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Pro Luís
Voltando
para casa, após uma breve visita ao sacolão (lugar onde se vendem sacolas,
verduras, frutas e legumes), onde recebi um cumprimento afável e lisonjeiro do
dono (“como vai, patrão?”), encontrei um amigo que não via há muito tempo. Luís
é seu nome.
Nosso
conhecimento era superficial, mas se estreitou e chegou à amizade, justo quando
ele se afastou do trabalho para tratamento psiquiátrico. Era ele motorista de
ônibus quando passou a ser vítima de muitos assaltos. O quadro foi se agravando
tanto que, só de ver uma pessoa mal-encarada, seu coração disparava ao ponto de
quase enfartar. Quando dormia, tinha pesadelos terríveis, acordando assustado
ante a imagem de um marginal dando-lhe um tiro no meio da cabeça.
Com
o afastamento do trabalho, sendo ajudado por psiquiatra e medicamentos pesados,
foi aos poucos recuperando o bom humor e a alegria de viver. Nessa ocasião,
passei a ter contato com ele, já que frequentávamos uma mesma escola de
iniciação à eletrônica.
O
curso era muito teórico, passávamos quase que o tempo todo fazendo leitura das
cores de resistores. Nas poucas aulas práticas, televisões velhas e aparelhos
de som eram colocados em frente aos alunos. Você sabe: brasileiro tem mania de
ver com as mãos; quando fala “deixe ver isso aí”, na verdade quer é pegar.
Muito enxerido, o Luís foi, certa vez, pegando um componente de televisor
chamado de “chupeta”, enquanto tentava perguntar ao professor o que era aquilo.
Mal conseguiu pronunciar a palavra “professor”, sendo arremessado até o fundo
da sala por um violento choque. A tal de chupeta armazena mais de mil volts;
aquela não fez estrago maior porque estava quase descarregada.
Retornando
Luís ao trabalho de motorista, ficamos um tempo sem nos ver. Quando reclamei
sua ausência, falou:
-
Não repara, não, Eleutério; é que ando com um corrimento danado.
Falei
pra ele:
-
Com corrimento não se brinca. Vá logo procurar um ginecologista.
Nesse
último encontro, disse que inventou de consertar a máquina de lavar roupa de sua
casa. Depois de retirar todas as peças, com a ajuda do doutor Google, conseguiu
descobrir o defeito. Colocou a máquina para funcionar. Na primeira lavagem,
enquanto centrifugava, ela começou a pular.
Maria,
a esposa, falou, já querendo “soltar os cachorros” em cima do pobre coitado:
-
Que serviço de burro! Olha como a máquina pula!
-
Que é isso, mulher? – falou o Luís. – O conserto foi tão bom que a máquina pula
porque está querendo levar a roupa pro varal...
Esse
é o Luís. Se estou compartilhando essas lembranças com você, isso se deve a um
acontecimento em especial e que me deixou muito aborrecido.
Estive
lendo aquela declaração do Procurador Geral, Rodrigo Janot, dizendo que “ficou
chocado e sentiu náusea”, ao ouvir a gravação entre o empresário Joesley
Batista e o presidente Michel Temer. Você sabe: aquela denúncia de suborno e
corrupção, com direito a mala abarrotada de dinheiro.
Como
são as coisas. Na Alemanha, em fevereiro de 2012, o presidente Christian Wulff
renunciou por causa de uma denúncia envolvendo 700 Euros. Segundo a ex-ministra
da Justiça daquele país, Herta Däubler Gmelin, “nunca aconteceria em meu país
de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela
própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo”.
Disse mais Herta: “O Brasil é outro mundo”.
Sim
e não, o Brasil é outro mundo em termos. Tudo leva a crer que seja outro mundo
para aquelas bandas de lá, onde as pessoas perderam o senso de dignidade e de
respeito para com o bem comum, onde o Poder foi assaltado por uma quadrilha de
ladrões da pior espécie. Do lado de cá, no meu círculo de relações, ainda
existem muitas pessoas boas e decentes, pessoas simples, sinceras, honestas;
pessoas amigas. Daí, a lembrança do Luís. É esse lado do Brasil que me faz ter
fé, não deixa a esperança morrer.
Etelvaldo Vieira de Melo
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