REINVENTANDO A TEORIA DO PUXA-SAQUISMO

Resultado de imagem para desenhos de puxa-saco


Em tempos de “vacas magras”, aceitando até mesmo falar de cultura inútil, vi numa página da Internet que determinado apresentador e dono de emissora de TV havia feito uma repaginada no visual, escurecendo o cabelo, entre outras lanternagens. Quem deu a notícia foi a filha, postando foto no Instagram, dizendo:
- Que acharam do novo visual de papai? Ameeeiii... Ficou gatão.
Vários artistas e apresentadores da emissora curtiram a foto, fazendo elogios (Lindo! Fofo! Legal! Bacana!). Feito fogo em capim, a notícia se espalhou entre internautas, merecendo vários comentários embevecidos.
Isto me fez lembrar aquela velha - mas sempre atual – piada.
O tremendo puxa-saco diz ao patrão:
- O senhor sabia que só adoro duas pessoas no mundo?
- Claro, com certeza sua esposa e seu filho...
- Errou. A primeira pessoa é o senhor!
- Obrigado! E quem é a segunda?
- Quem o senhor indicar!
A propósito dessa anedota, quero dizer que sempre evitei usar o termo “puxa-saco”, por considerá-lo chulo, vulgar. Entretanto, como nos tempos modernos proliferam expressões bem mais escabrosas, ele até que se tornou simples, banal, quase inocente.
Pensando sobre seu sentido original, pergunto a mim mesmo: - Que “saco” é esse que alguém se dá ao trabalho de puxar? Se for “aquele” ao qual é frequentemente associado (“escroto”, vamos dizer logo), devemos também dizer que não se trata de algo agradável, muito pelo contrário. Eu, por exemplo, nunca haveria de querer alguém puxando o meu. Imagina, então, o suplício que deve passar o sujeito para quem “o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”! Coitado, vai ficar sem o seu!
Pelo que percebo, há qualquer coisa errada com a expressão, mesmo porque ela é usada indistintamente para homens e mulheres, e sabemos que possuir “aquilo” não é atributo das mulheres (mas até que pode ser, se considerarmos as transexuais e eu não estiver de todo enganado).
Confuso, perdido em divagações, fui atrás da origem do termo, querendo resgatar seu sentido verdadeiro.
Depois de uma pesquisa superficial, encontrei a seguinte explicação: o termo “puxa-saco” teria surgido nos quartéis. É que os soldados rasos eram obrigados a carregar o saco dos suprimentos próprios e também o de seus superiores hierárquicos, nas rotinas diárias e nas saídas a campo de provas.
Segundo tal explicação, o termo tem um sentido impositivo, como se fosse uma provação, um castigo, bem longe da maneira como é entendido hoje em dia.
Aventurando a uma explicação mais aprofundada, encontrei essa outra:
Em janeiro de 1808, estando Portugal passando por um momento de turbulência, ameaçado de ser invadido por tropas de Napoleão Bonaparte, D. João VI (que, mais tarde, em pleno século XX, haveria de se tornar nome da avenida principal do bairro onde moro) decidiu se mandar para o Brasil, trazendo a reboque toda a corte lusitana. Os que ficaram em Portugal sobreviveram a duras penas.
Entre os desafortunados, que não puderam pegar carona nos navios que zarpavam de Lisboa, estava Manoel Simplício da Silva Sansevero Barreto de Todos os Santos.
O Manoel, Maneca, era um jovem de 16 anos, raquítico, que, não obstante mancar de uma perna, tinha que trabalhar, sendo arrimo de família, responsável por sustentar a mãe e seis irmãos menores.
Maneca trabalhava no cais do porto da cidade do Porto. Tinha que arrastar sacos cheios de mantimentos, que eram descarregados dos navios para serem transportados por carroças até os mercados da cidade. Os colegas se condoíam de Maneca e o ajudavam a arrastar os sacos. Muitas vezes formavam correntes, cordões, com os sacos sendo puxados, passando de mão em mão. Pessoas até mesmo estranhas se juntavam aos colegas, fazendo com que o cordão dos puxa-sacos cada vez aumentasse mais.
A história de Maneca, com seu termo “puxa-saco”, atravessou o oceano, chegando ao Brasil. No entanto, durante a travessia, o termo foi muito jogado pelas ondas, de lá para cá, de cá para lá, ficando totalmente desfigurado de seu sentido. A própria ideia de “saco” foi acabar no fundo do mar, e mesmo os sentidos de apreço e solidariedade, que eram associados com o termo, acabaram desaparecendo. O que aqui chegou foi só o sentido deturpado de bajulador, baba-ovo, chaleira, lambe-botas.
Quanto ao caso do cordão dos puxa-sacos, teve também seu sentido deturpado, por uma marchinha carnavalesca de 1945:  Lá vem O cordão dos puxa-sacos / Dando vivas aos seus maiorais / Quem está na frente / É passado pra trás / E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais / Vossa Excelência / Vossa Eminência / Quanta reverência / Nos cordões eleitorais / Mas se o “doutor” / Cai do galho e vai ao chão / A turma toda evolui de opinião / E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais...
Leiturino, este blog, você está vendo, é pura cultura, mesmo que seja pura cultura inútil.
Etelvaldo Vieira de Melo

3 comentários:

Anônimo disse...

Sem ser puxa-saco, em qualquer um dos sentidos, meus cumprimentos pela sua crônica. Isso é cultura. Parabéns! Marcos G.

Unknown disse...

Que bom fazer esta leitura. Agradável e instrutiva. Parabéns. Tadeu Gandra

Fátima Fonseca disse...

Adorei a expressão "fogo no capim"
Meu marido tem problemas de coluna daí só eu que carrego as sacolinhas RS...

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