QUANDO OS MAUS PERDEM A VERGONHA

 

Fonte: Facebook


Além de publicar todo sábado um texto nas páginas voláteis deste blog, também repasso uma mensagem curta às segundas-feiras para algumas pessoas que me são próximas, através do WhatsApp.

As mensagens requerem um grande exercício de criatividade (o que me deixa animado), pois o texto, uma citação, vem acompanhado de comentário e ilustração. Para isso, conto com as ferramentas do Google (pesquisa de conteúdo), Pinterest – notadamente (para a ilustração), Paint e Canva (para a formatação).

O conteúdo é acompanhado de um breve comentário, onde procuro driblar o moralismo, isto é, evitando me apresentar como dono da verdade e do que é certo, repassando receitas de bem-viver.

Em certa segunda-feira, a mensagem era uma citação de Hannah Arendt, que dizia: “Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança”. No comentário, deixei o convite para que cada um fizesse renascer a Esperança, dando um basta à maldade, ao ódio e à mentira. Também manifestei o desejo de que essa luz da Esperança iluminasse os caminhos de todos.

Dias depois da publicação, li uma reportagem em determinada revista eletrônica, que ilustra bem o que disse a filósofa Arendt (Revista FORUM, 20/03/2022, cuja matéria serve de referência para o texto abaixo).

Laura Cardoso é uma socorrista que trabalha no SAMU em São Paulo. Em certo dia, foi atender um paciente com sequelas de AVC, de 90 anos, diabético, com hipertensão, que recebia dieta via gastronomia e com demência. Assim que chegou ao apartamento, foi surpreendida pelo modo com que o filho do acidentado a recebeu:

- Mas não tem médico para atender? – perguntou de maneira agressiva.

Alex, companheiro de Laura, pacientemente, tentou explicar:

- Nem toda ocorrência requer ou pode contar com a presença de um médico.

Ao entrarem no quarto onde estava o senhor acamado, nova surpresa esperava Laura. Uma senhora, mulher do doente, comentou, desesperada:

- E agora, ela é negra!

Ao que o filho respondeu:

- Tudo bem, mamãe, ela está usando luvas!

Laura disse que, mesmo depois de ouvir essas amargas palavras, atendeu devidamente a vítima com suas mãos enluvadas e a encaminhou para um hospital privado, seguindo a preferência da família.

- Se você está perguntando porque essas pessoas receberam o melhor tratamento possível, eu respondo: quem elas são não muda quem eu sou – desabafou a socorrista.

Veja o quanto é atual a citação de Hannah Arendt: “Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo!”. Até pouco tempo atrás, uma pessoa má, preconceituosa, racista, truculenta e arrogante, parece que tinha medo e vergonha de revelar sua natureza patológica. Agora, não, de uns tempos para cá, ficou bonito ela revelar a podridão que carrega dentro de si. Pobre Brasil. Pobre mundo em que vivemos. Mais do que nunca, precisamos nos lembrar das palavras de Haile Selassie: “Enquanto a cor da pele for considerada mais importante que o brilho dos olhos, não vamos viver em paz.”

Etelvaldo Vieira de Melo

5 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto! E muito apropriado para os dias de hoje. A propósito,um dos papas recentes, se não me engano, o João XXIII,disse que o mundo atual padece do cansaço dos bons. Não somos tão bons assim e, por isso mesmo, precisamos todos os dias nos reabastecer no bem que encontramos em tantas pessoas nesta vida, para não cansarmos tão facilmente e podermos então reagir construtivamente para juntos revirarmos este mundo.

Unknown disse...

Parabéns adorei o texto suas palavras me representa.

Anônimo disse...

A cuidadora dos velhinhos não usava luvas porque naquele tempo ainda não se tinha tanto medo de contágio nas relações humanas.
Vovó fora levada para o asilo na cidade de Ouro Preto pela família e ali descartada, como se faz com o lixo da casa, para o conforto geral.
Vovó era muito enjoada. Agressiva, inconveniente até.
A cuidadora não se importava com os desaforos. E continuava acarinhando a velhinha.
Oi, vovó, como você está linda hoje!
Pare de me chamar de vovó. Não tenho neta preta - disse a velhota.
É mole?
JD Vital

Unknown disse...

Etelvaldo
Que texto brilhante, atual, leve e profundo. É um lava-pés de esperança neste Brasil superficial (para uma faixa, além das Tordesilhas do respeito). Abraços

Unknown disse...

Etelvaldo
Que texto brilhante, atual, leve e profundo. É um lava-pés de esperança neste Brasil superficial (para uma faixa, além das Tordesilhas do respeito). Abraços
Mauro Passos

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