Sempre
fui adepto da recomendação feita por Gandhi de que a felicidade é feita de
pequenas coisas, como descascar batatinhas para um almoço. É por isso que
sempre me julguei um sujeito fácil, de pouca exigência, que me contentava com
um tiquinho de nada.
Falando
em batatas, como sou de levar a sério o conselho dos sábios (às vezes, até mesmo
dos ignorantes), seguindo os preceitos acrescidos de juros e correção monetária
(pois ainda não eliminei de meu inconsciente a cultura inflacionária), não só
cuido de descascá-las, como procuro buscá-las em seus locais de venda, os
sacolões.
Você
torce o nariz e faz ares de deboche para estas palavras? Pois é você quem sai
perdendo por não cultivar tal hábito.
Em
primeiro lugar, é no sacolão que você encontra o substrato, melhor dizendo, o
coração pulsante de um bairro ou comunidade. As pessoas que frequentam um
sacolão criam laços de afinidade e empatia, mesmo que não cheguem a trocar uma
palavra, mesmo ignorando os nomes uns dos outros.
É
no sacolão que você se despe de sua anomia, que você se torna gente, se
humaniza, compartilhando com seus semelhantes a busca de ingredientes para o
alimento do corpo.
Creio
que uma das razões pelas quais os políticos não têm a simpatia popular está no
simples fato de não frequentarem os sacolões. Olha que eles dispõem de muito
tempo para isso: os deputados federais e senadores têm compromisso em Brasília
um ou dois dias por semana. Frequentando os sacolões eles irão até onde o povo
está, eles irão se humanizar! Poderemos até ter na prática aquilo que é um
sonho: com os sacolões compartilhados, teríamos os políticos distritais, com
cada político frequentando um sacolão.
Só
faço dois reparos, o primeiro em forma de questão de ordem: como dividir os
sacolões entre os políticos, se esses são em maior número? O segundo reparo é
de “passar uma borracha” em tudo isso que proponho, caso os políticos tenham, o
que é bem provável, alergia do povo.
Voltando
ao que interessa, os sacolões, são eles que representam a sociedade em sua
ordem democrática: em suas bancas estão dispostos produtos para todas as castas
sociais, a E, a D, C, um pouco da B. Já a casta A não aparece, pois ela faz
suas compras em outro mundo, outro planeta. (Certos sacolões se autodenominam
“ABC”, mas isso não passa de estratégia de marketing.)
Alguns
sacolões são subsidiados por óticas, já que seus frequentadores têm que
“gastar” a vista mexendo e remexendo nas frutas e nos legumes, procurando os menos
péssimos. Foi daí que levei o hábito de apalpar as bundinhas das latas nos
supermercados, quando ali estou fazendo compras.
Além
de democrático, o sacolão reforça a ideia dos quinze minutos de fama que todos
têm direito. É lá que o chuchu, uma vez ou outra, abandona sua insignificância,
atingindo preços estratosféricos. Quando atinge esse preço lá nas alturas,
todos os consumidores deixam de lado o pouco caso com essa leguminosa e passam
a querer consumi-la desesperadamente. Depois querem que a gente consiga
entender o psiquismo humano!
No
sacolão, certos ditados populares caem em descrédito ou invertem seu sentido:
falar, por exemplo, que algo está “a preço de banana” hoje quer dizer “muito
caro”.
Acho
que já andei fazendo estas anotações em tempos passados. Não importa, “o sol é
novo toda manhã”, mas não deixa de ser o mesmo sol.
Uma
coisa que ainda não falei (ou será que já falei?) diz respeito ao sentido do
termo “sacolão”. Em tempos passados, as mercadorias eram vendidas a um preço
único, o mais baixo possível; algumas outras ficavam por conta da exceção e
eram vendidas mais caro. Hoje, até essa ordem está conspurcada (uma
das 1.000 palavras que você deverá pronunciar um dia): o
sacolão virou fachada, tudo está com preço nas alturas. Aquelas mercadorias com
preço mínimo são de tanta inferioridade que nem mesmo Laurentino, que acabou de
pingar colírio para comprar uns óculos, por causa da vista gasta, nem mesmo
ele, que não enxerga um palmo à frente do nariz, se sente com estômago para
ingerir tanta porcaria.
Pelo
dito e pelo não dito, fazer sacolão é uma prática que atende muito bem àquela
máxima de Ghandi de que devemos dar valor aos pequenos atos da vida. Agora,
fazendo justiça ao título de texto, o que lamento são os preços exorbitantes de
frutas e leguminosas. Tempos atrás, uma cebola fazia chorar quando era
descascada; hoje, só de ver seu preço, lágrimas deslizam pelo meu rosto. Em
época de inflação e com salário engessado, nem as pequenas coisas nos ajudam a
ser felizes.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Pois é amigo Teo! Sempre fico na dúvida se é Teo ou Tel...
Voltando ao que estava por escrever...
Um dia destes, voltando do almoço com meu chefe, justamente comentava que muitos de nós, que sai pela manhã no seu possante,
para na garagem do trabalho e dali só sai para almoçar, quase sempre com os colegas de serviço, ou no final do dia no retorno para casa ou para o shopping center assistir aquele filme, não toma conhecimento do mundo real que a maioria das pessoas, na sua simplicidade, vivem.
No meu caminho diário para a capital (de bus), sempre presto a atenção nas pessoas e nas conversas, não porque sou abelhudo,
mas porque me interesso em saber das histórias de outras pessoas, de suas dificuldades, dos assuntos da moda, etc. Ali todos chacoalham igual nos buracos da estrada e nas curvas da Antônio Carlos... Olha, tem muita gente esbanjando felicidade, mesmo com muito menos posses, acordando de madrugada e ganhando pouco!
É o meu sacolão de todos os dias...
Falando em assunto da moda... o ônibus pode atrasar ou estragar no meio do caminho, o ar as vezes não funciona, sempre tem
gente saindo pelo ladrão, mas, a culpa sempre é da Dilma!
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