ESCALDO E PERDÃO

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Imagem: borgesogato.com

Acabei de ler o livro Gato Escaldado, de Mônica de Aquino e Humberto Guimarães, Editora Miguilim. Agora, estou incumbida de avaliar e comentar criticamente as obras dessa Instituição. O inFelício personagem me boquiabriu, tanto pela poesia quanto pela ilustração. Trata-se da passagem do animal ferido e marginalizado, até pelos ratos, para um novo habitat receptivo e belo. Inicialmente, propus-me à comparação da história com o nosso povo latino-americano. Abordei, nas sugestões de atividades para a Escola, a situação de escaldo em que vivem os negros, os empregados, as mulheres, os índios. Citei Odisseu, em viagem, tal Felício, pelo mar tenebroso dos sofrimentos. Discursei sobre Riobaldo de Rosa, rio-vazio ante a perda do complexo e desejado Reinaldo/Diadorim. Mencionei Pedro, O Cru, coroando rainha Inês de Castro, morta havia tempos. Fui velejando com os dois autores e explorando-lhes a inteligência criativa num fino fio condutor. Enviei à Editora o serviço, quase satisfeita com a minha escritura. Era tarde da noite.
Entretanto, ao despertar, resolvi jogar uma caixa de papelão no lixo. Percebi, num átimo, no fundo dela, uma chave religiosa. Aí, tive o insight. O desenho de Humberto me revelou a porta aberta a uma releitura das páginas finais do desgraçado Gato. Então, escrevi em tumulto sobre a beleza interior do artista. Vi que o felino saltava do mar de sargaços para um novo ambiente, onde se juntava aos de sua raça. Surgia-lhe o lar à frente, e os ratos carregavam a bandeira da paz. Em lindos versos, sempre curiosamente compostos por ditados populares, Mônica punha-lhe, nas ações e gestos, o perdão a Maria, pela água quente da chaleira em cima do pelo. Água fria já não o amedrontava, no magistral pulo de gato para a conquista da identidade e amadurecimento. O nível superior de esquecer para lembrar drummondiano completava-se na série de cores, imagens, letras, rimas, de Aquino e Guimarães. Meio sem fôlego, digitando um oceano de ideias no computador, terminei a tarefa solicitada, dizendo que o aparente The End continuava per omnia secula seculorum, enquanto perdurassem a injustiça e o preconceito universais.
E em verdade vos digo, caríssimo leitor, que eu, tão pouco afeita aos cultos litúrgicos, olhando Nossa Senhora Aparecida estampada naquela chave matutina, peguei a Bíblia e sugeri aos professores, na última atividade, a leitura do Salmo I com seus amados discípulos.

Graça Rios

1 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do seu artigo, Etelvaldo. Em verdade também vos digo que embarcamos juntos no barco do Gato Escaldado. Parabéns!

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