SHAZAM! BRRR BOOOM!

Todo domingo, a antiga sala de cinema da cidade onde nasci exibia um seriado como antepasto, aperitivo ou tira-gosto – que não julguem os apressadinhos estar eu colocando alguém na categoria dos equinos – para a película principal. O seriado, ao mesmo tempo em que dava solução a um determinado caso, deixava um suspense para a semana seguinte, muitas vezes fazendo com que os dias se arrastassem em agonia insuportável.

Entre os vários seriados que acompanhei, lembro-me bem de um chamado Capitão Marvel. Contava a história de jovem, adolescente quase, que, diante de uma situação de perigo, procurava o isolamento de determinada rua deserta e, ali, transfigurava-se, tornando-se um super-herói. O nome do jovem era Billy Batson. Quando falava o nome “Shazam”, era instantaneamente atingido por um raio, enquanto ecoava um trovão, Brrr Booom! Então, ele assumia uma forma adulta de herói, com poderes sobre-humanos, fazendo com que a bandidagem recebesse o merecido castigo. Entretanto, no final da apresentação, lá estava o Capitão Marvel amarrado sobre um trilho e uma máquina a vapor se aproximando velozmente, enquanto a pergunta, que não queria calar, ficava estampada na tela: Terá o nosso herói condições de se libertar das amarras antes de ser atingido pelo trem? Aguardem até a próxima semana...

Várias situações contemporâneas remetem a esse seriado, isso porque tanto ele como aquelas lidam com o inconsciente coletivo, sacralizam o profano, colocam o ser humano em confronto com o sobrenatural, o mítico e suas simbologias.

Assim, temos o sacerdote, sua batina e paramentos, em uma celebração litúrgica; assim, temos os juízes e suas togas, em sessões do Judiciário; também isso acontece, quando da cerimônia de casamento, a noiva se paramenta de vestido branco, véu e grinalda, o noivo se reveste com um terno e, ali, diante do celebrante e das testemunhas, trocam alianças, juram fidelidade.

São tantos ritos no dia a dia que, fizessem efeito do Shazam e seu Brrr Booom, a Terra seria energizada com profusão de raios, enquanto os cães seriam acometidos de loucura, frente ao barulho ensurdecedor dos trovões.

Quando o homem branco invadiu as terras indígenas, o conflito tornou-se frequente. Pela tela do cinema, vimos inúmeras vezes os índios se paramentando para a guerra, com cantos e danças, depois de haverem pintado os rostos com tintas vermelhas. Estava ali um grito de Shazam.

Outro grito de Shazam ocorre hoje, quando moças se preparam para aquelas saídas de fim de semana. Elas se despem de sua beleza natural, vão ao banheiro e, depois, trancam-se no quarto. Lá de fora, ouvimos o Brrr Boom de trovão, sinalizado por secador de cabelo em atuação desesperada, imaginamos o espelho quase se desmanchando diante de tantos olhares incisivos, preocupados, sérios, enviesados, perfilados, sorridentes, lacrimejantes, estudados. Uma porta do guarda-roupa bate aqui, slam, outra bate ali, blam, ouvimos arrastar de cadeira, parece que o mundo está desabando dentro daquele quarto. De repente, depois de um tempo que parece século, eis que a porta se abre e surge... oops! mas quem é aquela figura? Será que estou sendo vítima de ilusionismo? Não foi uma determinada moça bonita que aí entrou? Por que, então, está surgindo esse monstrengo? Assustado, quase saio correndo; a garota, entretanto, está se sentindo muito bem, com sua maquiagem carregada, equilibrando-se em seus sapatos altíssimos. Afinal, ela se transfigurou, tornou-se a Mulher Maravilha e está indo em busca de uma aventura emocionante.

Em casa, fico torcendo para que a aventura daquele dia tenha um final feliz, que a Mulher Maravilha não termine amarrada sobre um viaduto dinamitado e pronto a explodir! Meu coração já não suporta tantas emoções!
Etelvaldo Vieira de Melo 
             

4 comentários:

´Mário Cleber disse...

E a Mulher Maravilha vai se apaixonar pelo Capitão Márvel.

Anônimo disse...

Cadê o Capitão Marvel? Bom texto, papai!
Júlia Melo

Anônimo disse...

Deu uma nostalgia danada , a sua crônica. É a saudade da terra Natal, os tempos de infância que não voltam mais... Santo Antônio do Amparo - mg é um quadro pendurado na parede de meu quarto, vivo em minha memória em uma terra distante.Vicente

Anônimo disse...

Divertida crônica! Esta aí a busca humana de mostrar-se melhor.. que perpassa seus ritos, simbologias, fantasias...buscando sempre o melhor capítulo para sua história de vida.

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