Vou
contar uma coisa procê
E
peço a devida atenção
Não
sei se é de seu conhecimento
Pois
o fato se deu por volta de mil e quinhento
No
tempo da colonização.
Corria
1530 quando uma tropa holandesa
Aportou
pras bandas pernambucanas
Fazendo
portugas correrem como se escorregassem em bananas
E
deixando suspensa a dominação portuguesa.
Instalou-se
ali a Companhia das Índias Ocidentais
Para
exportar açúcar a peso de ouro
Sendo
aquilo, então, uma raridade, um tesouro
Com
os camisas-laranja querendo cada vez mais.
Para
tanto, para administrar aquela operação
Julgaram
por bem contratar os serviços de um alemão
Para
que tudo saísse a contento e não se desse mal
Um
profissional capaz, que respondia pelo nome de Maurício de Nassau.
Esse
homem era um cabra tinhoso, empreendedor, inteligente
Exportando
açúcar, atendeu aos interesses da Companhia
Para
a cidade de Recife, cuidou de fazer melhoria
Deixando
todo mundo contente.
Mas
o ser humano tem um defeito voraz
Nunca
se satisfaz com o que tem
Estando
sempre querendo mais
Não
dando valor ao que ficou para trás.
Recife
é uma cidade formada por ilhas
Carecendo
de pontes para ligar uma às demais
Sem
as quais, pais não podem ver as filhas
Sem
as quais, filhos não podem ver os pais.
Maurício
lançou-se à tarefa de erguer uma ponte
Mas
o dinheiro lhe faltou quando estava no meio do caminho.
Então,
pôs-se a mundiça a mangar sem dó ou carinho:
-
É mais fácil um boi voar
Do
que a ponte do Maurício terminar.
Aquilo
mexeu com os brios do alemão
Deixando-o
mais vermelho que maduro pimentão.
Falou:
Eles hão de ver a obra terminar!
E
assim ele fez com sacrifício a construção
Deixando-a
pronta para inauguração.
E
disse mais aquele atrevido fanfarrão:
-
Não só vocês estão vendo a ponte acabar
Como
terão oportunidade de ver um boi voar.
Durante
o dia, circulou com um boi pela cidade
Despertando
entre todos uma natural curiosidade.
E
todos começaram a se perguntar:
-
Será que ele é mesmo capaz de fazer um boi voar?
Maurício
fez cobrar pedágio dos curiosos moradores
Inaugurando
uma prática corriqueira depois entre governadores.
Quando
a tarde chegou, ele se recolheu aos seus aposentos
E,
tendo preparado de antemão um boi empalhado,
Fez
com que ele deslizasse numa corda até o outro lado
Fato
que deixou todo mundo tabacudo, abestalhado.
Tinha
Maurício, por experiência europeia,
Conhecimento
do ditado que dizia:
“À
noite, todos os gatos são pardos – exceção pro angorá”.
Pode
você perguntar: “De onde Maurício tirou a ideia
De
que naquele ditado do gato, angorá não cabia?”
Ora,
ele responderia, é preciso avaliar as coisas com atenção
Pois
é dito e revisado que toda regra tem uma exceção
E
o gato angorá não está aí por aresia nem por enrolação.
Ele
põe um ponto final nessa prosa
antes
que comece a esfriar
Contando
as aventuras de um homem
que
pôs um boi pra voar.
Etelvaldo Vieira de
Melo
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