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Imagem: revistacontinente.com.br |
José Saramago: “Somos todos escritores; só que uns
escrevem, outros não”. Está aí uma maneira sutil de engambelar, iludir jeitosamente
o leitor. É como se o autor de Ensaio
Sobre a Cegueira dissesse: “Olha, você até que poderia ser um escritor.
Como não consegue, contente-se com a condição de leitor (e não deixe de comprar
meus livros)”.
Comentando o rompimento da amizade entre
Gabriel García Márquez e Vargas Lhosa, com direito a soco no olho, o
articulista de uma publicação disse textualmente: “aquela era uma amizade que
não surge com facilidade no mundo das letras”. Por isso, quando o autor de Memória de Minhas Putas Tristes fala: “escrevo para que meus amigos me amem ainda
mais”, faço daí uma inferência: entre seus amigos, raríssimos deveriam ser
escritores, romancista talvez não houvesse um sequer.
Darcy Ribeiro: “Escrever é ter coisas para dizer”. Certo? Acho errado. Se fosse
assim, todo mundo estaria escrevendo alguma coisa. O certo é dizer: escrever é
ter coisas para escrever. Ninguém escreve se não tem nada para escrever, da
mesma forma que ninguém diz nada se não tem nada para dizer.
Segundo Clarice Lispector, não devemos criticar
indiscriminadamente os maus escritores. Embora desprovidos de talento, muitos
deles escrevem por vocação: “Vocação é
diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se
ser chamado e não saber como ir”. Sobre ela mesma, diz: “Eu escrevo como se fosse salvar a vida de
alguém. Provavelmente a minha própria vida."
Deslize mais ou menos sério cometeu uma
senadora e ex-ministra, aquela que, antes da crise de combustível, disse pra gente
relaxar. Em sua coluna num jornal, ostentando ares de erudição (hoje, todo
mundo se acha no direito), atribuiu erroneamente uma frase a Fernando Pessoa.
Acabou se dando mal, sendo corrigida por um leitor atento. Ao invés de
simplesmente reconhecer o erro, foi logo jogando a culpa na sua fonte de
pesquisa, a Internet, como se ela fosse responsável por sua ignorância. Isso
que é querer o bônus sem arcar com o ônus.
Também corro sérios riscos de me dar mal nas
citações. Li em algum lugar esta frase atribuída a Ernest Hemingway: “Escrevi 30 vezes o último parágrafo de
‘Adeus às Armas’ antes de me sentir satisfeito”. Segundo Sérgio Martins
Pandolfo, outra fonte de pesquisa, o texto foi reescrito... 80 vezes.
De minha parte, eu não culparia nem este nem
aquele pelo erro. Afinal, 3 e 8 são muito parecidos, o 3 parece um 8 apagado,
enquanto o 8 pode ser um 3 borrado. O pior é que não temos mais Hemingway para
dizer se foram 30 ou 80 as vezes que reescreveu o último parágrafo de “Adeus às
Armas”. Pessoalmente, desconfio que o próprio Hemingway se enganou na contagem,
dizendo 30 ou 80. Esses números são muito redondos e um processo de revisão é
sempre quadrado, pois sempre deixa faltar alguma coisa. Por mim, diria que o
último parágrafo foi reescrito 36 vezes, um número perfeito que, na prova dos 9
fora, resta zero.
Como você observa, escrever não era fácil
para o pobre do Hemingway. Ele disse: “Não
há nada para escrever. Tudo que você precisa fazer é se sentar em frente de sua
máquina de escrever e sangrar.”
O mesmo Hemingway, nessa garimpagem que faço
pela Internet, disse sobre o ato de escrever: “Corte todo o resto e fique no essencial”. Tudo bem, mas como dar
crédito às suas recomendações se outro autor cultuado, Saint-Exupéry, fala que
“o essencial é invisível aos olhos”? Se for para juntar um conselho com o
outro, não se escreve nada, corta-se tudo, como apregoava Carlos Drummond (“Escrever é cortar palavras”). Ou será
que estas palavras não são suas? Armando Nogueira: “Escrever
é cortar palavras. Passei alguns anos certo de que o autor dessa preciosa
máxima era Carlos Drummond de Andrade. Até que um dia perguntei ao poeta. Ele
conhecia, mas negou que fosse dele”. Alguém atribui esta mesma citação a
Marques Rebelo. Para quem vou dar o crédito, Dr. Google?
Chico Buarque que, como compositor, sempre
foi um excepcional poeta, embrenhando-se no campo da literatura, disse que “escrever é uma chatice”. Pudera, ele
falou assim pouco depois de lançar “Leite Derramado”. Ele tem toda razão: não
existe nada mais desagradável do que entornar leite sobre uma toalha novinha em
folha. Pior se o leite estiver misturado com café.
Para quem quiser conhecer o inconsciente dos
escritores, grande revelação faz Fabrício Carpinejar. Segundo ele, "cada um escreve do jeito que respira.
Cada um tem seu estilo. Devo minha literatura à asma." Já minha
“vocação” de escritor, você sabe, nasceu de um distúrbio psíquico-somático
chamado PFL, Prolapso de Fim de Curso.
Se você é um leitor desatento, tome cuidado
para não merecer uma reprimenda de Mário Quintana: "Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer é porque
um dos dois é burro”.
Finalizando, quero dizer que estou
plenamente de acordo com Pablo Neruda. Segundo o poeta, “escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um
ponto final. No meio você coloca ideias”. Foi isto que fiz neste texto:
comecei com uma letra maiúscula, J, e termino com um ponto final. No meio,
coloquei um tanto de ideias, Se você não as achou, é preciso considerar que
elas, as ideias, são altamente voláteis. Da próxima, prometo prender algumas
(36?) com peso nos pés dos parágrafos.
PS: Mais razão tem o poeta (e meu professor
de Redação) Ronald Claver quando diz: “Escrever
é reinventar o paraíso, fazer do limbo um jardim de letras e povoá-los com
palavras saborosas, sábias, sedutoras, sedentas”.
Etelvaldo Vieira de Melo