Em homenagem
às enciclopédias Britânica, Barsa e Wikipédia
Se eu não
fosse uma pessoa tão tímida, tão acanhada, retraída, tão introvertida, tão
medrosa de me aproximar dos outros, tão insegura de expor publicamente meus
pensamentos, tão meticulosa no trato das palavras, se eu não fosse nada disso,
eu até ousaria dizer algo que anda me incomodando e que, acredito, pode
interessar a mais alguém.
Observo que,
na vida, as pessoas passam por experiências semelhantes, poucos são aquelas que
vivenciam o inusitado, o extraordinário. Apelando para razões matemáticas,
vamos dizer que 50 seriam aquelas situações básicas pelas quais todos passam (e
olha que posso estar sendo generoso com esse número!). Sendo assim, por que não
elaborar um catálogo com uma súmula de especialistas sobre cada tema?
Considerando a existência de diversidade cultural, o arranjo poderia ser feito
por países. Depois, quem sabe, poderia ser constituído um guia universal.
Escolhido um
tema, deveríamos, primeiro, delimitá-lo através de um termo que seja
consensual, ou seja, que todos o entendam da mesma maneira. Muitos desacordos
entre as pessoas decorrem precisamente disso: empregam o mesmo termo para
designar conceitos diferentes ou usam de termos diferentes mas que expressam um
mesmo conceito. A título de exemplo, analisemos a seguinte declaração de uma
atriz de TV, aos 70 anos: “Tenho
vivacidade sexual fora do normal”. Esta forma rebuscada de expressão pode
ser traduzida por: “Eu sou uma
ninfomaníaca”, ou: “Eu sou uma tarada”.
Se as três formas traduzem o mesmo conceito, por que a dita atriz haveria de
ficar indignada, caso eu chegasse até ela e dissesse: “Você é uma tarada”? É bem provável que ela me processe e exija uma
polpuda indenização por calúnia e danos morais, recurso, aliás, frequentemente
empregado por outra personagem da TV que, pelo histórico de vida, faz lembrar o
título daquele filme Klute - o Passado
Condena.
Delimitado o
tema através de um termo consensual, deveríamos, em seguida, enumerar aquelas
pessoas que o trataram com mais propriedade. Depois, suas ideias seriam
confrontadas, as arestas aparadas, sendo mantido o denominador comum. Em caso
de divergência total, iríamos buscar, numa acareação, aquilo que seria o
substrato, a essência possível.
A título de
exemplo, analisemos o tema “Amor”. O que salta aos olhos é que se desperdiça
tempo demais com ele. As pessoas tentam entendê-lo, mas se perdem diante de
tantas opiniões dispersivas e contraditórias a respeito.
O que
fazer? Vamos agrupar duas ou três
opiniões sensatas sobre o assunto e tentar estabelecer um denominador comum.
Vinícius de
Moraes e Artur da Távola são ambos cariocas e mais ou menos contemporâneos. O
primeiro nasceu em 19 de outubro de 1913, falecendo em 9 de julho de 1980;
Artur nasceu em 3 de janeiro de 1936 e faleceu em 9 de maio de 2008.
No Soneto da
Fidelidade, Vinícius declama:
“E tudo, ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e
sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais
meus pensamentos / Quero vivê-lo em cada vão momento / E em seu louvor hei de
espalhar meu canto / E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar ou seu
contentamento / E assim quando mais tarde me procure / Quem sabe a morte,
angústia de quem vive / Quem sabe a solidão, fim de quem ama / Eu possa me
dizer do amor (que tive) / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que
seja infinito enquanto dure.”
Está aí a opinião de um
expert no assunto, ele que se casou por nove vezes. Em resumo, ele diz que o
amor é uma chama passageira, infinita enquanto dura.
Traduzindo, para
uma linguagem matemática, temos: A = P
(1) (A de Amor e P de Paixão).
Para Artur da
Távola, “O amor é um começo pelo fim, no qual o meio vem sempre
depois com as suas insuperáveis leis. Por isso, corre mais rápido do que as veredas que estão no seu caminho. A vivência de amor é difícil e dolorosa porque significa voltar, depois de ter chegado ao fim, ao auge, ao máximo... É
quando o amor deixa de ser muito bom, para ser mútuo bom. E o amor só é mútuo bom quando, depois de ter chegado ao máximo (no sentido de ápice, extremo), volta-se sobre si mesmo num refluxo enriquecedor.”
Segundo esse
amorólogo, o amor começa (ou não) ao fim da paixão. Para ele, A ≠ P > A = -P (2) (-P como não-Paixão).
Juntando as duas
equações (1) + (2) = P + (-P) = 0.
Conclusões
possíveis do confronto entre as ideias de Vinícius de Moraes e Artur da Távola
sobre o Amor:
1ª) Enquanto
estavam vivos, deveriam passar por uma acareação. Agora, “a Inês é morta”;
2ª) O amor não
existe;
3ª) O amor
existe, mas não pode ser reduzido a fórmula matemática.
De forma
objetiva, concisa e precisa, prevalece a segunda alternativa: O amor não existe
(isto caso opte pela declaração simplificada, com dedução de 50%, entre as opiniões
de Vinícius e de Artur; você também pode optar pela 3ª alternativa, caso
declare em formulário completo).
PS (Post-scriptum,
e não PlayStation): Andei fazendo certa confusão entre o tema e minhas
obrigações para com o fisco. A propósito, o símbolo da Receita Federal deveria
ser a Onça, e não o Leão. Além de homenagear um legítimo representante da fauna
brasileira, esse é um animal de muita afinidade com determinada categoria de
cidadãos.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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