RETRATO QUE DÓI


Resultado de imagem para Imagens de Carlos Drummond de Andrade sentado num banco de Iatabira
Imagem: br.pinterest.com
Desde que li uma frase atribuída a Napoleão Bonaparte dizendo “nada muda tanto quanto o passado”, senti-me no direito de tornar os fatos históricos como se fossem bolas de pingue-pongue em animado torneio. Afinal, se todo mundo pode meter sua colher de pau na História, não serei eu quem irá ficar fora dessa brincadeira. Pode ser até que, usando de uma sacada envenenada, acabe acertando com a verdade verdadeira, e não inventando mais uma verdade inventada.
A título de exemplo, vamos recorrer à história da fotografia.
Como é do domínio público, foram os japoneses que inauguraram o hábito de documentar as viagens e os passeios através de fotos. Tanto isso é verdade que, ao ver uma máquina fotográfica, você tinha 100% de possibilidade de acerto, caso deduzisse que havia um japa por trás dela.
Eram os nipônicos motivo de chacota para outras nacionalidades, com o cinema americano se encarregando de espalhá-la.
Por aqui, os issei, nissei, sansei, yonsei, jassei, eussei e cansei cuidaram de preservar essa herança cultural da fotografia.
Com a invenção da Internet e a criação das redes sociais, puderam os japoneses fazer uso do ditado “quem ri por último, ri melhor”. Agora, todo mundo faz uso da máquina fotográfica para documentar suas baboseiras e babaquices, postando-as nas redes e grupos de família.
Aonde quero chegar? Por enquanto, a uma simples revisão histórica e que tem a ver com nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade.
Quando estudante, aprendi uma frase que ficou retida na minha mente até hoje. Referindo-se à sua terra natal, Drummond dizia: “Itabira é hoje um retrato na parede, mas como dói”. Entendia que o poeta não guardava boas lembranças de sua cidade, e Itabira passou a ser, na minha visão, uma espécie de cidade amaldiçoada.
Com esse direito de reler a História a meu bel prazer, direito conferido por uma das maiores unanimidades, Napoleão, levanto a hipótese de que o desconforto e a mágoa do poeta não dizem respeito à cidade, mas a si mesmo, quando se vê numa foto, sentando num banco da praça de Itabira. A cada ano, olhando para seu retrato na parede de casa, Drummond lamentava os estragos que o tempo estava fazendo em sua fisionomia, de um garoto – cabeludo e cheio de outros atrativos – para um senhor cada vez mais decrépito, caquético, sem sal e com uma vozinha cada vez mais tremeliquenta.
É assim que interpreto aquela famosa frase. Quer dizer: estou redimindo Itabira, vítima de bullying por tanto tempo. No mais, tem razão aquele escritor quando dizia “um retrato é sempre uma ofensa, uma punhalada nas costas”. É por causa de leituras descuidadas da História que muitos erros são cometidos. A frase mal interpretada de Carlos Drummond de Andrade sobre Itabira ocasionou pelo menos dois estragos irreparáveis: um complexo de inferioridade de sua população, que nenhum analista consegue extirpar, e a venda, a preço de banana caturra, de uma das maiores empresas do país, a Belgo Mineira, que tinha como berço essa repudiada cidade.
Estou participando de um grupo numa dessas redes. Meus parceiros querem porque querem que eu poste fotos de minha infância e juventude. Eu sabia que ia sobrar pra mim! Daqui a pouco estarei dizendo: “Santo Antônio do Amparo (minha cidade natal) é apenas um retrato nas páginas da Internet, mas como dói”.

Etelvaldo Vieira de Melo

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