LIMITES DA CONVENIÊNCIA


Este é um texto que fala das relações afetivas conturbadas, doloridas, mal resolvidas. Existem pessoas que passam por isso; é pra elas que escrevi tais reflexões, seguindo modelo daqueles parques de diversão que aportavam lá em minha terra natal. Através de um serviço de alto-falante, o locutor dizia: “Esta música é um oferecimento de alguém para outro alguém, que sabe quem, como prova de muito amor e carinho”.

Existe uma música antiga, de Dorival Caymmi, que diz assim:
            
“Eu vou pra Maracangalha, eu vou! / Eu vou de ‘liforme’ branco, eu vou! / Eu vou de chapéu de palha, eu vou! / Eu vou convidar Anália, eu vou! / Se Anália não quiser ir, eu vou só... / Vou sem Anália, mas eu vou!”

Sob a ótica contemporânea, ignorantes de geografias, histórias, contextos e assustados diante do termo “maracangalha”, iríamos dizer:
           
- Não vai, não, Anália!

Tal música serve para ilustrar uma determinada situação que confronta atitudes de convite e resposta. Possivelmente, a resposta de Anália será “não”, o que irá lhe representar um bem. Imagina acompanhar um sujeito de ‘liforme’ branco, chapéu de palha e indo para Maracangalha... Cruz credo! Estou dizendo tudo isso sob a ótica contemporânea, volto a dizer, pois o contexto da música foi bem outro.

Anália usa de seu poder assertivo, quando diz “não” ao convite que lhe foi feito, muito diferente da Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago, que achava bonito não ter o que comer e, vendo o maridão contrariado, dizia: “Meu bem, o que se há de fazer?

O personagem de Maracangalha não se dá por vencido: se a mulher não quiser ir, ele vai só.

Veja como é bom quando as relações humanas são assentadas sobre esses pilares de transparência e honestidade! Lembro-me de uma passagem bíblica a dizer: que o seu sim seja sim, que o seu não seja não.

Hoje, vivemos relações baseadas na falsidade, na insegurança ou medo. Nossas carências levam-nos a negar o nosso “eu” na busca da aceitação do outro. Seria ridículo, não fosse dramático, como certas pessoas mendigam atenção e amizade daqueles que não lhes têm o mínimo de consideração e respeito. Por suas carências, nem chegam ao que é contado por Vinícius de Moraes de uma moça que, depois de ser trocada tantas vezes por uma regra três, “perdeu a esperança, porque o perdão também cansa de perdoar”.  

Outro dia, fui procurado por um rapaz, preocupado com o possível término de uma relação afetiva com o companheiro com quem morava. A conversa era mais de desabafo do que de busca de outro parecer. No final, ele disse:
            
- Se não for possível ficarmos juntos, tudo bem, que eu vou embora sem problemas. O que não quero é ficar fazendo papel ridículo, apegado a alguém que já não gosta de mim.

Não é que eu considere, como pensava Sartre, que “o inferno é o outro”, mas existem pessoas que conseguem transformar nossas vidas num inferno. Uma das maneiras é quando brincam com nossos sentimentos, usando artifícios de sedução e, depois, deixando-nos totalmente dependentes e carentes. O pior de tudo acontece quando o dependente não consegue quebrar essas amarras e passa a vida toda amargurado, desacreditando na possibilidade de existirem pessoas sérias e honestas.

O que posso dizer para aqueles que sofreram nas mãos de inescrupulosos? Como diz aquela música, “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, ou seja: acredite em você mesmo, reconheça seu valor e saiba que existe outra pessoa com coração de ouro e que pode se tornar sua princesa ou seu príncipe encantado.

Quanto ao brincalhão, se pudesse me ouvir, eu lhe diria que não se deve “brincar” com os sentimentos alheios, que seus atos inconsequentes podem machucar, causando feridas talvez incuráveis, que está sendo desonesto e imaturo. Caso se atreva, que olhe para um espelho e veja o quanto é feio interiormente. Se for possível, que se pergunte: será que sou capaz de amar, eu que não sei dispor de mim mesmo? Não sabendo amar, será que poderei ser amado verdadeiramente? 
            Etelvaldo Vieira de Melo


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