Le Monde Diplomatique Brasil |
Todos já foram, só você ficou pra trás. Trabalhou até sexta pegou um buzão às 19:30 para Guarapari, rodoviária lotada, ainda bem que comprou a passagem pela internet, conferiu se o cartão de crédito da compra estava em cima, resolveu seu problema de check-in e foi lá comer um pastelzinho frito até a chegada do ônibus. Desceu as escadas carregando malas, com roupa que nem iria usar, mas vai que precisa, quando chegou na plataforma do ônibus que mais parecia um formigueiro, com gente tentando descobrir qual era seu bus, você finalmente o encontra, despacha a bagagem e entra no busão. Um calor infernal, pois só ligam o ar depois que dá a partida no bus, mas você fica quieto, afinal já venceu todas as batalhas, do aplicativo que demorou mais de 15 minutos pra chegar até você, após várias desistências, o check-in, agora era só relaxar, na medida do possível, com gente entrando, entulhando as bagagens de mão no bagageiro interno, pisando nos seus pés para passar pra cadeira da janela, você prefere corredor, tem as pernas grandes e pode esticá-las. Pega o livro, que você sempre leva consigo nas viagens, vai abanando pra se refrescar. Finalmente o ônibus arranca, liga o ar e lá vamos nós. O motorista, tal qual as aeromoças em voo, dá as instruções de segurança em caso de acidentes, mas mineiramente conclui - se Deus quiser não vamos precisar de nada disto! Na viagem não dorme, só cochila e desce em todas as paradas, e come tudo que vê pela frente gastando uma grana em lanches e revistas, sempre pensa que vale a pena pra se distrair.
A saída de
BH demora mais de duas horas, trânsito infernal, BR 262 lotada de veículos e
bus até o funil da barreira da PRF. O que importa é que estamos a caminho do
mar. Ao amanhecer você já estará sentindo a brisa do mar na companhia de
amigos.
Depois de
tortuosa e torturante viagem, com gente que vomita, criança que chora, gente
que fala alto e solta pum, você chega ao seu destino. Encontrar um taxi não é
tarefa fácil. Depois de quase meia hora consegue um táxi, dá o endereço, mas
você não sabe direito, sua informação de rua e bairro deixa a desejar,
finalmente eis que encontra a casa. Bate na porta, alguém acordado antes da
hora, lhe abre, você vai abraçá-lo, ele urra de dor, passou o dia na praia sob
o sol, afinal quer voltar bronzeado, as costas estão em carne viva. Com as mãos
levantadas como num assalto, você pede desculpas, e quando a anfitriã vê a mala
surpreende- se como quem pergunta – quantos dias esse cara vai passar aqui?
Passado o
sufoco inicial, você senta-se à mesa do café da manhã e come pra valer, quando uma
das tias acorda e lhe pede para comprar mais pão, você pergunta quanto e ela
diz vinte. Ai você conclui que a casa está lotada. Sai preocupado, pois esqueceu
de passar no caixa eletrônico, torcendo pra padaria aceitar cartão, de crédito,
pois de débito só tinha uma ninharia, ia deixar para os gastos na praia, e
volta com um enorme saco de pão e a fim de tomar um banho. A espera é difícil,
banheiro com fila pra escovar dentes e quando chega a sua vez a água acaba e é
aquele tumulto, vamos ligar pra onde, caminhão pipa? Alguém diz que precisa ligar a bomba pra
encher a caixa d’água e você desiste de tomar banho – vou me banhar no mar!
Pergunta
onde é seu quarto e lhe dizem: é aqui no sofá da sala. – PQP! - olha pra cima e
vê um ventilador velho barulhento que balança todo enquanto gira e você pensa
como vai ser dormir ali – e se essas hélices se soltam e me cortam a cabeça? Mas
relaxa troca de roupa na sala mesmo, fazendo cortininha com a toalha e o resto
da casa acorda. Parece arca de Noé, tem gente e bicho de todas as espécie e
idades, aos burburinhos vão lhe apresentando a bicharada, você já sabe que não
pode abraçar, estão todos ardendo, e procura se entrosar, pois quem te convidou
é um amigo que ainda não se levantou e você fica ali com aquela cara de penetra
até que o dito cujo se levanta e faz as apresentações – esse é meu brother,
trabalha comigo, tava sem programa eu convidei, tudo bem? - Claro, o que não
tem remédio, remediado está, fala a mãe entre os dentes com sorriso simpático.
Finalmente
o mar, aquele azul e imenso, mas só do meio para o fim, pois a praia estava apinhada
de gente. Achar um lugar pra armar uma tenda que coubesse todo mundo mais o cooler
e as comilanças foi tarefa hercúlea. A gente se ajeitou, quem não coube debaixo
da tenda que se virasse com o sol na moleira e nas costas, agora ele entendeu. Entrar
no mar era outro desafio, tinha que pedir licença pra dar um mergulho, ou como
diz o mineiro – dar uma caída! E você lá, na cerveja, caipirinha, salgadinhos
da praia – queijo coalho, espetinho de camarão, pamonha e peroá frito - afinal
o ano estava acabando e você, pelo visto, queria se acabar junto com ele.
Fim do dia,
a volta pra casa, fila pro banho e você como visita ficou por último, apesar de
ter ficado fora da tenta e ter queimado feito um pimentão, esperou pacientemente
a sua hora, torcendo pra água não acabar. Quando finalmente chega a sua vez o ajantarado
já está sendo servido e você se preocupa se vai sobrar pra ti. A macarronada
era farta e lhe sobrou. Banhado e jantado, depois de 12 horas de viagem, cerveja
e praia você quer dar aquela descansada, mas sua cama - o sofá – está ocupado
com as pessoas vendo novelas na TV. Você vai pra varanda, arranja um lugar no
chão e se refestela por ali mesmo colocando suas costas quentes no frio
ladrilho e dorme e ronca sendo acordado várias vezes, pois estava atrapalhando
a novela.
Acorda depois
de algumas horas de sono sentindo um revolver na barriga e sua cabeça girar
feito roda gigante desatinada, seu corpo se levanta num sobressalto pois algo
lhe vem à garganta e você corre para o banheiro e põe pra fora tudo que ingeriu
gulosamente na praia e na viagem identificando cada um à medida que os expelia
em jatos pela boca. Quando terminou este jorro e você pensou que era só isso,
outro jorro se avizinhou, agora para baixo, seu intestino botou pra fora tudo
que conseguiu nele chegar. Envergonhado, com o banheiro cheirando a esgoto, você
sai pedindo desculpas e se dispondo a limpar. Todos te olham estranho, embora
lhe perguntem se está tudo bem.
A noite
envelhece e finalmente você pode dormir no sofá que lhe era devido com aquele
ventilador assassino, mas não tinha escolha, ou isso ou calor. Mas você não
conseguiu dormir, passou a noite de carreirinha sala/banheiro. Ao amanhecer,
abatido e vomitando bílis, lhe recomendam que procure um atendimento médico. Lá
chegando foi atendido com brevidade, devido ao seu estado pois foi constatado
uma séria infecção intestinal. Colocado no soro lá passou os últimos dias
daquele ano, na virada fez tim-tim com as enfermeiras e médicos do posto de
saúde brindando com soro. Seu amigo foi vê-lo algumas vezes, mas você foi agraciado
com a famosa salmonela, por pouco não vai dessa pra melhor.
No dia 1º
foi liberado, passou em casa, pegou sua mala e foi pra rodoviária em viagem de
volta feliz por ter sobrevivido a tudo aquilo. Mas depois disto se alguém lhe
convidar pra uma passar a virada do ano na praia corre o risco de ganhar de
volta um bom palavrão. Réveillon só no conforto do lar.
Neusa Lima
2 comentários:
Obrigada Tião pelo carinho
Ei Neuza, a leitura fluiu. Eu lendo e torcendo pelo/a personagem. Mas quê...Tomara que ele/a, num próximo fim de ano, não desista de viajar. E você nos conte como será. Abraço!
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