SOU REPETITIVO? E QUEM NÃO É?

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Imagem: caiohostilio.com
Já disse neste espaço nebuloso que alguém já me disse ser função do cronista olhar no entorno, descrevendo o que vê.
Houve época em que, para atender a este imperativo categórico, tive o cuidado de realizar viagens, onde reunia o útil ao agradável, o necessário ao supérfluo, podendo descrever um tanto de novidades. Já disse isto aqui também.
Como, nos últimos tempos, tenho latido no quintal para economizar a energia do Thor e, por via de consequência, seu consumo de ração, já que a situação pros meus lados anda brava, cortei as viagens e tento me contentar com as paisagens e novidades das ruas e avenidas de meu bairro. Já disse isto também? Que coisa!
(Se não deixar de ser repetitivo, corro o risco de não alcançar nunca a marca de hum milhão de acessos neste blog, estando faltando pouco, pouco mais de novecentos e setenta mil para atingir esse feito histórico.)
Caso esteja sendo por demais repetitivo, tento me consolar, recorrendo a personagens famosos da História, que não se cansavam de seus bordões e lorotas.
Fernando Pessoa, por exemplo, não disse mais de mil vezes que o rio de sua aldeia era mais belo que o Tejo?
Sócrates, considerado o homem mais sábio (destaque de uma das disciplinas, a Filosofia, que os “intelectuais” responsáveis pelo Ministério da Educação no Brasil querem eliminar da grade de ensino), no alto de sua sapiência, não repetiu ad nauseam a alegoria do sapateiro? Tanto é assim que um conterrâneo lhe perguntou:
- Como é, velho Sócrates, continua com suas histórias de sapatarias?
Sócrates estava acompanhado de jovens discípulos, numa das ágoras de Atenas.
Para quem não sabe, e espero que seja o seu caso, a palavra “ágora” significa “praça”. O termo “agora” daí deriva. Quando se perguntava a um jovem ateniense para onde ia, sua resposta, invariavelmente, era: - Pra ágora. A expressão, aportuguesada, ficou: “pra agora”, isto é, “pra já”.
Sócrates se preocupava com as questões éticas. Julgava que uma sociedade está condenada ao fracasso, caso não prevaleça o sentido de justiça: cada um ter e fazer o que é de sua competência. O exemplo do sapateiro vem a propósito: ele é o que tem competência para entender e produzir sapatos. O mau da política vem do fato dela ser exercida por maus profissionais, pessoas inabilitadas, impróprias para ter cargos públicos. As eleições municipais estão aí e irão mostrar, tim-tim por tim-tim, isto que estou dizendo. E não adianta os moralistas de plantão com frases edificantes, como: “Não é política que faz o político virar ladrão, é o seu voto que faz o ladrão virar político”. Trata-se de uma bonita frase de efeito, mas que não condiz com a realidade, não passa de um tró-ló-ló, conversa fiada. Não acho bom ficarem jogando nas costas do eleitor uma responsabilidade que não é dele, mas do sistema político que aí está, uma fábrica de ladrões e de corruptos. (O político que se julgar ofendido com minhas palavras, caso não tenha “culpa no cartório”, que se tome como exceção da regra.)
Aproveitando o ensejo, deixo no ar a questão: O que se passa pelas cabeças desses que respondem pelo Ministério da Educação, querendo tirar do currículo a Filosofia, a Educação Artística, a Educação Física? Onde estão com as cabeças?
Eu estava com a minha sobre os ombros, voltando para casa, caminhando pela via principal do bairro, transportando uma sacola com compras efetuadas num dos supermercados próximos. Era um domingo, por volta de meio dia, hora em que as ruas e comércio começam a perder movimento.
Passando perto de um senhor, que estava junto a um carro com porta aberta, fui por ele abordado:
- E aí, não quer que eu leve você até em casa com suas compras?
Como estou tendo cada vez mais dificuldade para entender as motivações das pessoas, deixo aqui algumas hipóteses, para que você faça seu juízo e tire suas conclusões:
 - Trata-se de um marginal. Assim que entrar em seu carro, ele vai sair em disparada até um lugar ermo. Chegando lá, arranca um revólver 42 e, apontando a arma para a minha testa, toma a sacola, além de me roubar os poucos dinheiros que possuo. Conclusão: vou ficar sem os iogurtes e os biscoitos de maisena, conseguidos à custa da economia dos latidos de Thor.
 - Como estamos em época de propaganda política, este senhor não passa de um cabo eleitoral. Estou vendo: assim que chegar em casa, vai me despejar nas mãos um tanto de “santinho” de seu candidato. Pode anotar.
- Trata-se de um senhor imbuído (que palavra mais feia!) dos mais nobres sentimentos de humanidade. Imagina que eu esteja sofrendo sob um sol de arrebentar mamona, e quer me ajudar desinteressadamente.
 - Trata-se de pegadinha de programa humorístico. Assim que colocar as compras no carro, o senhor vai arrancar depressa, me deixando ainda mais abobalhado do que normalmente sou. Uma câmera secreta está registrando tudo. Depois, o senhor volta com o carro e explica que fui vítima de uma brincadeira (bem idiota, por sinal).
Deste modo, chego ao fim de mais um capítulo desta jornada literária. Como já disse, na falta de picolé, contenta-se com chup-chup: na impossibilidade de se desfrutar das praias e palmeiras com havaianas ou em Bermudas, por que não a alegria de um passeio de bermuda e sandálias havaianas pelas avenidas e ruas... do bairro Palmeiras?

Etelvaldo Vieira de Melo 

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