SONDAGEM DA BOA FÉ E DA IGNORÂNCIA DO POVO
Dizem que a vida é “uma
sucessão de fatos sucedidos sucessivamente”. Como vivemos em sociedade, alguns
fatos nos provocam profunda indignação, mas logo caem no esquecimento porque
outros fatos aparecem para chamar nossa atenção. Daí, a justificativa para o
ditado que diz “não há nada como um dia após o outro”; daí, a sabedoria dos
políticos, que aprontam todas ao longo de seus mandatos e deixam uma pequena
benesse para o finzinho, sabendo que “a última impressão é a que fica”.
Mal sabem os políticos, como
todos aqueles que aprontam coisas erradas: “existem verdades e perguntas que
não querem calar”. E existem pessoas dispostas a perenizar sua indignação
diante dos desmandos e injustiças.
Pouco antes das últimas eleições municipais,
observei que haviam sido colocados dois tapumes na Estação Rodoviária da
cidade, um na plataforma de desembarque e outro no piso superior, antes do
estacionamento. Na verdade, eram duas estruturas fechadas, possibilitando o
vislumbre de uma máquina de sonda ou qualquer coisa que seja. Cartazes afixados
em cavaletes não deixavam margem à dúvida: tratava-se de uma máquina de
sondagem e estava ali para sondar (!) as condições do terreno, em vista da
construção de um metrô. E o cartaz quase gritava, fazendo os olhos dos
passantes brilharem: “O Metrô é a Solução!”
Se existe uma palavra
estimada pelo povo mineiro, essa palavra é “trem”. Como registrou o poeta Jorge
Fernando dos Santos, “todo mineiro tem um trem de ferro apitando nas veias, uma
montanha brilhando nos olhos e uma banda tocando nos ouvidos”.
A banda era possível por
causa dos coretos, que já não existem mais, das cidades interioranas. Quanto ao
trem, de tanto o termo ser usado e abusado, acabamos sem o legítimo de fato.
Havia a RMV que, com a onda das privatizações, passou para a iniciativa
privada, deixando de transportar passageiros para cuidar de levar aos portos os
minérios de nossas montanhas. Aparentemente, os entornos da capital parecem ser
montanhosos, mas não passam de uma casca de ovo: todos os dias,
caminhões-caçamba, quais formigas ceifadeiras, partem daí em fila indiana rumo
ao mar e a outras paragens.
O governo, não querendo ser
lembrado pela posteridade como um autêntico larápio, deixou um pedacinho de
linha, transformado e batizado como metrô. Só que ninguém engoliu isso
totalmente. Metrô é trem que se afunda na terra, cortando caminhos
subterrâneos. O nosso é denominado metrô de superfície, numa afronta para com
um povo que sabe muito bem o que é isso e o que é aquilo. E aquilo não é metrô
nem aqui, nem na China.
Com a proximidade da Copa do
Mundo de Futebol e com um trânsito caótico como o que temos, é até possível que
um metrô de fato seja construído, mesmo sendo de dimensões reduzidas, de modo
que, quando se pensa que ele está indo, estará na verdade voltando. Não faz mal,
pois irá amenizar um pouco nosso sofrido complexo, nós que já sofremos tanto
com a falta do mar.
Agora, aquela pergunta que
não quer calar. E se o governo está fazendo isso para enganar trouxas, para
amealhar votos, numa sondagem da ingenuidade do povo mineiro? Acredito que vai se dar mal: quem agir assim, estará morto
politicamente, per omnia saecula saeculorum. Não se usa de maneira leviana e inconsequente
uma palavra, objeto da mais alta estima e consideração.Tamanha indecência
poderá ocasionar uma nova Inconfidência Mineira, onde estaremos brigando na
defesa de nosso ouro, o nosso “trem”.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Sou mineiro,uai,e não abro mão das montanhas, do coreto e do trem. Belo texto que traduz não só a situação caótica da mobilidade em nossa capital, mas em todo nosso querido e "pobre" Brasil. Aquele "trem" que fura buraco e anda debaixo da terra como tatu, seria uma boa opção, pois não disputaria mais espaço na superfície. Etelvaldo, esta sua crônica deveria ser transcrita em outdoor, com letras garrafais, para ser lida , digerida e produtiva por tantos responsáveis ,míopes ou cegos , pela coisa pública. Parabéns pela sua sensibilidade política e pelo excelente labor literário. Vicente
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