TRIBUTOS & ATRIBUTOS


P
ode existir igual, mas não há quem seja mais crédulo do que Ingenaldo. As pessoas de sua convivência sabem que ele não é de pouca fé; ao contrário, ele crê piamente no ser humano e em suas palavras.
           
O fato de ser ingênuo não significa que seja desprovido de certo nível de inteligência. É por causa dela que ele se dá conta de ter cometido um ou outro deslize, quando confiou cegamente nas palavras de alguém.
           
As decepções, que vêm se avolumando ao longo do tempo, não removem o princípio básico de seu caráter, de acreditar, ter fé, dar crédito, confiar nas ações humanas.
           
Pois é justamente o Ingenaldo, esse ser humano de coração puro, que vem recorrer aos meus préstimos. Quer ajuda para entender duas situações que depara e para as quais não encontra respostas; uma, de natureza física, com a qual esbarramos todo dia; a outra, de caráter mais complexo, podendo ser rotulada de metafísica.
           
Como todos, Ingenaldo sabe que a carga tributária em nosso país é assombrosa e o retorno, em termos de serviços, é um tiquinho de nada. Vamos supor que ela, a CT, seja representada na forma de um bolo, desses vendidos em padarias. Deixo a seu critério a escolha do sabor. Prefere um mesclado de baunilha e chocolate? Que seja.
           
Pois bem, ao comprar tal bolo, fique sabendo que terá que dividi-lo com mais quatro entidades: a primeira representa a tributação federal e vai abocanhar uma fatia de 25%; a segunda, a tributação estadual, ficará com 15%; a terceira, a Prefeitura, irá solapar 10% e, finalmente, o comerciante, dependendo de seu ponto de venda, ficará com 30% a 40%. Sobrarão para você míseros 10% a 20% do referido bolo.
           
Isso é uma referência ao aspecto comercial, sem levar em conta a matéria prima bruta (na qual já estão embutidos outros impostos); no caso do exemplo citado: farinha de trigo, fermento, leite, ovos, aromatizantes, antioxidantes, acidulantes e mais uma série de componentes estranhos.
           
Quando tomou conhecimento dessa aritmética, ao fazer compras em uma loja de produtos de embalagem e descartáveis, ouviu Ingenaldo uma pergunta da vendedora:
           
- Você quer com nota ou sem nota?
           
Esta é uma pergunta crucial e maldosa. Em outros países, ela nem é feita, pois a nota fiscal é emitida automaticamente no ato da compra. Fazendo tal pergunta, raciocina Ingenaldo, a vendedora quer fazê-lo cúmplice de uma maracutaia (será que ainda existe essa expressão?), um trambique (existe?), uma falcatrua (essa eu acho que nem se usa mais), uma trapaça. Se pede a nota, poderá estar contribuindo para futuros atos de corrupção; se dispensa a nota, poderá estar contribuindo com um ato desonesto (Ingenaldo sabe que ladrão não é só aquele que rouba, como também quem segura a escada).
           
Tomado por dúvidas, Ingenaldo pergunta à vendedora:
           
- Com qual atitude estarei contribuindo para o bem do Brasil?
           
- Para ser franca, eu não saberia dizer – falou a vendedora. - Deixando de pedir a nota, penso que estará agindo melhor. Pelo menos, estará deixando um tiquinho a menos para ser roubado nas altas esferas.
           
Esta é a primeira questão que Ingenaldo me propõe: exigir ou não exigir a nota fiscal num ato de compra?
           
A segunda ele retirou de citações de rodapé de uma antiga agenda. Diz, mais ou menos, o seguinte:
           
“Deve se sentir feliz quem é pobre, quem passa fome e está chorando. E mais, para tornar tudo melhor: deve amar os inimigos, fazer o bem a quem o odeia, falar bem daqueles que o maltratam, rezando para os que o caluniam. Se alguém lhe der uma bofetada numa face, ofereça a outra; se alguém tomar o seu manto, deixe que ele leve também a túnica”.
           
- E então? – quis saber Ingenaldo. – Esta citação é tirada de uma passagem do Evangelho (Lucas 6,20-21; 27-29). Respeito todas as formas de manifestação religiosa, mas fiquei sem entender o sentido desta passagem. Devo interpretar de forma literal ou existe um sentido oculto? Você pode me ajudar a resolver estas duas questões, a dos tributos e a do atributo?
           
Pego no contrapé e temendo levar um gol entre as pernas, considerei:
           
- Olha, como não tenho opinião formada sobre os dois assuntos, vou deixar a questão exposta no blog, esperando que nem todos os internautas estejam nas nuvens e um ou outro venha a se manifestar.
           
- Quer dizer que você vai deixar as questões em aberto? - perguntou Ingenaldo, com tom de voz decepcionado.
           
- Absolutamente – falei, tentando acalmar sua ansiedade, ele que possui tendência à hipertensão. - Quanto mais diversidade de opinião, mais subsídios você terá para formar uma ideia. O único inconveniente, como já disse, é estarem todos os leitores de férias, nas nuvens.
           
Aí estão expostas questões que tanto incomodam Ingenaldo. A primeira (com nota ou sem nota) também deve incomodar muita gente, em especial nas datas de entrega das declarações de IR. A citação bíblica poderia ensejar três iniciativas, com placas em três lugares distintos: 1ª) Deve se sentir feliz quem é pobre, quem passa fome e está chorando >na entrada de uma “comunidade” ou “aglomerado”; 2ª) Amo meus inimigos, faço o bem a quem me odeia, falo bem daqueles que me maltratam, rezo para os que me caluniam >na porta do gabinete de um político qualquer; 3ª) Se alguém me roubar, tomando o meu manto, que leve também a túnica >placa afixada na entrada de uma loja comercial.
            Etelvaldo Vieira de Melo   
             


1 comentários:

Andréa disse...

Este texto me fez lembrar do Reino Unido, onde atualmente todos os políticos são obrigados a declarar todas a s notinhas de gastos com verba pública, inclusive do chazinho das 17:00.
E tudo isto se deu, porque um político resolveu usar sua verba de auxílio moradia para comprar uma casa luxuosa…. Adivinha? Para os patinhos de estimação.
Bom estamos no Brasil, ao meu ver a resposta, não ou sim, depende de quem faz a pergunta. Com nota? Sem nota?
Afinal... ah!!! se nossos impostos comprassem apenas casinhas de patos....

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