Falar
deste tema (relações interpessoais) pode ser perigoso. Tão perigoso que
imagino, imagina, meu amigo Mário Cleber, ele que já não está mais aqui entre
nós. Está torcendo o nariz; enquanto isso, me olha com fina ironia, através das
lentes de fundo de garrafa de seus óculos. (A fina ironia não machuca, por
causa de seu anestésico, importado de famoso laboratório europeu.)
Mas
eu lhe pergunto, caro amigo: fazer o quê? Quem tem que dar conta de produzir um
texto toda semana? Chega hora que a gente atira pra tudo quanto é lado.
Buscando um tema, posso estar entrando em outras searas ou competências. Posso
até estar me atolando nas areias movediças da chamada autoajuda.
Devo
confessar: este tema sempre me incomodou. Principalmente na minha adolescência.
Era quando eu comia o pão que o diabo amassou com o rabo. Depois, remexia com o
chifre e o tridente. Agora, não sei o que significa ser adolescente. Se for
passar o que passei, pode contar com minha solidariedade. Desconfio, no
entanto, que o contexto de hoje seja mais light, quando não mais diet.
Quando
adolescente, eu fazia muitas coisas estranhas. Eu gostava de ler, por exemplo.
Eu lia Sartre e achava bonito ele dizer: “o
inferno é o outro”. Ele também dizia (e eu gostava mais ainda): “o outro me incomoda, nem que seja
respirando o ar que poderia ser meu”. Sartre havia escrito um livro chamado
A Náusea, e era assim que eu me
sentia, pobre adolescente, tomado de náusea. Julgava que as pessoas eram
fingidas, falsas, interesseiras. Eu lamentava tudo isso, mas o que mais me
incomodava era achar não ser compreendido, não ser aceito, não ter uma pessoa
sequer para estender a mão e me levantar da lama na qual estava jogado.
Naquela
época, era moda acreditar na incomunicabilidade. Sartre e os existencialistas
falavam muito disso. Tanto que serviram de inspiração para um grupo de
cineastas franceses. Eles criaram uma escola cinematográfica chamada “nouvelle
vague”. A câmera desse pessoal era preguiçosa, só você vendo. Ela ficava muito
tempo parada, com foco num cara sentado. Isso durava quase meia hora de filme.
Quando acabava a sessão, você saía do cinema sem ter entendido nada. Mas isso é
que era o chique da “nouvelle vague”. Quanto mais obscuro o filme, melhor era
considerado.
A
“nouvelle vague”, por sua vez, inspirou o cinema tupiniquim. Foi quando surgiu
o chamado “Cinema Novo”. A inovação que apareceu por aqui foi que, ao invés de
focar um cara sentado na cadeira, a câmera mostrava uma galinha ciscando. Isto
se tornou um selo de identificação do cinema novo: a galinha ciscando.
Quando
adolescente, vivenciei todos os nós possíveis e imagináveis das relações
interpessoais, inclusive o famoso nó de escoteiro, um dos mais difíceis de
desbaratar. Eu vivia mendigando uma amizade, nem que fosse usada e de quinta
categoria. Para isso, para que tivesse um pouco de aceitação, eu permitia que
me colocassem apelidos. Teve época que cheguei a contabilizar mais de
cinquenta.
Na
busca de aceitação, eu me anulava frente aos outros, eu era o que eles queriam,
um rapaz “bonzinho”, que não incomodava, subserviente e de quem podiam rir à
vontade.
Tudo
isso, no entanto, não bastava, porque sempre queriam mais, sempre me cobravam
algo de novo.
Se
eu pudesse transpor minha adolescência para os dias atuais, diria que o nó da
relações entre as pessoas tem a ver com nossas carências afetivas, com nossa
busca de aceitação e de valorização, de como mendigamos carinho, afeto. Ao fim
e ao cabo, esbarramos sempre na incapacidade das pessoas de disporem de si
mesmas, de se tornarem uma “terra boa” para os outros.
Por
mais aborrecido que possa parecer um adolescente, o que ele pede é aceitação,
um olhar de apoio, de solidariedade, empatia. Ele necessita ser valorizado,
quer que seu potencial seja bem aproveitado. Em resumo, enquanto adolescente,
sempre quis ser amado. Não será isto que eles pedem também hoje em dia?
Fica,
então, este desfecho que não fecha nada. No fundo, o que queria mesmo era mexer
com os brios dos adolescentes, mandar pra eles um abraço. Vejo que muitos
adultos e muitos pais estão preocupados em busca de palavras para lidar com os
mais jovens, com seus filhos. Entretanto, parece que as palavras se tornaram
vazias, sem sentido. Para eles, eu pediria que olhassem seu próprio passado, os
tempos de adolescência, tomassem jeito para lidar com as novas gerações. Rever
a própria história não vai dar a receita mágica para entender os novos
adolescentes, mas pode ajudar na disposição, na maneira de olhar. O que é bom
começa no olhar; quando esse olhar é de amor, vale mais do que mil palavras.
Etelvaldo Vieira de Melo