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Em passagem da Bíblia, no Livro de Gênesis, li: estavam Eva e Adão
vivendo aparentemente tranquilos e felizes no Jardim do Éden, desfrutando de
tudo de bom e do melhor.
Certo dia, caminhava sorrateiramente pela proximidade o Demo, o
Tinhoso, quando pareceu ouvir um suspiro, “Ai, Ai”. Colocando a mão em concha,
aguçou os ouvidos, prestando atenção. O suspiro se repetiu, com certeza: “Ai, Ai”.
O Capeta olhou atento em volta até perceber a presença de Eva, sentada debaixo
de um pé de goiaba.
Sabendo que sua aparência poderia assustá-la, o Coisa-Ruim tomou a
forma de uma serpente. Deslizando sobre gramíneas e folhagens, aproximou-se da
moça. Falou:
- Olá, minha pequena Eva! Como tem passado? – E acrescentou,
confundindo-se um pouco com as palavras: - Bem, e Adão também está bem?
- Estamos bem – falou Eva, dando outro suspiro (“Ai, Ai”).
“Tem coelho nesse mato” (em espanhol: “haber gato encerrado”), pensou o
Cramulhão, inventando a expressão. Arriscando um palpite, disse:
- Vocês devem levar uma vida nababesca (*) aí, cheia de divertimentos e
novidades, não é?
[(*) Pelo vocabulário, dá para perceber que tal diálogo ocorreu há
muito e muito tempo.]
- Até que você se engana, dona Serpente. Aqui eu não tenho tudo o que
quero.
- Como assim?
- Eu não tolero essa rotina de ter de fazer tudo sempre igual, acordar
às oito da manhã e, depois de um lanche frugal, ficar roendo uma romã (quando o
que queria mesmo era devorar uma maçã).
- Como assim?
- Ora, o senhor Deus fez o favor de nos permitir tu-do, menos comer do
fruto daquela árvore. – E Eva apontou para uma macieira carregada de frutos
maduros.
A serpente olhou na direção da árvore, ao tempo em que uma aragem
trazia até suas narinas o aroma inconfundível de maçã.
O Pé-de-Bode - ou seja, a serpente – arregalou os olhos, enquanto
dizia:
- Mas está clara a razão pela qual Ele fez tal proibição: se comerem
daquele fruto, vocês irão ter conhecimento de tudo, serão plenamente felizes.
Serão como o Senhor Deus.
- Tem certeza do que está dizendo? – perguntou Eva, um tanto
desconfiada.
- Absoluta – respondeu o Zarapelho. E falou mais: - Come! Come! Come!
(Tal expressão inspirou um propagandista de canal de TV, especializado
em vendas, a criar o bordão: “Compra! Compra! Compra!”.)
- Mas o Senhor disse que, se comermos desse fruto, haveremos de morrer.
- Que nada! Quando o comerem, seus olhos se abrirão, serão como deuses,
conhecedores do bem e do mal.
Convencida, Eva comeu do fruto, oferecendo um pedaço ao marido que, sem
pestanejar, o engoliu. No entanto, ele o fez com tamanha sofreguidão que acabou
se engasgando. Tanto tossiu que acabou formando uma saliência no pescoço, mais
tarde chamada de pomo-de-adão, maçã-de-adão ou gogó.
Desse relato, algumas inferências podem ser feitas:
- Tivemos aí a invenção da roupa, ou vestuário, usada no início para
cobrir a nudez. Adão (Adam d’Ève) tem o título de primeiro estilista de moda.
- Ali aconteceu também pela primeira vez uma prática que se tornou
comum: o chamado “jogo do empurra” – Pressionado por Deus, Adão joga a culpa na
Eva; esta acusa a serpente. E a serpente? – ela faz o papel do estagiário na
história.
- A sociedade nascente se define como patriarcal e machista: “Seus desejos a impelirão para o seu marido,
e você estará sob o seu domínio” (Deus dirigindo-se à mulher).
- Pero no mucho. Deus falando ao homem: “Porque você ouviu a voz de sua mulher...” Daí, os homens sensatos
passaram a acreditar que deveriam se sujeitar ao comando das mulheres, fazendo
valer o ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
- “Porque ouviu a voz de sua
mulher, comendo o fruto da árvore que eu lhe havia proibido de comer, maldita
seja a terra por sua causa. Tirará dela com trabalhos penosos o seu sustento
todos os dias de sua vida. Ela lhe produzirá espinhos e abrolhos, e você comerá
a erva da terra, comerá o seu pão com o suor de seu rosto, até que volte à
terra de que foi tirado, porque você é pó, e em pó se tornará.” Com essas
palavras, o Senhor instituiu o trabalho, tal como é visto pelo comum dos mortais,
tirando os políticos.
- Finalizando, ao mesmo tempo em que atendo ao título desta. Quando a
serpente diz: “Oh, não! Vocês não
morrerão. Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos irão se
abrir, e serão como deuses, conhecedores do bem e do mal”, ela estava
inventando o que mais tarde seria chamado de “fake news”. É por isso que se
diz: - Quem usa deliberadamente de fake News é porque já vendeu sua alma ao
capeta.
Etelvaldo Vieira de Melo
2 comentários:
Um aprendizado esta leitura.adorei!
Suas crônicas fazem falta na nossa oficina.abraço!
Muito bom!
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