UM TIPO INESQUECÍVEL

Resultado de imagem para desenhos de máquina de lavar pulando
Imagem: YouTube
Pro Luís
            Voltando para casa, após uma breve visita ao sacolão (lugar onde se vendem sacolas, verduras, frutas e legumes), onde recebi um cumprimento afável e lisonjeiro do dono (“como vai, patrão?”), encontrei um amigo que não via há muito tempo. Luís é seu nome.
            Nosso conhecimento era superficial, mas se estreitou e chegou à amizade, justo quando ele se afastou do trabalho para tratamento psiquiátrico. Era ele motorista de ônibus quando passou a ser vítima de muitos assaltos. O quadro foi se agravando tanto que, só de ver uma pessoa mal-encarada, seu coração disparava ao ponto de quase enfartar. Quando dormia, tinha pesadelos terríveis, acordando assustado ante a imagem de um marginal dando-lhe um tiro no meio da cabeça.
            Com o afastamento do trabalho, sendo ajudado por psiquiatra e medicamentos pesados, foi aos poucos recuperando o bom humor e a alegria de viver. Nessa ocasião, passei a ter contato com ele, já que frequentávamos uma mesma escola de iniciação à eletrônica.
            O curso era muito teórico, passávamos quase que o tempo todo fazendo leitura das cores de resistores. Nas poucas aulas práticas, televisões velhas e aparelhos de som eram colocados em frente aos alunos. Você sabe: brasileiro tem mania de ver com as mãos; quando fala “deixe ver isso aí”, na verdade quer é pegar. Muito enxerido, o Luís foi, certa vez, pegando um componente de televisor chamado de “chupeta”, enquanto tentava perguntar ao professor o que era aquilo. Mal conseguiu pronunciar a palavra “professor”, sendo arremessado até o fundo da sala por um violento choque. A tal de chupeta armazena mais de mil volts; aquela não fez estrago maior porque estava quase descarregada.
            Retornando Luís ao trabalho de motorista, ficamos um tempo sem nos ver. Quando reclamei sua ausência, falou:
            - Não repara, não, Eleutério; é que ando com um corrimento danado.
            Falei pra ele:
            - Com corrimento não se brinca. Vá logo procurar um ginecologista.
            Nesse último encontro, disse que inventou de consertar a máquina de lavar roupa de sua casa. Depois de retirar todas as peças, com a ajuda do doutor Google, conseguiu descobrir o defeito. Colocou a máquina para funcionar. Na primeira lavagem, enquanto centrifugava, ela começou a pular.
            Maria, a esposa, falou, já querendo “soltar os cachorros” em cima do pobre coitado:
            - Que serviço de burro! Olha como a máquina pula!
            - Que é isso, mulher? – falou o Luís. – O conserto foi tão bom que a máquina pula porque está querendo levar a roupa pro varal...
            Esse é o Luís. Se estou compartilhando essas lembranças com você, isso se deve a um acontecimento em especial e que me deixou muito aborrecido.
            Estive lendo aquela declaração do Procurador Geral, Rodrigo Janot, dizendo que “ficou chocado e sentiu náusea”, ao ouvir a gravação entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer. Você sabe: aquela denúncia de suborno e corrupção, com direito a mala abarrotada de dinheiro.
            Como são as coisas. Na Alemanha, em fevereiro de 2012, o presidente Christian Wulff renunciou por causa de uma denúncia envolvendo 700 Euros. Segundo a ex-ministra da Justiça daquele país, Herta Däubler Gmelin, “nunca aconteceria em meu país de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo”. Disse mais Herta: “O Brasil é outro mundo”.
            Sim e não, o Brasil é outro mundo em termos. Tudo leva a crer que seja outro mundo para aquelas bandas de lá, onde as pessoas perderam o senso de dignidade e de respeito para com o bem comum, onde o Poder foi assaltado por uma quadrilha de ladrões da pior espécie. Do lado de cá, no meu círculo de relações, ainda existem muitas pessoas boas e decentes, pessoas simples, sinceras, honestas; pessoas amigas. Daí, a lembrança do Luís. É esse lado do Brasil que me faz ter fé, não deixa a esperança morrer.
Etelvaldo Vieira de Melo


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