NOME, PRONOME, SOBRENOME

 No belo poema “Minha História”, Chico Buarque fala de um amor bandido onde a mulher, após ser abandonada pelo amante, fica “com o olhar cada dia mais longe, parada, pregada na pedra do porto”. Quando, enfim, nasce o bebê, não se sabe se por ironia ou por amor, resolve chamá-lo com o nome do Nosso Senhor. E a história do personagem passa a ser esse nome que carrega consigo.
O nome é algo tão pessoal, íntimo, que só deveríamos dizê-lo para as pessoas próximas, como fazem os orientais. Em muitos países, acredita-se que saber o nome de uma pessoa é ter um domínio sobre ela.
Creio que não existe sangue oriental correndo em minhas artérias e veias, mas concordo com essa reverência ao nome. Ele expressa nossa individualidade, ele nos identifica como seres únicos e originais. Como a sociedade moderna evoluiu para os grandes centros urbanos, intensas transformações e o rompimento com valores tradicionais geram o que especialistas chamam de anomia, que é a desintegração das normas sociais. Esse estado anômico, de contradição entre as normas sociais e de ausência de valores, com certeza, é uma das matrizes das manifestações e passeatas ocorridas em cidades do Brasil durante o mês de junho de 2013. Outra consequência da concentração em grandes centros urbanos é o anonimato, que é a perda do nome, da assinatura própria, com a identidade ficando escondida. Hoje, o nome perdeu a sua razão de ser e as pessoas passaram a ser identificadas por números: os do CPF, do RG, do Cartão de Crédito, da Conta Bancária, do número do apartamento. Daí, a solidão corroendo a vida das pessoas e só indo embora quando elas são identificadas pelo nome, quando re-conhecidas.
Sempre procuro designar com os nomes as pessoas de minhas relações, mesmo aquelas estritamente profissionais. Quando sou atendido por alguém, minha primeira preocupação é saber “qual é mesmo o seu nome?”. Agindo assim, espero estar confrontando o sistema, tornando as comunicações mais humanas.  
O nome da mãe de minha parceira de blog era Maria das Dores. Ela diz que foi o maior sofrimento carregá-lo pela vida. Quando se casou, tratou logo de jogar as Dores fora. Quando nasceu uma filha, quis, pelo nome, que tudo lhe fosse diferente. Registrou-a como Graça, Maria da Graça.
Quando nasceu minha filha, a minha esposa deu-lhe o nome de Júlia (ela havia assistido a um filme, “Júlia” - dirigido por Fred Zinnemann, estrelado por Jane Fonda e Vanessa Redgrave, que havia lhe deixado forte impressão). Receosos de que sofresse bullying na escola, em especial nas aulas de Matemática, por causa das iniciais com as quais poderia ser identificada, JCM - (juros e correção monetária), resolvemos adicionar “Mara” ao nome, mal sabendo que tal palavra (em hebraico: Marah) significa “amarga”. Mas tudo bem que ela se tornou exceção (e como é bom saber que toda regra tem exceção), sendo um doce de menina.
Na minha família, depois de muitos nomes triviais, meus pais, assim que nasci, confabularam:
- Vamos colocar um nome diferente em nosso filho. Quem sabe, assim, sai algo que presta.
Escolheram Etevaldo, um nome bastante raro. O escrivão da cidade, movido por algumas doses etílicas, resolveu radicalizar e torná-lo único: acrescentou um “l”, tornando-me Etelvaldo. Tenho comigo, desde que me entendo por gente, que devemos nos conformar ao destino (maktub!), já que tudo poderia ser pior do que é. Imagina se o teor alcoólico fosse maior e o escrivão enxergasse um tanto de “l” - Eltelvaldol! Creio que não teria sobrevivido até a idade hábil para efetuar uma mudança, eu que, até minha adolescência, havia contabilizado mais de 50 apelidos!
No fundo, eu gostaria de passar a ideia de é preciso recuperar a humanidade do ser humano. Como diria Charles Chaplin, nós não somos máquinas, não somos números! O primeiro passo seria o de abolir as senhas secretas, os códigos e os números, com as pessoas sendo identificadas e tratadas por seus nomes. Como o mesmo Chaplin diz: “Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.”

Etelvaldo Vieira de Melo     

1 comentários:

Anônimo disse...

Esta está no livro, não é mesmo?!
Prof. Marcos Soares

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