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Por esses dias, alguém me
‘jogou na cara” a pecha de egoísta. Ele simplesmente disse:
- Você é um egoísta!
Aliás, somos todos egoístas (numa forma de amenizar um pouco a ofensa).
Como estou seguindo
recomendação médica de não “levar desaforo para casa”, e como não me ache tal,
egoísta, embora pareça sê-lo, tratei de refletir e pesquisar sobre o tema,
buscando os fundamentos filosóficos, psicológicos, religiosos, morais e
existenciais para minha maneira de ser (já que o “outro” me declarou uma
guerra, procurei me municiar com todos os armamentos possíveis).
Desde o início, vi que o
tema tromba com muitas dificuldades, por causa da terminologia. Egoísmo,
individualismo, altruísmo, generosidade, filantropia, e por aí afora, sempre
esbarram em princípios morais e religiosos, quer dizer, trata-se de um terreno
pantanoso, de areias movediças.
Minha reflexão levou ao
desfecho de que sou, sim, um egoísta, entendendo o egoísmo como uma forma da
pessoa voltar-se para si mesma, assumir sua individualidade, tomar conta de sua
vida. Desdobrei o termo, ego+ismo, entendendo que representa a ida (ismo) para
o “eu” (ego). Em suma: a busca e a conquista da Liberdade. Sendo livre, tudo me
é possível, inclusive o amor inteligente.
Entretanto, esta minha
reflexão não vem ao caso – agora. Armamento mais poderoso encontrei numa
postagem do psiquiatra Dr. Flávio Gikovate, em seu site, sob o título
“Individualismo não é Egoísmo”.
A mesma dificuldade
terminológica observei em seu texto. Também senti como ele se via pegando em
“batatas quentes”. De qualquer modo, ele foi honesto, quando procurou precisar
os termos. A partir de uma definição de conceitos, tudo se torna mais
compreensível.
Como cheguei a um ponto
da vida em que me dou a veleidades de imaginar coisas, eis que me senti frente
a frente com o dr. Flávio Gikovate, realizando a entrevista, transcrita a
seguir:
ET: Para falar sobre
Individualismo, não seria bom, primeiro, precisar os conceitos?
FG: Certamente. O termo
“individualismo” tem uma conotação negativa quando usado como sinônimo de
“egoísmo”; da mesma forma, quando descreve uma pessoa incompetente para
relacionamentos afetivos ou incapaz de se integrar em grupos de convívio.
ET: Já a conotação
positiva...
FG: Ela vem quando alguém
é capaz de exercer a própria individualidade, de ser autônomo.
ET: Quais os processos
contrários à individualidade, ao individualismo.
FG: Certamente que são os
relacionamentos amorosos, os que nos aconchegam aos outros e as causas
coletivas.
ET: Você não faz
referência explícita aos decorrentes da religiosidade, mas não importa. Não
existe uma contradição entre as partes?
FG: Absolutamente. Veja
você: não há contradição entre o exercício pleno de nossa individualidade e o
desenvolvimento do sentido moral e de solidariedade social. Observe que, ao
contrário, é o incompleto desenvolvimento emocional das pessoas, e que implica
em se atingir o estágio individualista, que acaba provocando condutas
moralmente duvidosas.
ET: Concluindo esta
definição de conceitos.
FG: Individualismo não é
sinônimo de e nem implica em egoísmo, mas é o egoísmo que deriva da imaturidade
emocional, que se caracteriza pelo incompleto desenvolvimento da
individualidade, do individualismo.
ET: Por que o egoísta não
pode ser individualista?
FG: O egoísta não pode
ser individualista porque ele tem que ser favorável à vida em grupo, já que não
tem competência para gerar tudo aquilo que necessita. É do grupo, ou de algumas
pessoas pertencentes ao grupo, que irá extrair benefícios.
ET:
Descreva mais detalhadamente o egoísta.
FG:
Pois não. O egoísta é aquele que precisa mais receber do que é capaz de dar. É
um fraco, que usa da esperteza para enganar outras pessoas e delas obter o que
necessita e não é capaz de gerar. Ele tem que ser simpático e extrovertido, não
porque gosta das pessoas e de estar com elas, mas porque precisa delas e tem
que seduzi-las com o intuito de extrair delas aquilo que necessita.
ET:
E de quem, em especial, o egoísta vai extrair as coisas?
FG:
Do generoso, aquele imaturo emocional, que precisa se sentir amado e benquisto.
O egoísta, esperto e atento a todas as oportunidades de se beneficiar, percebe
isso e trata de obter os favores práticos que o generoso está disposto a
prestar com o intuito de se sentir aconchegado.
ET:
Como se dá o encontro do generoso com o egoísta?
FG:
Quando se encontram, egoísta e generoso, esses dois imaturos e dependentes,
criam uma sólida e nociva aliança, um buscando aspectos práticos de
sobrevivência e o outro, aspectos emocionais.
ET:
Esta aliança tem nome?
FG:
Sim, ela é chamada de sadomasoquista. O sádico é o egoísta e o masoquista, o
generoso. Nela, o poderoso é o masoquista, ele é que dá as cartas!
ET:
Existiu sempre essa dualidade entre o bem e o mal, não é mesmo?
FG:
Essa é uma trama duvidosa, que se estabelece entre os “bons” – generosos – e os
maus – egoístas. Considerar a generosidade uma virtude é compactuar com a perpetuação
do modo de ser egoísta. Egoísmo e generosidade interagem e se reforçam de modo
negativo nas relações entre casais, entre pais e filhos, entre sócios e na
sociedade como um todo.
ET:
Quando irá desaparecer o egoísmo?
FG:
O egoísmo só irá desaparecer quando desaparecer a generosidade, ou seja, o
parasita só desaparecerá quando não houver mais hospedeiro a ser parasitado.
Assim, defender a generosidade como virtude é defender a existência dos
egoístas.
ET:
Extraordinária esta sua colocação. Mas como é possível a superação da dualidade
egoísmo-generosidade?
FG:
Ela se dará com a medida ser “justo”, aquele que não recebe mais do que se dá,
mas que não se dá mais do que recebe. O justo é aquele independente, tanto do
ponto de vista prático quanto emocional. Em suas relações com os outros, fará
trocas de todos os tipos, mas trocas justas.
ET:
O “justo” é uma pessoa madura?
FG:
Sim. Pessoa madura é aquela que gosta de se relacionar social e afetivamente,
mas que também gosta de ficar consigo mesma, ela que desenvolveu mais
firmemente sua individualidade. A pessoa justa e, pois, individualista,
exercita com prazer sua individualidade, é exigente na escolha de amigos e
conhecidos. Existem até aqueles que preferem uma vida solitária.
ET:
O individualismo, afinal de contas, remete à ideia de que somos únicos e
sozinhos. Mas será que ele representa um avanço?
FG:
Creio que sim: Só através dele que atingiremos a maturidade emocional, condição
indispensável para o estabelecimento de relações afetivas de qualidade e que
representa um efetivo avanço entre nós.
ET:
Muito obrigado, dr. Fábio Gikovate.
Etelvaldo Vieira de Melo
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