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Desde que li uma frase atribuída a Napoleão
Bonaparte dizendo “nada muda tanto quanto
o passado”, senti-me no direito de tornar os fatos históricos como se
fossem bolas de pingue-pongue em animado torneio. Afinal, se todo mundo pode
meter sua colher de pau na História, não serei eu quem irá ficar fora dessa
brincadeira. Pode ser até que, usando de uma sacada envenenada, acabe acertando
com a verdade verdadeira, e não inventando mais uma verdade inventada.
A
título de exemplo, vamos recorrer à história da fotografia.
Como
é do domínio público, foram os japoneses que inauguraram o hábito de documentar
as viagens e os passeios através de fotos. Tanto isso é verdade que, ao ver uma
máquina fotográfica, você tinha 100% de possibilidade de acerto, caso deduzisse
que havia um japa por trás dela.
Eram
os nipônicos motivo de chacota para outras nacionalidades, com o cinema
americano se encarregando de espalhá-la.
Por
aqui, os issei, nissei, sansei, yonsei, jassei, eussei e cansei cuidaram de
preservar essa herança cultural da fotografia.
Com
a invenção da Internet e a criação das redes sociais, puderam os japoneses fazer
uso do ditado “quem ri por último, ri
melhor”. Agora, todo mundo faz uso da máquina fotográfica para documentar
suas baboseiras e babaquices, postando-as nas redes e grupos de família.
Aonde
quero chegar? Por enquanto, a uma simples revisão histórica e que tem a ver com
nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade.
Quando
estudante, aprendi uma frase que ficou retida na minha mente até hoje.
Referindo-se à sua terra natal, Drummond dizia: “Itabira é hoje um retrato na parede, mas como dói”. Entendia que o
poeta não guardava boas lembranças de sua cidade, e Itabira passou a ser, na
minha visão, uma espécie de cidade amaldiçoada.
Com
esse direito de reler a História a meu bel prazer, direito conferido por uma
das maiores unanimidades, Napoleão, levanto a hipótese de que o desconforto e a
mágoa do poeta não dizem respeito à cidade, mas a si mesmo, quando se vê numa
foto, sentando num banco da praça de Itabira. A cada ano, olhando para seu
retrato na parede de casa, Drummond lamentava os estragos que o tempo estava
fazendo em sua fisionomia, de um garoto – cabeludo e cheio de outros atrativos
– para um senhor cada vez mais decrépito, caquético, sem sal e com uma vozinha
cada vez mais tremeliquenta.
É
assim que interpreto aquela famosa frase. Quer dizer: estou redimindo Itabira,
vítima de bullying por tanto tempo. No mais, tem razão aquele escritor quando
dizia “um retrato é sempre uma ofensa, uma punhalada nas costas”. É por causa
de leituras descuidadas da História que muitos erros são cometidos. A frase mal
interpretada de Carlos Drummond de Andrade sobre Itabira ocasionou pelo menos
dois estragos irreparáveis: um complexo de inferioridade de sua população, que
nenhum analista consegue extirpar, e a venda, a preço de banana caturra, de uma
das maiores empresas do país, a Belgo Mineira, que tinha como berço essa
repudiada cidade.
Estou
participando de um grupo numa dessas redes. Meus parceiros querem porque querem
que eu poste fotos de minha infância e juventude. Eu sabia que ia sobrar pra
mim! Daqui a pouco estarei dizendo: “Santo
Antônio do Amparo (minha cidade natal)
é apenas um retrato nas páginas da Internet, mas como dói”.
Etelvaldo Vieira de Melo
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