vento, os raios e trovões fazendo com que se
escondesse debaixo da cama... Bom, com tantos esclarecimentos, acabei me
casando com ele, porque, quando tudo é explicado, fica mais fácil entender.
Etelvaldo Vieira de Melo
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